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Infanto_Juvenil-->Vingança de uns, emprego de outros -- 29/01/2003 - 00:34 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





Vingança de uns, emprego de outros


1 - O bar

Onze horas da noite. Na cidade os ares do verão aqueciam os ânimos daqueles que, até altas horas da noite, perambulavam em busca de emoção. Nas ruas, a agitação ia até tarde. O calor de Dezembro, característica tropical, só contribuía para que a diversão fosse ainda maior. Os enxames de mosquitos de calor infestavam incessantemente os postes de luz das ruas, enquanto os “bichos-urbanos”, os cidadãos, infestavam, compulsivos, os bares da noite.
Muitos com seu par, outros sozinhos, outros em grupos de amigos... comendo, conversando, bebendo, jogando, dançando ou até mesmo cantando num dos novos “bares de karaokê”, ou, ainda, simplesmente sentando-se à toa numa mesa... assim era a cidade a esta hora.
Porém, pelas ruas, sempre há aqueles que não estão se divertindo como a maioria. Aqueles que, por algum motivo, tem uma pulga atrás da orelha, e precisam tirar essa pulga, porque já está incomodando faz tempo. Como Wagner Santini, cidadão jovem e dito “comum”, para um observador descuidado. Poderia até ser o mais comum deles... mas não o é.
No momento Wagner cruza as ruas próximas ao litoral carioca, em sua eterna busca noturna. Essa busca só é partilhada por ele e por mais ninguém. É um andarilho, e também um solitário. Em sua motocicleta, permanece frio e objetivo em sua atitude. O que ninguém percebe é que por dentro ele está uma pilha de nervos, e isso já dura uns sete anos.
Finalmente resolve parar a moto, e o faz em frente a um dos inúmeros bares de esquina que se encontram pela cidade litorânea. Estaciona seu veículo próximo a umas outras motos que há por ali, e tenta pôr na cabeça que essa é sua noite de sorte. Quem sabe...?
No bar há o mais variado tipo de clientela, e, por sinal, todos muito entusiasmados. A barulheira é quase que insuportável, há indivíduos bêbados em seu auge de inspiração alcoólica, e, é claro, os filhos da mãe de plantão. Os filhos da mãe de plantão seriam aqueles sujeitos que, quando você entra num bar, imediatamente começam a te encarar, até que você se invoque, ou até que você vá embora. Wagner, sob os olhares provocadores, não reage de nenhuma forma. Simplesmente anda pelo bar, e vai até o balcão, enquanto abre a jaqueta de couro, alheio a tudo que se passa ao seu redor. Há algumas mulheres no bar, a maioria junto com grupos de amigos. O barman se aproxima e limpa o balcão à frente de Wagner.
- Boa noite.
Wagner não costuma ser arrogante com as pessoas, mas se tem uma coisa que ele não faz, é ser falso com os outros. Jamais diria “boa noite”, sendo que, para ele, esta não é uma boa noite, como muitas outras também não são.
- Olá – basta um “olá” reservado – Ei, me traz um uísque, OK?
- Já já, Dom.
“Dom”? Será que o barman está achando Wagner com cara de palhaço? Ou é um engraçadinho mesmo?
Enquanto a bebida não chega, ele aproveita pra se virar num 360o e inspecionar o ambiente e as pessoas por ali. Basicamente, todos o mesmo tipo de pessoa: farristas, bêbados, derrotados, vagabundos e estudantes irresponsáveis. Ao seu lado está um homem de mais de cinqüenta anos, forte, altão, esguio, e com uma expressão muito peculiar. Wagner vê pelo rabo de olho: olhos fortes e penetrantes, frios, e sobrancelhas extremamente grossas. Chega a dar medo. Tem um bigode muito bem cultivado, à moda antiga, como se fosse Hercule Poirot. Wagner quase chega a achar graça. A atitude do velho é de grande seriedade. Está sozinho.
Wagner sente, então, que justamente por causa de todas estas características, aquele homem pode ajuda-lo.
- Posso ajuda-lo? – indaga o velho, frio, notando que Wagner o encara.
- Hã? Ah, desculpe, eu estava olhando porque achava que o conhecia de algum lugar – respondeu Wagner, meio assustado, tentando ser simpático. O outro olhou meio torto e disse:
- Duvido muito que me conheça.
Ele não queria papo. Mas Wagner queria. O uísque chegou. Wagner mandou vir outro para o velho.
- É, acho que enganei. Bom, de qualquer forma, aceite uma bebida. Eu gostaria de bater um papo com o senhor, falando sério. Não me leve a mal, por favor.
- Bater um papo? Como assim, garoto? – o velho mantinha-se fechado.
- Não sei... conversar. É que eu reparei que você é mais ou menos como eu, entende? Aposto que você anda à noite sozinho, e não confia em quase ninguém no mundo. Acertei?
- Não vou dizer que esteja errado. Minha experiência pela vida afora tem me demonstrado que raramente se pode confiar num “irmão” nosso – disse o velho.
- Ah, debochando da igreja, hein, safado? – Wagner se animava cada vez mais – Eu também sou assim. Deixei de acreditar nessa ladainha toda quando a vida começou a me castigar. Quer dizer... a gente tenta, tenta, tenta, e aí é castigado sem motivo algum... guardo ressentimento dentro de mim, e sempre vou guardar.
- É ateu, também? – perguntou o velho.
- Faz tempo. Ignorantes são aqueles que se deixam iludir por crenças fúteis e vazias como a religião... o catolicismo... me responde: tem sujeito mais filho da mãe que o papa?
- Não.
- É disso que eu tô falando. A igreja só tem ladrão lá dentro. E as outras religiões estão sempre falando aquela ladainha toda e cobrando dinheiro dos burros... religião é pra otários.
- Já não tenho nenhuma crença... nos velhos dias, ainda tinha, pois era fraco e ignorante de vivência... agora, na velhice, já não presto pra nada, e muito menos pra rezar... – o velho agora falava mais abertamente – A bebida já me corrói o fígado, o câncer já me é evidente nos pulmões...
- Você tem câncer? – perguntou Wagner.
- Tenho. Mas não dou muita importância pra essas coisas. A vida não nos vale de nada, mesmo... só nos vale para se ter dinheiro, e para gasta-lo. E, quando não se tem ele... morre-se esquecido. Então, o negócio é aproveitar as coisas boas da vida...
- Concordo. Mas a doença não o incomoda?
- Não... creio que não. O meu trabalho não é prejudicado pelo câncer... moro sozinho, não tenho uma família para deixar passando fome... não tenho preocupações. Como já disse, não tenho um Deus.
- Eu também sou um descrente de araque... e um desgraçado. Se você soubesse das merdas que me aconteceram no passado... quer ver um negócio? – Wagner largou o copo, e começou a tirar a jaqueta. Então, levantou a camiseta e mostrou para o velho o peito marcado por uma imensa marca, uma cicatriz feita a ferro quente.
- Ich... – fez o velho, inabalável – Mexeu com gente ferrada, hein, garoto? É tortura?
- É. Tem sete anos. Guardo esta marca no peito e marco uma maior ainda na mente. Algo que não me deixa dormir faz tempo... algo que precisa ser feito. Aliás, agora consegui chegar ao verdadeiro motivo desta conversa, meu senhor. Não foi à toa que entrei neste bar esta noite. É algo muito delicado. Entenda, muito delicado até pra ser dito aqui num bar... mas, por favor, é algo muito importante.
- Nós não nos conhecemos, garoto. Não tenho nada pra...
- Por favor, somente me escute. Justamente por não nos conhecermos, é que resolvi falar com você. Depois de rodar bairros e mais bairros à noite, parece que achei meu tipo.
- Você é homossexual? – o velho olhou-o com um olhar quase que mortal.
- Não sou. Calma. Primeiro me escute. É coisa séria. Veja bem: após tê-lo observado aí, caladão, na sua, cheguei à conclusão de que você não se enquadraria nas descrições de um cidadão-modelo, ou qualquer merda parecida. Eu sei mais ou menos qual é a sua, com todo o respeito.
- E qual é a minha? – o velho quase que sorriu por baixo dos bigodes, como se agora passasse a se interessar pela conversa. O uísque dele chegou.
- A sua? Bem, o seu negócio não é como qualquer outro. Tenho quase certeza que você é um profissional, e provavelmente dos melhores... só que num ofício meio ilícito. Eu admito: também sou fora-da-lei. Se você não for, por favor me corrija. Peço desculpas. Mas, se eu estiver certo, não diga nada.
O velho tomou um gole e não abriu a boca. Só escutava.
