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Cronicas-->A Mulher que Pulou -- 28/01/2003 - 16:01 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Ela teve como primeiro pensamento o quao bela era a vista de la de cima, muito provavelmente seria esta a ultima beleza contemplada por ela em vida, ou não.
A morte exercia fascínio sobre sua imaginação da mesma forma que uma barata seria fascinada por rodiazol. Certo, os seres humanos são assim mesmo, mas pega leve, Mayara - foi um dos pensamentos de Setembro. De la pra ca a andada da vida ia e vinha quase que harmoniosamente amaciando em sua cabeça esta idéia que, aos olhos de alguns, e uma idéia macabra e doentia.
Num momento ela vai ate o extremo da quina e sente frio na barriga, na verdade há uma brisa fresca soprando nesta altura, através da qual ela ouve subirem o burburinho festeiro e Os Melhores Momentos da Jovem Guarda, com certeza do ape do Luiz. Perai, se minha morte vai ter trilha sonora, bota um Sinatra então, pelo menos... "Festa de Arromba"?... tenha do.
Mas percebeu que se distanciava da recapitulação. Fez um esforço e lembrou. Lembrou de Outubro, então, sim, o mês em que as coisas realmente começaram a despencar que nem livros de uma enorme estante, onde ela era uma traça no tapete prestes a ser esmagada pelo Processo do Kafka. Não seria exagero dizer que a vida virou um pesadelo kafkiano, alias? Não. Bem, o começo do ano tinha sido um "altos e baixos", em geral. Ela se agarrava na filosofia de que os amigos de verdade se contam com os dedos de uma so mão, mas concluiu que nenhum deles - daqueles - mereceria sequer uma falange de dedo. A "sem-amigos"? Mas e o pessoal de antigamente, "todos"? Onde estão "todos"? Não sabe.
Voltar no tempo seria a sua mais forte utopia, sua Meca dourada, a luz que a ciência não fez ainda. Chamaram de louca, mas entre acreditar que um dia se poderá viajar no tempo, e acreditar em Deus, ela escolheu a primeira, mas demorou muito e agora aqui estamos nos em cima do prédio. Por falar em tempo, era uma vez o tempo em que ela não trocaria de vida com ninguém, e nem tampouco voltaria no tempo. "Desconheço o arrependimento, o desconforto me e estranho". Filosofias de vida mudam assim como a gente perde pele quando toma sol.
A artista Mayara todos queriam ter conhecido, foi ótimo observar o próprio ego crescer robusto e florescer enquanto se bebe champanhe com caviar. Vestidos, maquiagem, casaco de pele, homens de Adão riquíssimos. Nessa época Deus ocupava um lugar em seu coração da mesma forma que os nobres da Idade Media ocupavam um lugar no céu - era comprado. Ela tinha aquilo tudo, então e claro que Ele e bom. "E bom comigo".
Neste momento acordou pois começaram os aclamados fogos de artifício, simbolizando uma empoeirada felicidade osmótica de todos aqueles seres arrumados e cheirosos la embaixo. O salão cheio borbulhava sorriso. No relógio constatou - faltavam seis minutos certinhos.
Foi-se o tempo em que ela usava uma linguagem que dava arrepios na elite e fazia suas frases serem lidas ao lado de sua glamourosa foto no jornal em reportagens da coluna social.
E ninguém avisou que aqueles frascos de remédio eram facílimos de abrir, e difíceis de fechar. Ela começou a pular no trampolim da vitória em seus vinte e poucos anos, e dali pra ca foi pulando cada vez mais, e mais, e mais alto, sempre querendo pular mais alto ainda. E e assim. E isso o que a química faz com o seu corpo. Ele quer pular. Pular muito, mas cada vez um metro mais alto, ate que você vai querer pular, so que vai pular pra fora, vai direto pro asfalto da ignorància. Mas ela já tinha decidido em Novembro que pularia uma ultima vez. O trampolim traiu sua dignidade de gato siamês, tiraram ele la debaixo na noite de Ano-novo, e não tem ninguém prestando atenção no que ela esta fazendo. Quem diria, antes pagava-se ingressos pra ver o que ela estava fazendo, ou pelo menos apertava-se "On" no controle remoto.
Passou sorrateiramente pela sua cabeça a idéia de "deixar pro ano que vem", fazendo jus a fama brasileira de adiar compromissos. Não. Ela preferiu "não deixe pra amanha o que você pode fazer hoje". Adiar suicídio e auto-apunhalamento.
E, se a meia-noite chegou fatal como chega o ónibus escolar numa manha chuvosa, não demorou muito para que tudo acabasse com um mergulho suicida no céu paulista em plena virada de ano ao som de uma cidra que estourava celebrando somente a própria celebração.
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