Teu rosto inalterado,
o olhar duro, frio,
um riso pré-calculado,
palavras poucas, colhidas,
a dedo, com muito cuidado...
Já vi isto vezes sem par,
mas até hoje, por razões mil,
nada pode fazer
que eu deixasse de te amar.
Pensei em todas loucuras,
todas as noites, todas as juras,
todas as tristezas, todas as agruras...
tudo que já vivi
sem deixar de lado, jamais,
aquela fé, aquela anestesia,
que me fazia ignorar
a dor que eu insistia
em fingir que não doía...
Agora, como num estalo,
pego-me a olhar-te e me calo,
apenas a observar
este homem tão estranho
que tu és há tanto tempo,
que eu vejo há tantos anos,
e não me entendo...me engano.
Olho de novo, esfrego os olhos,
mas é o estranho de novo.
Fico, então, imaginando
que o estranho sempre esteve
aqui, no mesmo lugar.
E que sou, então,
que estou onde não deveria estar.
Olho pra trás e pergunto
quanta coisa me mostrava
que aquele a quem eu amava
foi algo que eu criei,
fantasia acreditada
de Cinderela incrédula...
Não tem jeito:
da realidade não escapo,
o príncipe virou sapo.
Tento te sacudir,
ainda mantendo comigo
pequeno fio de esperança,
de te acordar,
de acordar a criança
que vai te fazer renascer....
Nada. Olhos frios, duros.
Iguais.
Desisto.
Sei que vou seguir.
A vida não espera.
Segue seu curso independente de nós.
Não adianta virar fera,
quebrar os vidros, amarrar os nós.
Ficou claro que há muito
já não existe um “nós”...
Tenho as mãos atadas,
os joelhos feridos,
as pernas cansadas
de subir tuas escadas...
Só sei que tenho que seguir.
Com ou sem você.
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