- Bom – continuou Wagner – Acontece que eu tenho uma encrenca pendente. Um problema que – aviso desde já – é um problema só meu, mas que, sozinho, nunca poderia resolver. Preciso realizar um serviço criminoso, cara. Um troço sério. Com a ajuda de profissionais.
- Desculpe interromper, garoto, mas eu sinto muito. Não trabalho em grupo.
- Mas deixa só eu...
- Não. Eu trabalho sozinho. Há trinta anos que atuo no mundo do crime, rapaz... não sou nenhum garotinho inexperiente não. Posso até te dizer o que eu faço. Eu trabalho com armas. Eu fabrico e vendo armas. Estou nessa desde moleque. Não te direi mais nada sobre mim, e, por favor, não insista.
- Eu só quero que ouça...
- Não insista.
- Escuta! – Wagner perdia a paciência. Tentou não elevar o tom de voz, para não atrair atenção – É um serviço profissional. É como você gosta, pode apostar. Sei que é um sujeito sério, e profissional. Eu o respeito por isso. Mas só quero que entenda que eu também trabalho nesse esquema: é um serviço. Vou te explicar: trata-se de vingança pessoal, amigo. Isso mesmo. Tem uns caras que no passado me foderam pra valer... eu trabalhava num jornal, na imprensa... e acontece que lá ocorria muita robalheira, muito trambique, pois os chefões lá eram todos mafiosos... havia uma organização criminosa por trás da fachada do jornal... e, pra resumir, basta dizer que eu me recusei a me juntar a esta porcaria criminosa. A única solução para eles foi me torturar até eu jurar que nunca abriria a boca sobre eles. Foi o que fizeram. Me queimaram. Acredite em mim, isso é importante. No final nós dois sairemos recompensados. Você será pago quando acabar. E há total segurança pra que...
- Chega. Tenho assuntos a resolver – o velho pegou o casaco e se preparou para ir embora – Eu trabalho sozinho.
O homem pegou a carteira e contou o dinheiro do uísque.
- Ei, guarda isso aí. Eu te paguei a bebida. É por minha conta! – Wagner não queria deixar o homem ir embora.
- Nunca gostei de dever nada pros outros – disse o velho, deixando o dinheiro no balcão – Ah, e escute bem: não quero saber de você abrindo o bico por aí pra falar de mim, ouviu? Acaba por aqui. Nunca nos vimos. No ramo que trabalhamos, você sabe que denunciar os outros é cagada. Por isso, se eu souber que espalhou alguma coisa sobre mim, te mato, moleque. Nem me diga o seu nome.
- Você não me deve nada, cara. Dá pra...
Mas ele não ouvia mais. Deixou o bar com a mesma frieza com que entrou, e, logo em seguida, já tinha sumido na penumbra.
Wagner olhou em volta pra ver se alguém estava olhando. Em seguida mandou vir mais dois martinis, e virou o uísque de uma vez.



2 – Nelson

A noite corria solta. Já era quase uma hora. Os que já estavam bêbados, agora já estavam mamados. A euforia não tinha fim. Wagner não parava de beber, sozinho, no balcão, e não tirava aquele maldito pensamento da cabeça. Algo precisava ser feito. Já nem enxergava muito bem, de tão tonto que se sentia com a bebida. As pessoas ao redor pareciam espectros coloridos e lentos, a desfilar como que num sonho à sua frente.




A união


Wagner resolveu, mais tarde, falar com um rapaz muito animado que se divertia no bar junto com outros amigos. Chamou ele ao balcão e lhe explicou toda a situação. O rapaz era realmente entusiasmado.
· He, he. E você quer ajuda? – disse o rapaz, ao fim do relato de Wagner.
· É isso aí. Você topa? É só dizer do que precisa.
· Do que eu preciso? Preciso pensar nisso. Não posso ir dizendo qualquer coisa, sabe? Como se chama?
· Wagner Miguello. Veja, eu pensei muito antes de chamar você. Não parecia o tipo certo para uma atividade destas. É extrovertido, falador, animado, e isso pode até arruinar uma ação deste tipo. Mas acho que você sabe dividir trabalho de lazer e vai poder realizar tudo na maior frieza, certo?
· Sim... eu posso, amigo! Eu posso...
· Ótimo. Você está de carro?
· Sim. Por que?
· Me acompanhe de carro. Eu estou de moto. A casa do meu amigo fica perto daqui. Você vai entender por que vou envolver ele nisso tudo.
· Os dois saíram do bar, cada um entrou em seu veículo e se mandaram. O balconista do bar estava radiante devido à vantajosa gorjeta deixada pelo animado homem. Logo os dois pararam em frente a uma grande casa que era mais uma mansão. Tocaram a campainha, falaram no interfone e o portão se abriu. Enquanto caminhavam pela grama até a grossa porta de madeira, esta se abria lentamente. Um mordomo baixo e gordo os recebeu.
· Como vai?- disse - Faz tempo que não vem. Pode esperar na sala.
· Os dois foram levados a uma imensa sala cheia de móveis e objetos raros e exóticos, entre eles quadros, um piano, um tapete de pele e uma mesa de carvalho. Muitos livros. Era uma atmosfera confortável e relaxante. Parecia haver alguma música clássica tocando, mas era só impressão.
· Você conhece ele há muito tempo?
· Sim. Muitos anos.
· Não é nada comum casas como estas por aqui. O cara tem até um mordomo! He, he!
· Pode-se dizer que ele vive bem, não é?
· Nessa hora entrou um homem baixo, corpulento, com mais de trinta anos, bem vestido, fumando um charuto. Usava óculos, tinha um rosto delicado, atento, um olhar soberano.
· Boa noite! Faz tempo, hein?
· Sim. Vim tratar de um assunto sério e muito importante para nós. Se lembra do que lhe contei da última vez que nos vimos, não lembra? É sobre isso. Conheci ele agora, em um bar. Este é meu velho amigo, Guilherme DaCosta. Guilherme, este é... como se chama, mesmo?
· Nelson Prado Parreira, amigos- e deu um enorme sorriso.
· Certo. E ele vai nos ajudar.
· Conte-nos tudo sobre você, Nelson. Você sabe, eu preciso saber tudo sobre quem age comigo.
· Tudo certo, camarada. Nasci na Venezuela e me naturalizei brasileiro, por motivos pessoais...
· Aqui não temos nada pessoal, garoto. Eu quero saber tudo.
· Mas eu não...
· Quieto! Você não sabe com quem está falando, fedelho! Wagner, olhe só quem você arrumou! Um incompetente de fraldas!
· E você é o maioral, certo? Não vou abaixar a cabeça...
· Ei! Parem, por favor! Isso simplesmente não pode ocorrer! Estas brigas! Todos vão se respeitar.
· Nelson soltou uma gargalhada.
· Está certo, meus chapas! Bem, eu fui obrigado a me refugiar no Brasil, na verdade. Participei de muitos golpes em bancos e convenções. Eu tinha uma quadrilha. Estou com 23 anos. Fugi de lá com 18, somente. Foi um sufoco, mas consegui acertar tudo e recebi minha parte depois de um ano. Venho tendo então uma vida tranqüila e cheia de riquezas.
· Ele tem experiência, Guilherme.
· Nelson... Diga-me, você sabe atirar, não é mesmo?
· Claro. Isso é essencial.
· Ótimo. Mas tome cuidado com este seu temperamento. Vamos ver agora alguns planos de ataque que tenho comigo. Vou lhe dar algumas dicas. Ah, sim... você mora sozinho?
· Sim... quer dizer... moro com algumas amigas...
· Já entendi. Ligue para elas e diga que vai passar a noite fora.
· Eu vou?
· Tenho quartos aqui. Quero que vocês passem por um preparação que irá durar até tarde. Depois vocês podem se divertir na piscina.
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· 3 - Armadilha
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· Wagner dormia. Sonhava com os planos que seu amigo Guilherme havia preparado. A rua estava silenciosa. Estar naquela casa trazia uma sensação de segurança, de tranqüilidade. Lá o sono parecia ser mais puro, os sonhos mais leves, mais fantásticos. Por volta das três e meia da madrugada ele levantou da cama e desceu para tomar água.
