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Artigos-->Contratos de leitura -- 05/06/2002 - 14:31 (charles odevan xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CONTRATOS DE LEITURA Charles Odevan Xavier



Imagine a seguinte situação: num cinema estão sentados pais e filhos pequenos, assistindo o filme “Harry Potter”. A sessão transcorre tranqüila , pais e filhos comendo pipoca e tomando refrigerantes, olhando para a tela entre risos e suspiros de tensão. Até que de repente, entra, no meio da trama do filme, um personagem segurando uma R15 e fuzila a cabeça do aprendiz de bruxo, que explode em dezenas de pedaços sanguinolentos. Pânico entre os pequenos e indignação dos adultos.

O que há de inusitado nessa situação hipotética? Ou melhor: por que tal situação é hipotética e não real? A situação descrita é hipotética, porque seria improvável pais permitindo que seus filhos assistissem um filme infantil que tivesse uma cena de extrema violência como a descrita. Também seria improvável que os exibidores colocassem uma tarjeta de censura livre no cartaz de um filme que exibisse tal teor de brutalidade, o que em decorrência acabaria direcionando o público para outra produção cinematográfica. E por fim, tal situação é hipotética, porque a autora do livro “Harry Potter” não permitiria que seu livro infanto-juvenil, recebesse tão deturpada adaptação.

O que faz uma pessoa ao ler um livro, ao ver um filme ou ao assistir uma peça de teatro? O que faz o autor para que seu livro, filme ou peça seja visto por uma determinada faixa de público e não outra? A resposta para as duas questões passa pelo conceito de ‘contrato de leitura’.



O PACTO COM O LEITOR



Partindo do conceito ‘plano de leitura’ criado por José Luiz Fiorin no seu livro “Elementos de Análise do Discurso”, que consiste na idéia de que a isotopia textual oferece um plano de leitura, determina um modo de ler o texto, chegamos ao conceito de contrato de leitura.

Karl Marx nos “Grundrisses” diz que o artista ao criar um quadro, cria um público seleto para olhá-lo. Da mesma forma, um autor ao fazer uma obra seleciona de antemão o leitor que deverá lê-la. E é na medida que o autor tem consciência desse fenômeno, que o sucesso ou fracasso da obra será garantido. Assim, quando escrevo um romance gótico, pretendo que meu leitor sinta medo, pavor. Não pretendo que o leitor dê risadas. Portanto, o gênero e o formato do texto já condicionam o tipo de leitura e, respectivamente, o tipo de leitor. O escritor precisa ter consciência, de que o leitor de romances góticos não quer rir, mas se apavorar, mexer com suas adrenalinas e ter palpitações. Se ele pegasse em “Drácula” de Bram Stoker e tivesse um acesso de riso, com certeza ele iria se sentir logrado e pediria seu dinheiro de volta. Quem procura gargalhar vai atrás de Tchekov e Carrol, não de Horace Walpole, Stevenson e Mary Shelley. Entretanto, não estamos pregando uma norma, um padrão estanque, apenas estamos constatando o que se passa com o chamado leitor mediano. Aquele leitor avesso a experimentações e hibridismos.



É sabido que o texto possui quatro elementos: assuntos, objetivo, formato e audiência. Assim uma carta familiar se distingue de uma carta comercial. Do mesmo modo, uma bula de remédio se diferencia de um artigo de opinião do tablóide da banca de revista. Cada texto demanda um tipo específico de leitor e ativa um tipo de leitura diferente. O contrato de leitura é inevitável a qualquer texto. O assunto, o objetivo e o formato estabelecerão a audiência (o destinatário) e a forma pela qual dado texto será lido. O contrato de leitura, portanto, consiste no acordo tácito, no pacto feito entre autor e leitor no processamento do texto. Este contrato, entretanto, não é sempre consciente, pode ocorrer do autor ignorar o tipo de leitor que deseja cativar, como ocorre em autores iniciantes. Contudo, o extremo oposto também pode ocorrer: autores maduros, cientes dos contratos de leitura de suas obras, que acabam se fixando num filão para um dado nicho do mercado editorial. Assim é que ocorre com um Jorge Amado ou com um Ruben Fonseca, que descobriram um filão e se escravizaram a ele, perdendo a criatividade e o sabor originais.



Tudo parecia retilíneo, até o aparecimento do pós-modernismo na década de 50. O texto pós-moderno parece ter um fascínio por fazer e desfazer contratos de leitura na mesma velocidade que mudamos de canal. “O Nome da Rosa” de Umberto Eco, por exemplo. Escrito como narrativa policial, situado na Itália medieval, contando os crimes, a violência sexual e a destruição de um mosteiro em 1327. É um livro sobre outro livro – a parte perdida da “Poética” do filósofo Aristóteles, segundo Jair Ferreira dos Santos (“O que é Pós-moderno”). Romance policial? Romance histórico? Ensaio literário? O leitor não sabe responder, suspeita que seja tudo isso ao mesmo tempo e se submete aos diversos efeitos de sentido produzidos por cada gênero textual, inclusos em um único livro. Suspeitamos que transgredindo regras e normas de cada gênero, Umberto Eco acabou criando um novo tipo de leitor. Portanto, se o objetivo é desfazer contratos de leitura, é bom que se saiba que a cada contrato de leitura desfeito, outro será estabelecido no lugar. Dominar o mecanismo, o processo é a garantia do êxito. Ou seja, o texto que é ativado pelo leitor de uma maneira e passa a ser feito de outra, pode ser a razão para que o leitor prossiga ou não com o percurso de leitura. Por isso, se uma leitura é constantemente violentada por quebras de contratos prévios, pode ser que ela não consiga angariar um número suficiente de leitores que estejam dispostos a tais infrações, tornando-se uma leitura hermética. Cabe também discutir aqui, as noções de ‘texto artístico’ e ‘texto de entretenimento’.



O texto artístico é mais aberto a quebra deliberada de contratos, o texto de entretenimento, por sua vez, é mais preso a fórmulas consagradas e a filões editoriais. O texto artístico, por burlar normas, acaba atraindo um público leitor mais selecionado, que gosta de experimentações e desvios de percurso. Já o texto de entretenimento é feito sob medida para leitores preguiçosos, não menos exigentes, porém mais interessados na diversão do que na reflexão. Entretanto, em raros casos, uma obra pode pertencer as duas categorias, como no caso de “O Nome da Rosa” e ainda ser um produto de boa qualidade. Os filmes mudos de Chaplin e a obra final dos Beatles também podem ser arrolados como exemplos desta interseção.



Sendo assim, espera-se que no seriado “Teletubbies” não seja incluída uma cena de sexo explícito, sob a qual correr-se-ia o risco de perder um público (o infantil) e não conseguir outro (o público adulto consumidor de filmes pornôs). Caso o autor queira cometer infrações contratuais com o leitor, é bom que ele tenha absoluta consciência dos efeitos de sentido resultantes.

Graduado em Letras pela UFC.

charlesodevan@bol.com.br









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