Em reportagem para a televisão, quando lhe perguntaram sobre sua vida amorosa, uma atriz de filmes pronográficos admitiu tratar-se isso de um assunto complicado, exemplificando que seu último namorado não passava de um falso moralista por não entender que as relações sexuais a que se submetia diante das càmeras eram apenas relações profissionais.
Na verdade, não é preciso ser moralista para desconfiar da fidelidade de alguém que encare sexo diante das càmeras como profissão. Longe de comparar tal atividade com a prostituição, visto que as mulheres que passam a integrar essa fatia do mercado informal de trabalho o fazem, segundo a indignação de algumas, para não morrer de fome, enquanto as porno-atrizes se beneficiam de um salário alto para os padrões brasileiros (de 2.000 a 5.000 reais) e trabalham muito menos do que as profissionais das ruas, que correm todo tipo de risco infinitas vezes já enumerados.
E, no entanto, as porno-atrizes inconformam-se com a opinião dos homens comuns sobre a sua forma de encarar o sexo. Realmente, para um homem que não vive nos bastidores desses filmes - que possuem inclusive, seu próprio "Oscar" e que movimentam milhões em dinheiro pelo mundo - é difícil acreditar que a mesma mulher que realiza todo tipo de proeza sexual com tantos parceiros quantos forem necessários para a produção do filme, vá gostar de verdade do seu namorado em particular e não dos colegas de trabalho, isto é, que a atriz sabe muito bem separar as coisas: quando emprestar seu corpo para uma personagem e quando se atirar apaixonadamente aos braços de seu amado.
Contudo, eu tenho uma pergunta para as porno-atrizes que sabem muito bem quando é hora de transar e quando é a de fazer amor: você perdoaria um escritor que deixou sua amada, vítima de um naufrágio, se afogar por escolher, naquele momento crucial de sua vida, salvar sua obra-prima recém-acabada?
Eu, particularmente, apesar das ganas de me tornar escritor, e amar o meu pseudo-ofício não consigo entender por que Camões deixou sua amada morrer para salvar Os Lusíadas.
Estabelece-se então uma relação interessante entre o que se considera nobre e heróico - a salvação da obra-prima e canónica da língua portuguesa - e o que se considera fruto de depravação e libertinagem: a incompreensão do porquê certas pessoas fazem certas coisas, aparentemente sem sentido, e continuam levando sua vida como se nada de estranho estivesse acontecendo.
A grande verdade é que é preciso ser Camões para entender porque Os Lusíadas é mais importante do que o amor, que o poeta tantas vezes cantou. É preciso estar dentro da cabeça de alguém para entender por que ela toma esta ou aquela decisão e vai para casa feliz - se bem que algumas pessoas nunca sabem por que (ou gostam de verdade do que) fazem alguma coisa e nem por isso são estranhadas pelos outros; nossa vida pública está cheia de exemplos...
Os problemas ao tomar atitudes estranhas a olhos alheios começam quando se busca uma justificativa para atenuar o estranhamento ou para se defender dele. Antes de acusar alguém de falso moralista, é preciso saber que esse alguém cresceu dentro de outro corpo com outra mente e com certeza faz outras coisas que são estranhas para outros que para si não o são; ao invés de se preocupar com o que os outros vão pensar, é preciso se preocupar em fazer o que gosta e sentir aquela incomum paz de espírito que não permite uma reação defensiva, mas que dota o indivíduo de tal compreensão que ele ou ela descobre finalmente que todos somos esquisitos, diferentes entre si e que não há hipocrisia maior do que estabelecer que todos devam ser compreendidos a partir de paràmetros quaisquer, seja a partir dos preconceitos do falso moralista ou da porno-atriz.