· Aquela casa dava uma sensação divertida e excitante ao mesmo tempo. Andar em seu silêncio era como mergulhar em um perfume, como tomar um banho que cura qualquer dor. Ele desceu uma escada, estava em uma sala diferente, que era cheia de pequenas piscinas quentes e tapetes grossos e divisórias em pontos estratégicos, de modo que quando ele passava por uma delas abria-se a sua frente uma nova parte do cômodo, como se estivesse a explorar um novo mundo. Ele sentia vontade de sorrir. Nunca havia se sentido assim. Chegou então a um patamar com uma espécie de janela. Esta abertura não dava para a rua e sim para uma espécie de fosso cujo fundo estreito possuía uma água clara e que ia até bem fundo. Isso fez ele refletir sobre o que seria aquilo, para o que servia. Seguiu andando, desceu outra escada e concluiu ser este um andar subterrâneo. Era a cozinha. Pegou água em um jarro caro de porcelana e tomou. O gosto parecia ser diferente da água comum. De repente ouviu um som. Era perto. Algo caíra no chão. Correu. Entrou em outra porta. Correu por um corredor e chegou onde pensou que tivesse ouvido o ruído. Havia uma estátua no chão. Era uma estátua de Apolo, o Deus da luz. Quando ia colocar de volta ouviu algo caindo atrás de si e voltou-se. Poseidon estava no chão. Desta vez, atento, olhou em volta e colocou no lugar bem devagar. Quando ouviu um outro barulho, virou-se rápido e avistou um vulto se escondendo atrás das estátuas e largando Afrodite no chão. Ele saiu correndo, mas não achou ninguém. Avançou um pouco mais até chegar a um jardim cheio de estátuas, lagos artificiais e plantas penduradas no teto alto. Era uma estufa.
· Quando estava na borda da água, sentiu alguém empurrando-o. Agarrou-se em uma planta mas acabou levando-a junto para a água, que era até bem funda. Ele se debatia. Quando voltou não viu ninguém. Tirou a roupa molhada e deixou-a em um canto. Decidiu voltar rápido e avisar Guilherme. Mas o pânico fizera ele se perder. Não sabia mais em que parte da casa estava. Sentia frio. A cabeça começou a girar e quase desmaiou. Mas seguiu em frente.
· Conseguiu chegar a uma biblioteca. Era imensa. Muitas estantes altas, mesas, e sempre um tapete verde escuro no chão. A água escorria do corpo e pingava no chão. O tapete absorvia. Não conseguia mais raciocinar. Sentou-se no tapete. À sua frente estava um imenso corredor cujas paredes eram as estantes. Então viu surgir um homem lá no fim. Se dirigia a ele. Não conseguia identificá-lo. Enxergava bem, mas a vista estava congestionada demais. Via tudo embaçado. Quando o homem chegou a um metro de distância pôde ver quem era. Passou tudo pela sua mente. O emprego de redator, a descoberta das negociações, a tortura, e o aviso: “pode ir... mas vamos deixar alguém na sua cola...”. Depois, uma lembrança mais recente... um rosto sério, frio, sem expressão, sobrancelhas grossas, olhar resoluto... um rosto que agora estava novamente diante dele. Então, com a garganta colada à faca e quase sem sentidos, pronunciou suas infelizes últimas palavras:
· - O... cara do bar... merda!...
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· 4 - Convocação
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· Onze horas da manhã do dia seguinte.
· É isso mesmo. É claro que estou chocado, mas temos que ser realistas. A polícia não pode investigar nada. Tenho um imenso jardim e meu mordomo Alencar pode cuidar de tudo.
· Certo. O coitado não vai ter um enterro decente mas será vingado. A ação se tornou agora mais urgente. Pretendo continuar, camarada.- Declarou Nelson, com a mão no ombro de Guilherme.
· Vamos entrar. Você ainda precisa me contar o que resta sobre você.
· Eles entraram e se sentaram no sofá. Servindo-se de um copo de bebida, Nelson começou a falar.
· Como estava lhe contando, fugi para cá e comecei nova vida. Morando no início em Salvador, decidi que só estaria longe de encrencas na parte Sul do país, onde com certeza não se encontrava refugiado nenhum de meus antigos parceiros. Acabei me decidindo e vim para o Rio, onde tenho tido paz.
· Nasceu em 75, não é? Não passou por momentos ruins aqui, como eu. Quando criança, na década de sessenta, passei por maus bocados. Meu pai era jornalista. Junte isso ao fato de que ele estaria ferrado se publicasse o que não devia e ao fato de que foi o que ele fez.
· Ele se deu mal?
· Todos nós. Acabamos tendo que viver quatro anos na França. Eu era muito pobre no começo. Acabei me formando, com muito esforço, e logo depois meus pais faleceram. Eu trabalhava e estudava ao mesmo tempo. Eu tinha talento. E com um pouco de sorte, acabei progredindo. Não me envolvi em negócios sujos. E consegui enfim o que você vê à sua volta. Mas você deve estar se perguntando por que eu me envolveria nisso se já tenho tudo isso. Pois eu formei muitos contatos durante estes anos de trabalho. Conheço terroristas, arrombadores, bancários corruptos, políticos igualmente corruptos, ladrões, mafiosos e até malandros destes que se vê pelas ruas mas que podem ajudar muito. Eles vão contribuir. A propósito, um deles está prestes a chegar. Chamei ele ontem. É um especialista em qualquer tipo de atividade. Um sujeito muito experiente. Também marquei uma visita ao Clube Secreto de Serviços, uma organização de bandidos muito bem guardada com sócios que provavelmente irão ser de grande ajuda para nós. Iremos assim que nosso amigo chegar.
· Certo. Prometo guardar segredo sobre tudo, inclusive o clube.
· Ótimo. Pretendo ter um olhar bem clínico ao convocar os nossos futuros contribuidores. Você irá me ajudar. Ei, parece que nosso amigo chegou.
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· 5 - Preparamentos
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· Omar Gonçalves era um homem absolutamente seguro de si. Confiante. Esperto. Conhecia qualquer truque ou manha da espionagem, do saqueamento, do arrombamento, de qualquer tipo de golpe sujo. Era prático. Fumava como um condenado. Era alto, forte, cabelo bem curto, olhos negros, mais de trinta anos. Era habilidoso. Mas era um sujeito pobre. Sempre foi pobre. É do tipo que se percebe que não nasceu para ser rico. E ele não queria isso. Gostava de se esforçar para sobreviver. Ele era assim. Falava muito, mas não coisas inúteis. Falava o que precisava ser dito.
· Meu nome é Omar, me chamem de Sr. Gonçalves. Tenho muita experiência e me devem respeito por isso. Você é Nelson, certo? Você é bom? Não me diga. Primeiro preciso saber se é modesto ou se é orgulhoso. Se for modesto, no entanto realmente bom, irá dizer que não é bom. Se for convencido, dirá que é bom sendo ou não sendo. Mas você é uma pessoa sem mistérios. Nota-se facilmente sua personalidade pela sua aparência. Isto é mau. A blusa florida e aberta soma-se ao olhar gozador denotando bruscamente uma pessoa descontraída e animada e habituada a gabar-se, provavelmente. Concluo que é orgulhoso, Nelson. Quanto a ser bom ou não eu não posso dizer com absoluta certeza, mas posso adiantar que peca em ser muito sociável, aberto e emotivo para este tipo de serviço. No entanto, temos a chance de você além de descontraído ser também um bom ator, podendo atuar como uma pessoa fria e calculista durante um trabalho, mesmo sendo tão emotivo no lazer. Mas isto não costuma acontecer e por uma questão de experiência concluirei que você é sempre assim aberto, Nelson. E conseqüentemente digo que não é apropriado para o trabalho. Mas não se preocupe. Já transformei muitos como você em verdadeiros soldados de guerra.Vou colocar meu chapéu aqui, Guilherme, se não se importa.
· Esta explosão inicial gerou um silêncio longo na sala. Nelson não sabia se defendia-se do julgamento ou se apertava a mão do homem, congratulando-o. Preferiu ficar quieto e aguardar.
· Bem, Omar - disse Guilherme - já lhe contei o principal pelo telefone. Você vai nos ajudar muito.
· É o que desejo, por um preço justo, é claro. Considerando que não temos relações algumas, pois nem ao menos somos amigos, me recusarei a prestar um serviço como um simples favor.
· Está certo.
· Acho isso justo, Guilherme, porque, mesmo sendo um católico devotado e procure sempre defender o que é justo, também defendo o meu direito de trabalhar e receber e poder progredir na vida, embora aprecie a situação de luta e resistência que aqueles economicamente desfavorecidos experimentam, por algum motivo. É a minha personalidade. Mas como não sou muito informado no que se refere às características humanas genéticas e suas origens, deixo o assunto neste ponto.
· Como quiser. Vamos agora à minha sala particular. Vou mostrar-lhes algumas estratégias. Com a sua assistência, é claro... Sr. Gonçalves.
· Os três se dirigiram a uma sala quadrada, grande, a prova de som, com duas mesas cheias de papéis, uma estante e um tapete grosso que cobria todo o chão.
· Você é daqui, Sr. Gonçalves?
