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Artigos-->Mito, Participação, Cidadania -- 30/05/2002 - 20:58 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MITO, PARTICIPAÇÃO, CIDADANIA



A Grécia Antiga tem muita coisa em comum com o mundo ocidental deste final de século, muito mais do que posso envolver com meu frágil discurso, é claro, mas, mesmo assim, eu me arrisco no intuito de despertar algumas reflexões que, sem duvida, se revelam necessárias.

A democracia na Grécia foi possível a partir do surgimento da racionalidade que foi um processo muito lento, preparado pelo passado mítico. A surgimento da escrita, da moeda, da lei, da Cidade, foram novidades que fizeram parte deste processo.

Não é nada difícil perceber que a democracia não poderia ser concebida num mundo dominado pela consciência mítica. Num mundo que sofre a constante intervenção dos deuses, determinando o destino dos homens. O homem era presa do destino, que é fixo, imutável, não podendo ser alterado.

Hoje, na nossa busca da democracia na organização nos defrontamos diante do pensamento mítico. Não exatamente como os gregos, mas, ainda a preponderância da concepção mítica à concepção racional. Esta afirmação merece algumas explicações. Roland Barthes, filósofo francês, falecido em 1980, ao discutir aspectos da cultura de massa, procurava analisar os esteriótipos sociais (mitos) apresentados como naturais, desmascarando como imposições ideológicas. Mito significa hoje, uma ilusão a ser exposta. Uma ilusão que visa suprimir o peso determinante da história assumindo um significado de segunda ordem, por meio do uso social, mais eficaz que o significado de primeira ordem. Um exemplo vai esclarecer esta afirmação: Barthes lembra o caso do vinho. O vinho não é uma bebida dentro outras na França, é um drink-totem que corresponde ao leite da vaca holandesa, ao chá da família Real Britânica ou ao nosso cafezinho. É "o fundamento de uma moralidade coletiva". Para o francês, "acreditar no vinho é um ato coercitivo coletivo e beber vinho, um ritual de integração social. Ao gerar significados míticos, as culturas procurar fazer que suas próprias normas pareçam fatos da natureza.

Vejam, porém, que o mito não é propriamente uma ilusão: o vinho é objetivamente bom (significado de primeira ordem) e, ao mesmo tempo, a bondade do vinho é um mito porque é agregado à convenção social significado de segunda ordem). Com a hierarquia na organização acontece a mesma coisa, se bem que ela não é necessariamente boa. Observando a organização comprovaremos que acatamos ao nosso chefe não porque ele esteja certo, mas porque ele é o chefe. Estamos, ainda, mais presos ao significado de segunda ordem. O chefe, também, é um mito.

O que marcou efetivamente o aparecimento da democracia na Grécia, no entanto, foi o cidadão da Pólis, figura inexistente no mundo mítico. A pólis, alias, se fez pela autonomia da palavra, não mais a palavra mágica dos mitos, a palavra dada pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da discussão, da argumentação. A expressão da individualidade por meio do debate engendra a política, libertando o homem dos exclusivos desígnios divinos, para ele próprio tecer o seu destino na praça pública. O saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de discussão. A instauração dessa ordem humana dá origem ao cidadão.

E nós, como vamos de cidadania? A reflexão ético-social do séc. XX trouxe algumas observações importantes: os meios de comunicação de massa, as ideologias, os aparatos econômicos e do Estado já não permitem mais a existência de sujeitos livres, de cidadãos conscientes e participantes, de consciências com capacidade julgadora. A imprensa, o cinema, o teatro, a literatura popular, nosso rituais, a justiça, a diplomacia, nossas conversas, nossas observações sobre o cotidiano dependem de representações que a burguesia faz e nos leva a fazer das relações entre o homem e o mundo. As normas burguesas são experimentadas como leis auto-evidentes de uma ordem natural. O mito nos apresenta, então, multiforme e, por vezes, indomável.

No espaço empreendido neste texto já fizemos várias considerações essenciais: o caminho da democracia pelo gregos; a performance do mito; o nascimento do cidadão na Grécia e o seu, digamos assim, declínio no século XX. Resumindo: Vivemos num estado de consciência mítica como os gregos nos séculos XII a VIII a.C., se bem que os gregos tinham os seus destinos na "mão" dos deuses e nós os temos nas imposições ideológicas da burguesia. Os gregos alcançaram a democracia com a emergência do pensamento racional e o aparecimento da figura do cidadão e nós estamos a caminho: na busca da cidadania ainda enfrentamos o poder do mito.

Mythologies, de Barthes, representa o início de uma tradição de desmistificação. Analisar mitos, afirmou ele em 1953, "é a única forma efetiva de ação política de um intelectual".

A sugestão, por fim, fica por conta do próprio Barthes: O pensamento progressista, afirmou ele, "sempre deve lembrar-se de reverter os termos dessa velha impostura, e de desvelar constantemente a Natureza, suas leis e seus limites, para nela descobrir a História e, por fim, estabelecer a própria Natureza como elemento histórico".



Dante Gatto, Professor Assistente (UNEMAT).

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