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Contos-->O Bilhetinho -- 02/07/2003 - 11:48 (António Torre da Guia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Enformando e aprimorando o improviso

 

O BILHETINHO...

Por volta dos meus 12 anos de idade, eu gostava, eu adorava que meu Pai fizesse amor com minha Mãe. Sentia-me de íntimo esplêndido e algo de inexplicável me enchia o peito de orgulho logo que meus ouvidos captavam os ininteligíveis murmúrios de ambos no seu quarto de cama, e isto à parte do meu óbvio e malvadozinho interesse.

O meu quarto era um tanto ou quanto afastado do de meus pais, mas alturas havia que pela calada da noite eu pressentia que eles entravam a fazer doçuras um ao outro. Levantava-me num ápice e percorria pé ante pé um corredor com cerca de 20 metros até chegar junto do efervescente quarto, cuja entrada estava provida de um farto cortinado. Deitava-me então no assoalhado e rastejava por baixo da cortina até junto do bengaleiro móvel onde meu Pai pendurava suas vestes.

Ena... Céus... Que esplendorosa sofreguidão, que enlevo, que paixão... Tudo aquilo bem ali à frente de meus olhos, dois corpos devorando-se de amor à luz mortiça que brotava do candeeiro de cabeceira, semi-tapado com um jornal que provocava uma penumbra amarelecida.

Eu tremia, suava frio, suspenso de minha essencial intenção e ao mesmo tempo apoquentado pelo supremo e trepidante gozo que ali se fruía. Oportuno, de respiração parada, soerguia-me até alcançar pelo tacto o promissor bolsinho do colete de meu Pai. As pontas de meus dedos sondavam e, entre as moedas, experimentava a emoção do papel pelo dilecto contacto nas notas dobradas... Que arrepiozinho sensional por todo me perpassava. Apalpava, acariciava... Fechava a mão e quase paralisado de medo regressava pelo trilho inverso ao meu quarto.

Zás... Toninho... Que alívio. Tomava de pronto uma das minhas peúgas, introduzia lá a nota e metia tudo dentro de um dos meus sapatos. Depois, a congeminar as delícias que me aguardavam, cogitava a noite inteira até chegar a manhã.

Useiro e vezeiro, eu já tinha feito aquela cena dezenas de vezes, primeiro, atrevendo-me só a surripiar moedas, e por último já me lançava à tentação das notas. Se de 20, 50 ou 100 escudos, só pela manhã saberia, pois eu actuava completamente às escuras. Cem escudos, naquela época, constituía metade do ordenado mensal de um operário bem cotado.

- Maria... Tiraste-me ontem dinheiro do bolso?... Inquiria meu Pai de minha Mãe, sempre que a nota ia para além dos 20 escudos.

- Não... Homem... Sabes muito bem que nunca te mexo nos bolsos sem te avisar...

- É... Devo ter perdido 100 escudos... Não sei como nem aonde...

Como descrevia, naquela altura, vinda a manhã, tirava a suposta nota da peúga e sem ver meti-a de imediato no bolso dos calções. Tomava o pequeno almoço, pegava a sacola dos livros e ia regalado da vida para o liceu, mortinho por gastar a "massa" com os amigos.

- Caramba - dizia minha Mãe com ar de surpresa - hoje estás cheio de pressa...

Daquela feita, quando enfim me apanhei na rua, puxei ansiosamente pela nota... Mas... Oh... Era só um papelinho dobrado. Perplexo, desdobrei-o e li o que estava escrito: "Apanhei-te, meu melro... Logo vais jantar comida de urso."

 - Oh gentes, exclamei, estou lixado... Arre...

Bem... Imagine-se o que passei em sofrida expectativa nos tempos seguintes. Meu pai apenas sorria irónico para mim e não havia meio de referir-se ao assunto. Só passados alguns dias disse para minha Mãe:

- Sabes Maria?!... Parece-me que arranjei forma de nunca mais perder dinheiro...

E tinha arranjado mesmo. A partir dali nunca mais subtraí fosse o que fosse ao meu excepcional progenitor.

Torre da Guia

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