· Se nasci aqui? Não. Sou paulista. Mas passei quase toda a minha vida em outros países. Tenho uma vida agitada, estando neste ramo.
· Que tipo de países?
· Eu estive muito em Portugal, na Espanha, na África do Sul, no México... Uma vez fui para a China.
· Amigos... - interrompeu Guilherme - vamos precisar de alguns esclarecimentos. Nelson, defina o que vai querer em troca de sua ajuda.
· Eu sabia que iam acabar perguntando. Concordo que é importante saberem. Mas é uma coisa delicada. Muito mesmo. Não é dinheiro o que vou querer. Isso eu tenho de sobra. Nem benefícios políticos, este tipo de coisa...
· Seja direto, Nelson - disse Omar.
· Vocês pediram. Quero que matem duas mulheres para mim.
· Guilherme e Omar se olharam e este último retornou o olhar para Nelson, um olhar interrogativo.
· Como contei-lhe, Guilherme, sou refugiado aqui no Brasil. Mas menti quando disse que estava tranqüilo, que ninguém poderia me denunciar. Um dia antes de deixar meu esconderijo na Venezuela, quando cada um iria para o lado que quisesse e nunca mais se veria, recebendo seu dinheiro depois de um tempo, aconteceu algo. Minha mala estava em cima de um colchão, aberta. Duas capangas da quadrilha foram se pentear neste quarto e desconfio de que viram minha passagem para o Brasil. Sabendo disso, futuramente, elas poderiam me chantagear, alguma coisa assim. Isso me perturba. Não posso viver assim. Sei que elas podem nem mesmo ter visto a passagem, ou se viram resolveram guardar segredo, mas mesmo assim não posso descuidar. Na semana passada recebi um bilhete em minha casa, anônimo, com ameaças. Pediam dinheiro. A letra não é identificável. Mas não posso afirmar que são elas, entendem? Não acho que fariam isso. Não éramos somente companheiros de trabalho, éramos grandes amigos. E o problema é que, mesmo que eu decida acabar com elas, não temos como encontrá-las.
· Os três ficaram um tempo refletindo, sem solução. Omar enfim disse:
· Uma coisa é certa: precisamos eliminar, preste atenção, a pessoa que lhe enviou o bilhete e não necessariamente as capangas. Elas já teriam agido, penso eu, se soubessem algo sobre você. Fazem muitos anos.
· Concordo - disse Nelson.
· Elas tinham qualquer espécie de desvio mental? - perguntou Omar.
· O quê?!
· É isso mesmo. Tinham ou não? - repetiu.
· Não. Eram completamente sãs. Isso importa?
· Sim. Se elas fossem psicopatas agiriam sem cautela e apressadamente, mas se é como você diz elas mandarão pelo menos mais um bilhete, insistindo. Poderemos verificar o que elas escrevem, se é que são elas as chantagistas.
· Certo. Guilherme, vou ligar para minhas amigas e pedir para guardarem qualquer coisa que chegue para mim e me informem, certo? Darei seu telefone. Elas são confiáveis.
· Tudo bem. Mas não vamos atrasar a operação por causa disso. Mesmo que concluamos o trabalho antes de resolver esse problema iremos ajudá-lo até o fim. Agora vamos ao trabalho.
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· 6 - Acesso ao Jornal
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· Guilherme... Proponho um plano. Mas não poderei acompanhá-los. O plano depende disso. Terei de servir como um... manipulador, na verdade.
· Ninguém gosta de ser manipulado. Não irei aceitar isso, Sr. Gonçalves...
· Ouça e depois conteste, por favor, Nelson - continuou Omar - É o seguinte... Primeiramente iremos obter a planta do jornal, é claro. Precisamos saber também coisas como horários de entregas em caminhões, turnos... este tipo de coisa. Bem, aqui temos o endereço. Me encarregarei desta parte enquanto vocês visitam aquele tal clube, hoje a tarde. Seqüestrarei alguém de lá e trocarei de identidade com ele. Lá dentro cuidarei de obter arquivos de negociações e informações de todos os tipos sobre entregas, etc. Em seguida ficarei aqui mandando mensagens a vocês através do computador. Vocês acessarão o computador deles, que estará em um lugar já conhecido. Recebidas as mensagens vocês poderão entrar em ação. Acho melhor não perdermos tempo.
· Certo. Nos encontramos aqui mais tarde, Omar.
· Como disse?
· Está bem... Sr. Gonçalves!
· Até mais.
· Omar caminhou durante um tempo e ficou de tocaia atrás de um carro estacionado. Ao ver um jornalista sair do prédio do jornal, começou a segui-lo. Não esperou muito. Disse a ele que estava armado e levou-o para um beco.
· O que você sabe sobre as negociações no jornal?
· Eu não sei nada. Me deixe ir...
· Não. Se não falar terei de usar a arma, amigo.
· Tudo bem...
· O homem suava e gaguejava. Ele contou a Omar sobre o que seu chefe fazia mas não pôde informar nada sobre horários, entregas, estas coisas.
· Certo. Me dê sua roupa.
· O qu...
· Agora! Vamos!
· Omar usou de violência até que o homem cedeu e trocou de roupa com ele. Omar tirou uma corda do bolso e amarrou-o, deixando-o no beco e dirigindo-se em seguida para o jornal.
· Lá dentro havia muitas pessoas trabalhando e andando de um lado para o outro. Passou desapercebido e finalmente entrou na sala dos arquivos. Depois de uma busca rápida achou o que precisava e colocou na pasta. Quando ia saindo, chegou um funcionário e perguntou-lhe o que queria.
· Só precisava olhar um coisa, obrigado.
· Ei, você está aqui a pouco tempo, não é?
· Sim... sou novo aqui.
· Certo... Como se chama?
· Omar pensou se deveria inventar um nome ou dizer o nome do redator que ele encontrou na rua. Decidiu inventar um.
· Luís Antônio Braga.
· Bem-vindo, Luís. Você é redator?
· Sim...
· Tudo bem. Até mais!
· Omar saiu rápido do jornal e soltou o homem do beco. Mandou ele ir para casa e não dizer nada a ninguém.
· O homem estava apavorado e concordou.
· Omar seguiu o caminho de casa.
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· 7 - No Clube
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· Guilherme e Nelson foram ao clube, que ficava em uma grande casa longe do resto da cidade. Era uma casa velha e com muitos objetos antigos dentro. Aguardaram em uma sala de espera e depois foram recebidos por um homem alto de aparência sinistra. Provavelmente um vigarista de primeira. Se vestia bem e era calvo. Na verdade sua aparência era mais comicamente maquiavélica do que sinistra.
· Como vai, Guilherme?
· Tudo bem. Este é Nelson. Nelson, este é Lázaro Pantini. Vou direto ao ponto: preciso de dois ou três capangas hoje. Dos melhores.
· Amigo... devo dizer que você tem azar. Os meus melhores caras estão fora. Os homens disponíveis não são ruins, mas não são muito recomendáveis. Possuem muitos problemas. Mas pode vê-los, se quiser.
· Sim... vou dar uma olhada.
· Sigam-me... vou levá-los ao bar.
· Os dois foram levados, depois de descerem uma escada, a uma grande área cheia de mesas, com um balcão e cheio dos piores bandidos que se encontra por aí, alguns até bem excêntricos. Tipos estranhos não faltavam. Alguns sentados, conversando, discutindo ou até se desentendendo, bebendo... outros quietos em seus cantos, sozinhos.
· Eu já volto. - disse o anfitrião.
· Depois de alguns segundos ele voltou trazendo um cara forte, alto até demais, meio desajeitado, um pouco abobalhado. Era loiro, olhos bem pequenos, e sorria o tempo todo. Estava com uma garrafa na mão e ia tomando seu contéudo no gargalo. Foi apresentado.
· Este é Dario Schreder, filho de alemães, muito forte, não muito experiente mas conhecedor de muitas técnicas.
· Oi, Dario.- disse Guilherme.- Quem mais, Lázaro?
· Um momento.- saiu e falou com outro homem, sozinho, sentado em uma mesa. Veio em seguida.
· Quero que conheça Flecha- Alegre. Um bom sujeito. Age com cautela. Seguro. Confiável. Luta boxe. O único problema é que não fala a nossa língua.
· O que ele fala?- perguntou Nelson.
· Bem... tupi- guarani.
· Foi nessa hora que o sujeito saiu da luz e tornou seu rosto reconhecível. Era um índio brasileiro. Forte, cabelos negros, vestia um sobretudo e um chapéu e era muito alegre.
· Hum... - Guilherme refletia. - O que acha, Nelson?
· Este ficou sem saber o que dizer, confuso.
