Usina de Letras
Usina de Letras
18 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->A REVOLUÇÃO -- 02/02/2003 - 01:14 (José Renato Cação Cambraia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A REVOLUÇÃO

Combinaram de se encontrar pontualmente às oito horas na casa do Freitas. O primeiro a chegar foi o Tuba, afoito como sempre.

- Cadê os caras, cadê os caras?
- Ainda não chegaram. Entra.

Entraram na pequena sala de televisão, e a Neide, a mulher do Freitas, levantou-se e, sem dizer boa noite e com cara de poucas amigas, rumou para o quarto carregando no colo a pequena Isabela, de três anos. Não gostara nada daquela idéia de reunião política na sua casa à noite. Por quê tinha que ser lá? Por quê não na casa do Orelha, que mora sozinho? Mas aí o Freitas disse:

- Eu já te disse, Neidinha, que a casa dele fede! Ele não limpa o cocó do cachorro do quintal. E não fala Orelha, é Orêia! Orelha é órgão, Orêia é nome próprio!
- Tudo bem, Azenam, dessa vez passa. Mas a gente ainda vai conversar, ah vai...

Ele odiava quando ela o chamava pelo primeiro nome. Significava que a briga ia ser longa e trabalhosa. Mas agora ele estava mesmo era excitado com a idéia da reunião. Afinal, ele era o líder!
A campainha tocou e o Tuba correu para abrir a porta. Entraram o Orêia e o Cosme. O Freitas desligou a televisão enquanto todos se acomodavam na sala. E, sentando-se na sua poltrona de assistir futebol, disse:

- Bom, pessoal, acho que podemos começar. Conforme a gente conversou naquele dia, no bar do Bituca, todo mundo está muito insatisfeito.
- É, a cerva não tava muito gelada e o provolone tava meio azedo! disse Cosme, mas o Freitas continuou:
- É, também, mas a gente falava da coisa, não é?
- Que coisa, cara? disse finalmente o Orêia.
- A coisa, a que tá preta! A situação, a falta de dinheiro, de emprego, de vergonha do pessoal!

Na semana anterior, no bar do Bituca, eles haviam ficado até as quatro da manhã discutindo bebadamente as questões políticas nacionais: desemprego, leis injustas, taxas de juros, juízes ladrões (desde o futebol até o STF), deputados inescrupulosos, senadores canalhas, governadores corruptos, presidentes ineptos... Botaram todo o mar de lama e podridão que cerca o governo sobre a mesa do bar do Bituca e beberam. Beberam, brigaram, discordando e concordando uns com os outros. Até que no final da noitada, o Freitas, cansado de reclamar sobre as sacanagens que "eles" fazem para ficarem com o dinheiro e o poder, soltou:

- Eu acho que a coisa tá tão preta que a única coisa que resolverá essa situação é uma revolta popular nos moldes da Revolução Francesa, incluindo necessariamente as decapitações.
- Boa, gritou o Tuba. Ó Bituca, traz a guilhotina!

Naquela noite decidiram. Embalados pela cachaça, fizeram um pacto pela Revolução. Trariam bandeiras, apitos e coquetéis molotov para a avenida da cidade, gritando palavras de ordem e xingamentos cabeludos. Aos poucos, as pessoas se identificariam e acabariam se unindo à causa. Milhares na avenida. Com sorte, logo a televisão apareceria. Entrada ao vivo no Jornal Nacional, entrevistas com eles, os líderes do movimento. Em pouco tempo estariam negociando em Brasília. E a primeira reunião era aquela ali, na sala do Freitas.

- Guilhotina! Gritava o Tuba com os pés sobre a mesinha de centro.

Alguém trouxe cerveja pra sala. Recomeçaram a discussão novamente, agora com idéias cada vez mais mirabolantes. O Freitas já imaginava as pessoas usando camisetas com seu rosto, tipo o Che Guevara.

De repente, a porta do quarto se abre e aparece a Neide, furiosa:

- Todo mundo pra fora!
- Neidinha, nós estamos definindo os rumos do país, estamos lutando para o nosso futuro!
- Revolução! Revolução!

A Neide não quis nem saber. Deu um pontapé na mesinha, jogando aquele monte de latas vazias para o alto, enquanto acertava um tapa na cabeça do Orêia. O Tuba, esperto, correu pra fora, mas o Cosme ainda levou um chute na bunda quando já atravessava a porta. Todos fugiram.

Aquela foi a primeira e última reunião da Revolução. Naquela noite, o líder revolucionário Azenan Freitas dormiu no sofá da sala. E no bar do Bituca, o único assunto permitido era futebol.


Renato Cação Cambraia não tem a mínima vontade de acampar com bichos-grilo e discutir política social. beco@netonne.com.br
BECO/A SEMANA, 17/01/03
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui