A EPISTEMOLOGIA DA TRADUÇÃO
João Ferreira
Os modernos cursos de tradução nas Faculdades procuram dotar os currículos de um instrumental teórico e prático capaz de levar o aprendiz a tradutor até aos átrios do sentido linguístico e semântico da língua. Os tradutores sabem teoricamente que a produção de um texto decorre de uma adequada sincronização entre a língua de partida e a língua de chegada, em toda a sua complexa rede de expressões socio-linguísticas e de sentidos semânticos. Também sabem que os simples conhecimentos linguísticos na partida não garantem necessariamente um texto correto na língua de chegada e sabem, da mesma forma, que o avançado conhecimento da língua de chegada não garante, a priori, a interpretação da tradução da língua de partida. Isto quer dizer que o ofício da tradução é mais complexo do que parece e há muitas surpresas que esperam o futuro tradutor na travessia de transformação de um texto estrangeiro em texto de língua vernácula.
Estas considerações levam-nos a encarar um problema prioritário na vida de um tradutor. Podemos chamar a esse problema a epistemologia da tradução. Ela abrange conhecimentos de todo o tipo, gerais e específicos, uns relativos à cultura geral e outros especializados. É próprio do ofício da tradução lidar com conhecimentos históricos, geográficos, críticos, filosóficos, gramaticais, filológicos, estilísticos, sociológicos, religiosos, políticos, estéticos, jurídicos, técnicos e outros. Como preparação remota, o tradutor deve ter uma cultura geral boa, para que, na hora de vestir a camisa de profissional da tradução, esteja preparado para não cair em "cochilos" lamentáveis relativos a dados consagrados na cultura geral da Humanidade.
Um bom exemplo de alerta, para evitar cochilos, está em dois casos que encontramos na língua francesa. O primeiro consiste em distinguir rigorosamente entre Gênes e Genève. Gênes é o termo francês para designar a cidade italiana de Gênova. Genève, por sua vez, é a palavra certa para designar a cidade suíça de Genebra, junto aso lago Leman. Da mesma forma, é necessário ficar atento para saber encarar a palavra Monaco que designa, na língua italiana tanto a cidade de Munique (Muenchen) como o Principado de Monaco.
É uma questão de analisar o contexto do discurso para distinguir uma e outra coisa.
Este aspecto diz respeito ao resguardo necessário da credibilidade da tradução e do tradutor. Os dois casos apresentados pertencem à crônica da tradução internacional europeia e costuma ser um escolho para muitos inexperientes tradutores.
Daqui se conclui que as escolas devem dar ao candidato a tradutor a consciência profissional de que, para traduzir bem, é preciso conhecer, tanto a língua de partida como a língua de chegada. O texto traduzido será o mensageiro direto do tradutor junto do público. É pelo texto traduzido que o tradutor mostrará juntamente com o nível de seus conhecimentos gerais, o domínio da língua de origem, sua correcção estilística e seu preparo profissional. É na prática da tradução que emerge toda a figura do tradutor.
Isto nos leva a concluir que a formação dos novos tradutores exige bons cursos de Teoria da tradução, Prática da tradução, Epistemologia da tradução, Análise comparativa de traduções e Oficina de tradução. A epistemologia da tradução e a análise comparativa de traduções são uma escola prática de crítica e avaliação. Nelas se aprende tudo, desde a consciência crítica e erudita da tradução até ao "modus"comportamental de um tradutor correto.
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