· Quero conhecer os outros, Lázaro. - concluiu Guilherme.
· Desta vez ele foi em direção a uma mesa onde sentavam-se três figuras. E voltaram os quatro, em seguida.
· Um deles era loiro, alto, magro, pele queimada, muito jovem. Tinha o cabelo preso em um rabo-de-cavalo. Guilherme concluiu ser ele um surfista. Foi apresentado. Se chamava Davi Wallace. O outro era César Leonel Buarque, também jovem, moreno, estatura média, magro, um rosto esquisito. Era artista. Poeta. Era calmo, tranquilo e ligeiramente sensível. Era muito habilidoso. O último, igualmente jovem, era um estudante. Estava na Faculdade e precisava do dinheiro para sustentar a família. Se chamava Ricardo Antunes. Tinha muito conhecimento e cultura, era rápido no raciocínio e no movimento. Tinha um rosto frio e compenetrado. Usava óculos, era alto e magro.
· Depois das descrições, Guilherme ficou em dúvida.
· Fora estes - disse Lázaro - tenho mais um sujeito. O resto é dispensável.
· Quem é este sujeito?
· Um momento.
· Depois de instantes estava diante deles um sujeito distinto. Era frio e calculista. Sobrancelhas grossas e ar inteligente. Um rosto impassível.
· Nelson no início somente observou-o, com interesse. Depois teve a impressão de que o conhecia. Mas aonde teria visto ele? Ah, sim, agora se lembrava... era o cara do bar... que conversava com Wagner, antes deste vir falar com ele.
· Porém - disse Lázaro - este homem age sozinho. Não trabalha em grupo.
· O homem também reconheceu Nelson. Mas não disse nada.
· Tudo bem - disse Guilherme - fico com eles. Darei um jeito dele se enturmar com os outros. Eles cobram muito?
· O necessário. O último que lhe apresentei acabou de voltar de uma missão. Você sabe, eles não trabalham só para mim. Têm empregos em vários lugares. Ele tem um serviço aí, com um jornal que serve de fachada para os “negócios”. Coisa séria. Mas eu lhe falo isso sabendo que esta informação será bem guardada, certo, amigo?
· Claro... Isso, na verdade, nem me interessa... - resmungou Guilherme, tentando disfarçar. Na verdade interessava, e muito.
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· 8- Acerto de contas
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· Nelson e Guilherme voltaram de carro para casa. Os capangas iriam chegar depois, em outro carro. Os dois iam calados, sabendo muito bem o que deveria ser feito. O acaso havia lhes trazido o assassino de seu amigo. E isso ia ser aproveitado.
· Ao entrarem na mansão estavam aflitos. Nelson falou primeiro:
· Bom... parece que o destino está brincando com a gente.
· A situação de repente ficou muito favorável. O que faremos?- perguntou Guilherme, ficando a pergunta no ar.
· Nelson foi preparar um drinque para os dois. O outro, sozinho no sofá, começou a refletir. Se lembrou da época em que conheceu Wagner. Jogavam cartas. Nadavam. Ele sempre vinha passar alguns dias em sua casa. Agora estava enterrado em seu quintal. Foi então que se deu conta do quanto este ato era insensível. As lágrimas começaram a rolar e ele só pensava no quanto gostava do amigo.
· Não tinha dúvidas: eliminaria o carrasco do amigo com as próprias mãos.
· Nelson sentiu pena de Guilherme e sabia que não deveria interferir na vingança do colega. Como que acordados de um sonho ouviram a campainha. Era Omar. Trazia alguns papéis nas mãos.
· Vamos estudar estas plantas cuidadosamente. - disse ele.
· A que horas iremos invadir?- perguntou Nelson.
· Nós vamos à noite, quando todos estão lá, quando ocorrem as negociações. Guilherme... fique com esta máquina fotográfica. Vamos levar provas para a polícia, depois do trabalho. Para o caso de alguém ter escapado. Observei aquelas fotos na parede, obviamente tiradas por você, que tem um gosto evidente por cavalos, e concluí que você vai ser nosso fotógrafo.
· Guilherme pegou a máquina, sem interesse.
· O objetivo é acabar com eles, mas, em último caso, podemos precisar de provas. É claro que vamos nos manter anônimos.- explicou Omar.
· Foi então que o telefone tocou. Guilherme atendeu e passou o fone para Nelson.
· Devem ser as garotas, querendo me avisar alguma coisa - disse Nelson - Alô. Como vão as coisas por aí? Como assim? Hã... diga.- Em seguida ficou um tempo em silêncio - Meu Deus do céu! Meu Deus! Eu não acredito. Eu preciso desligar. Depois ligo de volta.- e desligou. Seu rosto estava pálido.
· O que houve? - perguntou Omar.
· Eu vou tentar resumir. Hoje elas receberam um bilhete parecido com aqueles de que lhes falei. Com ameaças. E dizia que o tempo estava esgotado. Elas não sabiam o que fazer. Mas não chamaram a polícia. Quando eram umas quatro horas ouviram alguém arrombar a porta da frente. Então viram um brutamontes invadir a sala derrubando móveis, seguido de duas moças. O grandão tinha quase dois metros e devia pesar mais de 120 quilos. Tinha uma cara horrível, fumava um charuto vagabundo e usava roupas antiquadas. As moças pareciam ser irmãs. Loiras, altas e elegantes. Estavam procurando por mim. Elas disseram que não sabiam onde eu estava, mas aí o macacão agredia uma de minhas amigas. Foram obrigadas a dizer. Amarraram todas elas.
· Quantas são? - perguntou Omar.
· As minhas amigas? São quatro. Continuando, elas ficaram amarradas durante horas até que um vizinho meu passou por lá e resolveu fazer uma visita. Ele desamarrou-as e só então puderam me avisar. Eu estava certo. Minhas velhas “amigas” estão de volta. Eles provavelmente devem estar vindo para cá. Não sei como não vieram ainda.
· Precisamos agir. - disse Omar - Eles vão querer chantageá-lo, como você suspeitava. Pode ser que estejam armados. Vamos esperar. Por falar nisso, como foi no clube?
· Os homens estão para chegar. - Respondeu Guilherme - Você vai vê-los logo.
· Omar abriu uma maleta e tirou três armas de dentro. Deu uma para cada um e ficou com uma. Houve então um barulho vindo do portão.
· São eles, meu Deus! Vieram me pegar. - disse Nelson, apavorado.
· Eles carregaram a arma, atentos, e abriram a porta. Omar correu na frente. Os três correram pelo jardim prontos para atirar quando prestaram atenção no carro que encostava no portão. Era um Jipe. Na frente, dirigindo, estava Flecha - Alegre. Ao seu lado estava Davi. Atrás estavam os outros contratados, e entre eles se destacava o jovem intelectual, que falava muito. Discutia com todos, reclamava de Flecha Ter batido com o carro no portão. Davi tirou a cabeça para fora da janela e gritou:
· Aonde vão com estas armas, suas antas? Querem matar a gente?
· Desculpe. - disse Omar - Confundimos com outra pessoa. Guilherme, deixe-os entrar.
· Nelson trocou um olhar com Guilherme. Ambos tinham visto o homem silencioso sentado atrás, quieto.
· Depois que todos entraram, Guilherme chamou Nelson em um canto, enquanto Omar conversava com os outros.
· Nelson... Eu não sei se nós devemos contar para o Omar sobre o homem que vamos pegar.
· Entendo. Provavelmente ele vai dizer que isso não tem nada a ver com o trabalho e que nós devemos esquecer.
· O problema - disse Guilherme - é que o homem sabe quem nós somos, já esteve aqui antes. Não dá para saber se ele veio aqui só para nos eliminar ou se vai mesmo nos ajudar. Pode ter traído os companheiros do jornal.
· Isso não me interessa nem um pouco. Ele matou meu amigo. Vai sofrer igualmente. Vamos falar com Omar, sim. Se o homem pretende nos impedir, irá matar todos nós. Vamos.
· Quando os dois voltaram para a sala, viram Omar sair correndo para o outro cômodo, atrás de alguém que não sabiam quem era. Olharam aturdidos para os presentes na sala, também confusos. Quem não estava ali? O homem frio e calculista. Era atrás dele que Omar corria. Resolveram ir atrás.
· Entraram no salão onde Omar havia entrado e onde agora perseguia o fugitivo. Este tirou uma arma do casaco e atirou em direção a Omar, que tomou um tiro no estômago. Cambaleando, foi socorrido por Nelson. Guilherme passou correndo por eles, indo atrás do homem que queria ver morto.
