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Cronicas-->A hora de morrer -- 28/01/2003 - 16:36 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Hora de Morrer


No meio da noite o assassino acorda. Trrriiiiiiiimmm! - Nada - Trrriiiiiiiiimmmm!!! - Ele se vira na cama. E atende, corpo pesado e lento.
- Pronto. Quem? Ah, pode falar. Hã. Sei. Não. Não. Claro. Onde? Hã. Certo. Ótimo.
Clic.
Ele faz algumas anotações num papel na cómoda ao lado da cama, depois levanta o corpo pesado e maciço da cama, no escuro.
São quatro horas.
Ele caminha trópego até o banheiro e lava a cara. Mija. Assobia "Águas de Março" bem tosco, e então vai até a cozinha.
Enquanto ajeita o cabelo com a mão, espera o café esquentar no fogão. Come um pão com manteiga, molha no café, depois come uma bolacha recheada.
No banheiro ele faz a barba, sob a fraca luz amarela do espelho. Quase se corta. No banheiro chega o som do velho rádio lá no quarto, daqueles que só tem AM, rádio de velho, embora o assassino não seja velho.
O som que escuta é daqueles programas de rádio bem antigos, em que mal se ouve a voz de locutor, de tanto ruído. Sons velhos. Recordações, memórias, um pente marrom em cima da pia. Começa uma música que é totalmente desconhecida.
O assassino coloca os suspensórios, depois a calça, os sapatos, e veste um casacão pardo. O coldre da arma vai num cinto de couro perto do pé esquerdo. Ele pega e checa as balas do 38. Gira o tambor e clic!
Então, o telefone toca novamente, e ele estranha. Quando atende, ouve uma voz furiosa do outro lado:
- Aló Peter Parker! Aqui é o Jameson. Seu camarão, onde se meteu ontem? Será que esqueceu das fotos que tinha pro jornal?! Está me escutando, Parker?
- Eu acho que o senhor discou errado, senhor... sinto muito, mas não sou Peter Parker.
- Não?...
- Não.
- Opa! Há há. Desculpa, foi engano.
Clic.
Ele pega a chave e se prepara pra sair. Antes vai até a janela e observa a rua deserta, sob as luzes fracas da madrugada. Silêncio. Ele sai.
Lá fora está frio, pois a esta hora da madrugada sempre faz frio. Ele fecha bem o casaco e começa a caminhar pelas ruas. Só há ele mesmo nas ruas.
Ele chega afinal ao seu destino, um prédio de três andares bem velho e encardido. Ele toca a campainha lá embaixo, no número 9.
- Quem é? - diz a voz sonolenta do outro lado, depois de um minuto de espera.
- Aqui é a morte. O assassino. O carrasco, o canalha. E você?
- Ah tá. Eu sou a vítima. O alvo. Abriu?
Tééééé!
- Abriu.
Clic.
Ele sobe as escadas escuras do prédio, e vai até o terceiro andar. Lá chegando, fica sem fólego. Já não tem mais a mesma resistência dos velhos tempos. Ele tosse duas vezes.
A porta do número 9 se abre e ele entra lentamente no apartamento, que ainda conserva as luzes apagadas.
- Bom dia - ele diz.
- Bom dia - responde uma moça de vinte anos, de camisola azul claro, descalça, que tinha atendido ao interfone e à porta.
- Está sozinha?
- Não. O Rubem está na cama de casal, dormindo ainda.
O assassino caminha devagar em volta de si mesmo, depois observa ao redor, olha cada detalhe do apartamento. Detém-se por um instante num aquário com peixes. Ele sempre gostou de peixes.
- Eu acordei ele quando liguei? - ele se vira, de repente.
- Quem...? - a moça estava distraída.
- Rubem.
- Não. Ele tem o sono muito pesado.
- Aquele boçal. Muito pesado?
- Muito - repete ela. É uma moça linda, de cabelos castanhos bem claros e longos. Ela se senta no braço do sofá e começa a apertar os dedos do pé com a mão, olhando atentamente para o assassino. Ele está calmo, pensativo. Anda até uma estante de madeira escura da sala, onde estão empilhados vários retratos preto e branco. Ele olha um por um lentamente.
- Lembra desse aí da esquerda? Em Foz do Iguaçu? - pergunta ela, no meio do silêncio.
- Claro. Como eu ia esquecer? Mas vejo que agora há novos retratos, Ruíza... retratos coloridos. São os novos tempos? Rubem e você? Você e Rubem? - o assassino mantém a voz calma, e aí pega o maço e acende um cigarro com fósforos. Solta duas baforadas e fixa o olhar impassível sobre a moça.
- O que eu posso dizer? Me diz. Você sabe. Eu e o Rubem. Já faz tempo. Mas você sabe o que eu sinto, e sabe por que te chamei hoje. Era pra ter chamado faz tempo... fiquei sofrendo por muitas noites...
- Tá, não precisa repetir - cortou o assassino. Ficaram em silêncio, depois ele disse: - Quer fumar?
- Não, obrigada.
- Nervosa?
- Não. Decidida.
- Certo. Posso te beijar?
- Pode.
Eles se beijam demoradamente.
- Só me prometa uma coisa - diz ela.
- O quê?
- Que não vai encostar a mão no Rubem.
- Já prometi. Mas eu não entendo por quê.
- Eu já disse, Flávio... o Rubem não tem culpa nenhuma no negócio todo. Se alguém aqui tem culpa, sou eu... fui eu que senti amor por vocês dois ao mesmo tempo... eu devo pagar por tudo sozinha.
- Tá. E o dinheiro?
- Lá na mesa do café. Vai, vamos - disse ela.
Ele pega a arma no coldre e engatilha.
- Sou eu quem devo morrer - continua ela, decidida - Tchau, Flávio. Eu te amo.
- Tchau, Ruíza. Sua cadela.
BANG.



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