· Eles saíram em um quintal, chegando depois na piscina. Era enorme. Tinha formato circular e em volta havia mesas com copos em cima. O homem, correndo, se escondeu atrás de uma das mesas. Guilherme havia perdido ele de vista. Então ouviu em estrondo vindo de trás seguido de uma dor insuportável no braço. O homem atirara nele por trás. Ele ignorou a dor e correu atrás dele. Quando se aproximou, saltou contra o homem, caíndo os dois na piscina. Eram dois metros de profundidade. Os dois se socavam na água, às vezes subindo para pegar ar. Quando o homem se preparou para atirar em Guilherme, este virou a arma, fazendo com que o tiro fosse dado no ombro do homem. Guilherme levou-o para fora da piscina. O homem sofria muito. Guilherme socou a cabeça dele com ódio até não restar mais vestígio de vida. Parado na porta que dava para o quintal, Nelson observava a raiva do colega. Não disse nada. Mas sua reação foi diferente quando ouviu o barulho de um carro estacionando, vindo da frente da casa. Guilherme, virando-se para olhar Nelson, viu este sumir para dentro da casa, com o pavor estampado no rosto.
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· 9 - Chicão e as loiras
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· Nelson chegou na sala e estavam todos olhando pela janela. Ele foi ver o que era e viu um carro estacionado em frente à casa, de onde saía um cara enorme. Depois saíram duas moças que ele já conhecia. Elas haviam mudado um pouco, mas ele as reconheceu de imediato. Joyce e Jaqueline Sabata. Ele já namorou com Jaqueline. Mas agora precisava detê-las.
· Vocês - disse Nelson para os presentes na sala - Eu preciso de ajuda. Essas pessoas que chegaram... querem me pegar. Por favor, peguem suas armas...
· Nada feito, xará. - disse Davi - Se não faz parte do serviço...
· Mas, meu Deus, se eles entrarem vão querer acabar com vocês, também! - gritou Nelson - Vão pensar que vieram me defender.
· Está bem - disse César, o poeta - Quebramos o seu galho.
· Esperem - disse Ricardo - eu conheço aqueles três - Faziam parte do Clube. São três vigaristas conhecidos como Chicão e as loiras. O cara é difícil de derrubar.
· Muito bem - interrompeu Nelson - Vamos para trás da casa. Pegaremos eles de surpresa. Eu, Flecha - Alegre e César vamos ficar no salão. Dario, Davi e Ricardo vão para a cozinha. Rápido, eles estão chegando.
· A sala ficou vazia e o silêncio só foi interrompido quando Chicão arrombou a porta, como fazia sempre. Todos ouviram o estrondo. Guilherme, atordoado, tinha dado a volta na casa pelos fundos, após matar o assassino de seu amigo. Não sabia aonde estava indo. Quando ouviu o estrondo da porta arrombada, sem saber o que estava havendo, decidiu ir até lá. A sala tinha três saídas. Uma dava para o salão, outra para a cozinha e a terceira para um corredor imenso. Foi justamente por esta última que Guilherme ia entrar na sala, não passando assim nem pelo grupo de Nelson nem pelo de Dario, não podendo ser avisado de que ele não deveria ir para a sala. Mas foi o que ele fez. Ficou aterrorizado. A porta estourada, sua mesa no chão e três pessoas estranhas encarando-o.
· Queremos Nelson Prado Parreira. E não tente nada, seu almofadinha! - gritou Joyce, que estava armada.
· Guilherme ficou imóvel, e viu que Chicão se aproximava lentamente em direção a ele.
· Guilherme pegou uma garrafa de uma mesa e bateu na cabeça de Chicão, fazendo o vidro estourar. Não adiantou nada.
· Surgiram então na sala Nelson, Flecha e César. Nelson apontou a arma para Chicão, que parou. Flecha - Alegre saltou em direção a Jaqueline, tirando sua arma e atingindo-a no rosto com um movimento rápido e forte. Ela chutava o rosto do índio, que não sentia dor alguma. Joyce apontou a arma para Nelson. Ele não sabia o que fazer. Se atirasse em Chicão, ela atiraria nele. Não teria dó.
· Foi então que César começou a espirrar. O vidro estourado por Guilherme era um perfume, e ele era alérgico. Quando Joyce se virou para ver quem estava espirrando, Nelson se aproximou e lhe deu um soco. Não tinha coragem de atirar nela. Dario apareceu na sala e agarrou Chicão. Este era mais forte, e jogou Dario no chão.
· Jaqueline, que brigava com Flecha, conseguiu pegar a arma e acertar um tiro no joelho dele. Davi e Ricardo apareceram atrás dela e a derrubaram. Chicão percebeu que estava sozinho e correu para a cozinha. Os outros foram atrás dele. César, que era habilidoso com facas, atirou um facão em direção de Chicão. Foi fatal. A faca perfurou o coração. Todos voltaram para a sala. Então ouviram um barulho de sirene. Algum vizinho chamara a polícia por causa dos tiros.
· Eles entraram em desespero. Dario foi pegar Omar, que estava deitado no salão. Ricardo decidiu pegar Joyce como refém. Ela se debateu mas ele conseguiu dominá-la.
· Rápido - gritou Guilherme - para a garagem.
· Todos eles correram para os fundos da casa. Havia um carro conversível e uma moto.
· Quem sabe andar de moto? - perguntou Guilherme.
· Eu. Pode deixar. - respondeu Ricardo, subindo na moto.
· Davi segurou Joyce e se sentou no banco de trás do carro. Guilherme ia dirigir e foi ligando o carro. Ao seu lado se sentou Omar. Atrás também foram César e Dario. Nelson havia sobrado.
· Foi com Ricardo, na moto.
· Os veículos saíram a toda velocidade. Mas havia um carro da polícia por perto, e começou a seguí-los. O policial atirava, e acertou o rosto de César, que havia se virado para trás. Ele gritava. Até que começou a perder os sentidos.
· Joguem ele na rua! - gritou Omar - Vai atrapalhar!
· Nada disso. Ele pode estar vivo! - protestou Davi.
· Eu estou mandando, fedelho! Mesmo se estiver vivo, não vai mais nos servir! Jogue o corpo! - Omar perdia a calma.
· Droga! - gritou Davi, jogando o corpo de César para fora do carro.
· Guilherme - disse Omar - você cometeu um grave erro. Matou aquele homem em sua casa e agora a polícia vai ficar na nossa cola. Não sabe matar um homem discretamente?
· Eu... perdi o controle. - disse Guilherme.
· O carro da polícia começou a ficar distante, até que perderam ele de vista. Precisavam encontrar um lugar para ficar. E rápido.
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· 10 - Refúgio
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· - Garota - disse Omar, se dirigindo a Jaqueline - Diga. Aonde é, ou pelo menos era, o seu esconderijo?
· Não vou dizer nada, escrotão! - respondeu ela.
· Omar deu-lhe um tapa e gritou:
· Não se meta a besta, menina! Se quiser ficar viva por enquanto, é melhor dizer! Eu te mato e te jogo na rua.
· Desgraçado - disse ela - Meu esconderijo fica fora da cidade.
· Aonde? - perguntou Davi.
· Vá em frente. Eu indico o caminho. - disse ela, com relutância.
· Eles andaram por muito tempo de carro, pegaram a estrada e finalmente chegaram a uma cidade no interior. O esconderijo era uma casa velha no meio do mato, com aspecto sinistro.
· Eles desceram do carro. Joyce pegou uma chave no bolso e foi abrindo a porta.
· Omar parou-a e disse:
· Há alguém na casa?
· Não - respondeu ela, entrando na casa.
· Quando todos entraram, Omar pegou Joyce e amarrou-a com uma corda que estava no chão.
· Espere - disse Nelson - Eu ouvi um barulho.
· Eu não ouvi nada - disse Ricardo - Você está louco.
· O que faremos agora? - perguntou Dario.
· Vamos ver se há comida aqui. - Disse Omar, indo para a cozinha, seguido de Guilherme.
· Bom - disse Ricardo - Eu vou ao banheiro.
· Ele se dirigiu aos fundos da casa procurando a porta certa. Havia muitas portas. Ele foi abrir uma delas e estava quase entrando quando sentiu uma mão no pescoço. A mão espremia-o cada vez mais e ele não pôde reagir.
· O corpo sem vida caiu no chão.
· Na sala, os outros ajeitavam uma mesa e pegavam um baralho que estava em uma estante.
· Começavam um jogo de pôquer quando Omar e Guilherme chegaram da cozinha com garrafas de cerveja latas de atum. Todos se serviram, quando Davi disse:
· Ei - o Ricardo ainda está no banheiro? - deve estar difícil, lá.
· Eu vou ver o que aconteceu. Ele pode ter achado algo, na casa. - disse Guilherme, levantando-se.
· Ele foi andando em direção ao corredor, quando parou. Voltou à mesa.
· Tem alguém nesta casa - disse para os outros.
· O quê? - disse Omar.
· É sério. Eu vi um vulto no corredor. - disse Guilherme.
· Vamos lá - disse Omar, levantando-se.
· Os dois andaram pela casa e chegaram ao banheiro. Ricardo não estava lá. Eles iam entrar em um dos quartos quando surgiu alguém armado atrás deles. Era um homem muito velho, com uma bengala em uma mão e a arma na outra.
· Vou lhes dar a chance de sair imediatamente daqui. - disse o velho - Se recusarem...
· Nelson havia vindo atrás de Guilherme e observava o velho. Quando escutou a voz fraca, sentiu algo. O tom de voz, a entonação, eram familiares. Ao ver os olhos azuis do velho não teve dúvidas. Ao mesmo tempo em que fazia a descoberta, o homem disse:
· O que vocês fizeram com a minha Joyce? Digam, bastardos!
· Quem é você? - perguntou Omar.
· Sou o pai dela. Eu moro aqui. Se machucaram ela...
· Ela está bem - assegurou Omar.
· Voc6e deveria estar ciente do tipo de trabalho que sua filha tem e saber que a qualquer hora ela poderia se meter em alguma encrenca.
· Eu quero ver ela - disse o velho.
· Está bem, venha - disse Omar, indo até a sala.
· Quando ele viu a filha amarrada, entrou em desespero. Sacou a arma novamente e apontou para Guilherme.
· Soltem ela! Vamos!
· Omar disse a Dario que soltasse ela. Quando ele estava desamarrando a corda, o velho perdeu o controle e atirou em Dario, que caiu no chão. Guilherme partiu para cima do velho e tirou-lhe a arma, em um movimento arriscado.
· Eles amarraram o velho e soltaram Joyce, que estava calada. Nelson evitava olhar para ela.
· Cinco minutos depois, quando as coisas se acalmaram, Nelson conversava com Omar.
· Como sabia que aquele homem na casa de Guilherme precisava ser pego?
· Simples - disse Omar - Vocês haviam me dito sobre a morte de Wagner, na mansão. E disseram que era um cara do jornal. Um homem frio. Analisando a aparência dele, já fiquei desconfiado. Além disso, ele andou pela casa como se já a conhecesse. E conhecia, pois tinha ido lá matar Wagner. Quando mostrei a todos os planos e as plantas do jornal, ele tentou disfarçar mas eu pude perceber que ele ficou sem jeito. Ele conhecia aquelas plantas muito bem. Ele viu que eu olhava para ele e saiu correndo. O resto você já sabe.
· Nessa hora Davi chamou a atenção de todos e disse:
· Vocês são péssimos homens de negócio. Quando fomos contratados, era para realizarmos um serviço e receber o pagamento. Muito simples. Acontece que estamos sendo procurados pela polícia e, sendo assim, merecemos um adiantamento.
· Garoto - disse Omar - Você quer que eu tire dinheiro de onde, neste momento? Se esperar, vai ser recompensado.
· Nada disso - respondeu Davi.
· A sala ficou em silêncio.
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· 11 - Desmembramento
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· Omar não sabia o que dizer. Depois de refletir, disse:
· Vá embora, se não está satisfeito. Pode ir.
· É o que eu vou fazer. Só que tem uma coisa. Vocês nunca me viram, certo?
· Certo. É um direito seu. - disse Omar.
· O jovem se encaminhou em direção à porta e parou.
· Hã... eu... queria pedir algo. Posso levar a garota?
· Nada disso, pirralho! Precisamos de uma refém... - começou Nelson.
· Eu também preciso! Vou sair sozinho!
· Não mesmo! - disse Nelson. - Além disso, você não poderia controlá-la...
· Posso controlar qualquer um - disse Davi, puxando Joyce pelo braço. - Vou me divertir com ela.
· Desgraçado! - gritou Nelson.
· Bem - disse Omar - Vou concordar com você, Davi, com uma condição. Se planeja nos denunciar, fique sabendo que nunca fui pego pela polícia e que costumo apagar todos aqueles que me prejudicam. Entendeu? E cuidado com a garota. Não deixe ela se descontrolar.
· Joyce não dizia nada. Estava meio fora de si.
· Davi acenou com a cabeça, se despedindo, e foi embora.
· Ninguém sabia o que dizer. A comida tinha acabado. Já haviam jogado diversos jogos de cartas. O velho estava sentado em uma cadeira, amarrado. Flecha- Alegre dizia, de vez em quando, frases em tupi- guarani que ninguém entendia. Dario estava em silêncio. Nelson demonstrava estar muito preocupado, enquanto Omar se mostrava tranqüilo. Guilherme parecia absorto em pensamentos.
· Muito bem - começou Omar - Nelson e Flecha- Alegre, vocês vão buscar comida no local mais próximo. Não vão em mais nenhum lugar, entenderam?
· Certo. - disse Nelson. - Vamos, índio.
· Os dois saíram e logo Omar ouviu o barulho do carro indo embora.
· Omar - disse Guilherme - Eu estou ferrado, quando voltar para minha casa, isso se voltar.
· Acalme-se. Uma coisa por vez. Primeiro, precisamos decidir se o trabalho ainda vai ser feito.
· Que traba... Nossa! Eu havia me esquecido, com toda esta confusão. - disse Guilherme - Escute, Omar, eu não tenho condições de continuar nisso. A minha reputação já era. A imprensa com certeza vai publicar tudo o que aconteceu na minha casa. Não posso Ter a mesma vida de sempre...
· Eu disse para se acalmar. Vamos esperar Nelson e Flecha e perguntar a eles o que acham...
· Não me importa o que acham. - disse Guilherme, seco.
· Os dois ficaram em silêncio.
· O tempo passou e logo o sol estava se pondo. Guilherme havia adormecido e Omar escutava música em um rádio velho que havia na casa. Foi até a janela. O pôr do sol. Ele adorava esta visão. Ainda mais no campo. A serenidade o acalmava. Mas estava um pouco preocupado. Os dois ainda não tinham voltado. Resolveu chamar Guilherme. Este ficou apavorado quando soube que não haviam voltado ainda. Decidiram soltar o velho. Ele não dizia nada. Parecia triste.
· Havia chegado a noite. Escutaram então um barulho vindo de fora da casa. Era um som de música. Omar desligou o rádio para escutar melhor. Foi até a porta e abriu-a devagar. Em frente à casa, sentado em um grande tronco no meio do mato, estava Flecha- Alegre. Parecia extremamente calmo e tocava uma flauta feita de bambu. Alguma música indígena. Era lenta e suave.
· Flecha- Alegre! - gritou Guilherme. - O que houve? Onde está o carro? E Nelson?
· O índio não respondia. Continuava a tocar. Mesmo que quisesse dizer algo, seria em tupi- guarani.
· Omar estava pensativo. Olhou em volta. Nem sinal do carro nem de Nelson. Virou-se para Guilherme e disse:
· Nelson provavelmente mandou o índio comprar os alimentos, enquanto esperava no carro. E então fugiu. Ou a polícia o pegou.
· Nesse caso - falou Guilherme - A comida deveria estar com Flecha.
· Foi então que notaram que havia um pacote de supermercado perto do tronco. Foram olhar. Havia algumas frutas e pão.
· O mais provável é que Nelson tenha fugido. - disse Omar - Ele parecia muito preocupado.
· Onde está Dario? - perguntou Guilherme.
· Lá dentro. - respondeu Omar - Se houvesse um telefone nesta casa...
· Por que não ligamos do supermercado? - sugeriu Guilherme.
· É perigoso, mas precisamos tentar. Guilherme, não sei se posso contar ainda com vocês. Podem muito bem dizer que vão telefonar e fugir, como Nelson talvez tenha feito.
· Chame Dario, por favor, Omar.
· Omar entrou e logo em seguida voltou com Dario.
· Escutem - começou Guilherme - Precisamos decidir se vamos continuar com isso. Se formos acabar com os caras do jornal, o dinheiro que eles possuem, é claro, irá ficar para nós.
· Certo - disse Omar.
· Guilherme continuou:
· Bom, eu não posso pensar em voltar para a minha casa agora. Porém vocês dois não têm este problema. Assim, o certo seria ir até o jornal. Mas... agora nós estamos enfraquecidos. É muita desvantagem. Não temos condições. A conclusão que tiro é que não há conclusão que se tire disto.
· Todos se calaram. Só se ouvia o som da flauta.
· Por que este índio está tocando esta porcaria justo agora? - perguntou Dario.
· Ele deve estar refletindo. - disse Omar, pensativo.
· Dario avançou para cima do índio e arrancou-lhe a flauta. Flecha- Alegre enfiou a mão dentro do sobretudo e de dentro tirou um pequeno cajado de madeira com um dente de algum animal cravado em uma das pontas. Antes que qualquer um pudesse fazer algo, o dente já estava dentro do pescoço de Dario. Guilherme e Omar, olhando, pensavam no lado brutal que o índio revelara ter. O velho havia saído de dentro da casa e observava o corpo de Dario no chão, ensangüentado.
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· 12 - Sem rumo
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· N manhã seguinte, Omar se dirigiu ao velho e disse:
· O senhor têm algum veículo aqui?
· Não tenho carro. Mas há uma bicicleta velha atrás da casa.
· Omar se virou para Guilherme e disse:
· E agora? Precisamos sair daqui.
· Escute, eu não me importo se você for embora - disse Guilherme - Afinal, eu não posso voltar para a minha casa ainda. Você pode voltar, para onde quer que seja. Aonde você mora?
· Em um apartamento. Infelizmente não posso alojá-lo por um tempo. Você está sendo procurado, e não poderia sair em público. Além disso, há outras pessoas morando comigo. Eles não iriam confiar em você, são meio sacanas... Eu sinto muito. Realmente queria ajudar...
· Eu sei - disse Guilherme - De qualquer forma, obrigado.
· Omar notou que Guilherme estava profundamente chateado. Estava em uma situação péssima. Teria que começar nova vida. Não poderia se expor por um bom tempo. Seus vizinhos olhariam para ele para sempre com desprezo. E tudo isso por causa de um serviço fracassado. Como poderia ajudá-lo?
· Já sei - disse Omar - posso arranjar um refúgio para você. Uma casinha na periferia. Alguns amigos meus moram lá, refugiados. Como eles não sabem, provavelmente, quem é você, não podem denunciá-lo. Além disso são boas pessoas. Trombadinhas, assaltantes...
· Acho que é a única opção, não é? - perguntou Guilherme.
· Sim. Por enquanto, é. - respondeu Omar - Mas... e quanto ao velho e o índio?
· Não sei.
· O índio tocava a flauta, no meio do mato. Os dois foram para fora, também.
· Eu vou levar ele comigo. - disse Omar. - Vou pegar a bicicleta.
· Cinco minutos depois Omar voltava com a bicicleta.
· Aqui está o endereço da casa na periferia. - Omar estendeu para Guilherme um papel com o endereço escrito - Você pode ficar aqui, enquanto pensa sobre o que vai fazer. Se resolver morar lá, diga aos meus amigos que você me conhece. Eles vão pedir uma senha, por garantia, e você diz “casa nova, vida nova”.
· “Casa nova, vida nova”?
· Isso - disse Guilherme, subindo na bicicleta. Depois chamou o índio, que demorou para entender que era para subir na bicicleta.
· Omar - disse Guilherme, antes dos dois irem embora - Sou eternamente grato pela ajuda.
· Não há de quê. Mas, lembre-se, nós nunca nos vimos antes. - disse Omar, pedalando em direção à estrada.
· Certo.
· Quando a bicicleta sumiu de vista, Guilherme se virou para o velho, que o observava. Andou até ele.
· Eu não sei como lhe dizer... mas, por favor, quando eu for embora, não me denuncie. Eu sei que agredimos o senhor e sua filha, mas eu estou profundamente arrependido. Estávamos em uma situação cautelosa. Sinto muito. Eu não quero machucar o senhor nem ninguém, então peço que esqueça o que aconteceu.
· Esquecer eu não vou. Nós não controlamos a nossa memória. - disse o velho - Mas eu fui criado com o conceito de que nunca se deve esquecer de perdoar, seja quem for, pelo motivo que for.
· Sabe - eu agradeço muito - Eu não deveria estar metido nesta encrenca. Fiz isto para ajudar um amigo... com sua vingança.
· Percebi que não era como os outros. Você é bom.
· Porém - disse Guilherme - Perdi grande parte de minha bondade. E me vejo em uma situação que com certeza vai fazer com que eu perca ainda mais. Amanhã vou embora. Vou ficar na periferia. Não tenho opção.
· Você é quem sabe, se quer continuar com a maldade ou com a bondade. Eu já disse isso à minha filha e você sabe que caminho ela escolheu.
· Sei também o que aconteceu com ela. - disse Guilherme.
· Os dois, dentro de casa, iam se sentar quando ouviram um grito vindo de fora da casa.
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· 13 - Desespero
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· Guilherme abriu a porta e lá estava Omar, todo ensangüentado, na bicicleta. Seu rosto estava sem cor.
· A polícia, Guilherme, a polícia. - disse ele rapidamente, largando a bicicleta e entrando na casa.
· Como assim? - perguntou Guilherme - Cadê o índio?
· Acertaram ele com um tiro. Estávamos na estrada, quando vimos o carro da polícia vindo. Demos meia volta, mas eles começaram a atirar. Um tiro matou Flecha e outro pegou em mim. Eles estão vindo!
· Guilherme se virou para o velho e perguntou se havia alguma arma na casa.
· Há uma espingarda no meu quarto.
· Ótimo - disse Omar - pegue ela. Eu tenho uma arma comigo.
· Guilherme foi até o quarto. Procurava a arma desesperadamente. Ia gritar perguntando aonde estava, mas a voz não saía. Enquanto revirava o conteúdo de uma arca, sua cabeça girava. Ele queria que os policiais soubessem que ele havia se regenerado. Que considerassem isso, e não o prendessem. Mas isso não era possível. A lei não voltava atrás. Iria cumprir pena. Mesmo tendo prometido a si mesmo nunca mais cometer um crime. Isso criou um grande desespero nele. Não conseguia achar a arma. Entrou em pânico. Estava ao mesmo tempo furioso com a polícia que o prenderia e desesperado por não poder explicar ao mundo que não era como qualquer outro criminoso. Mas, perante a lei, ele é.
· Foi então que ouviu o barulho do carro. Haviam chegado. Omar não conseguiria lidar com dois ou três policiais sozinho. O suor escorria de sua testa. Achou a arma. Estava descarregada. Ouviu a porta sendo arrombada. Ouviu tiros. Não sabia quem tinha atirado em quem. As balas pareciam levar uma eternidade para entrar na arma. Ouviu passos no corredor. Com a arma carregada na mão, não sabia o que fazer. Ficou paralisado. Soltou a arma. Saiu do quarto, devagar, e deu de cara com dois policiais. Os policiais, pensando que ele fosse reagir, apontaram a arma para ele. Ele só levantou os braços e foi caminhando em direção à porta da frente. Antes de ir acenou para o velho, que sorriu para ele. O corpo de Omar estava no chão. Estava morto. Aquele era o homem que nunca havia sido pego pela polícia. Era. Os policiais foram andando atrás de Guilherme e o algemaram. O corpo de Dario ainda estava lá fora. Os três entraram no carro. Um dos policiais disse:
· Não é este o dono da mansão em que estivemos hoje? Aquela cheia de presuntos?
· É. - respondeu o outro. - É incrível. Todo aquele dinheiro... Aquela casa... ele deve ter tido um bom motivo para entrar nessa.
· Guilherme não dizia nada. O carro passou pela parte da estrada em que estava o corpo do índio. Havia alguns investigadores em volta. O carro passou direto.
· Já era por volta de meio-dia quando o carro chegava na cidade. Estava um dia lindo. O sol forte, o céu limpo. Era sábado. Guilherme, olhando pela janela do carro, observava as pessoas nas ruas. Pessoas alegres, sem o problema que ele enfrentava naquele momento. Pessoas livres. Daria tudo para trocar de lugar com qualquer um deles. Mas estava indo rumo à prisão. A prisão que o livraria das tentações e contratempos que a vida traz para testar todo ser humano. Ele caiu em uma destas tentações. Se lembrando de todos os seus colegas contratados, se deu conta de que era o mais afortunado. De todos, era o único que estava tendo a oportunidade de ir para a prisão. Era assim que ele enxergava sua situação, naquele momento, no carro da polícia. Uma oportunidade de se libertar.
· Esse caso não foi nada em comparação à invasão da qual eu participei, ontem. - disse um dos policiais.
· Ah, é? - disse o outro - Que invasão?
· Você nem vai acreditar, cara. Um jornal que servia de faixada para uma organização de tráfico de drogas. Dá pra acreditar?
· Como foi? - perguntou o outro - Pegaram eles?
· Todos. Com a mão na massa.
Guilherme sorriu para si mesmo, pouco se importando com as pessoas que, na rua, olhavam curiosos para um homem feliz em um carro da polícia.



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