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Contos-->Vadiagem -- 18/09/2000 - 22:42 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Coçava as costelas e balançava a cabeça graciosamente quando era feliz. Parecia alegre o tempo todo, e o costume de não dar nome ao comum que o povoava ensinava-lhe que seu gestual não era um sintoma. Aquilo era ele, em repetecos diários. O que se repetia eram pedaços dele. O que era custoso não lhe pertencia, o que não era de seu controle era fora de seu existir, então não contava. Insistiam as pessoas: o que se repete em você está fora de seu controle, senão seria domado e não estaria por aí dando detalhes de sua alma, enredando a quantos ouvidos seus miúdos. Mas ele sabia que ele todo era uma seqüência. De tanta coisa - umas pequenas, outras de uma enormidade. Às vezes a corrente se quebrava, mas o DNA se reconstruía e ele era um rosário de frases feitas, caras disso, cara daquilo, trejeitos. Quem o conhecia sabia. Quem não lhe fora apresentado se surpreendia, depois ia suspendendo os véus com paciência até chegar aos seus olhos. Alguns entremeios seus eram tirados da televisão - então ele era um artista? Foi um dia olhando para ele que alguém disse: em que filme vi essa passagem? Apesar de ele ter jurado que jamais assistira a filme nenhum com aquele título. Mas ele era ele, isso jurava com firma reconhecida. O filme o imitava então? Ele, que tinha almas irmãs nesses confins, podia ser. Parecia-se com muita gente. Até encontrara um sósia que se reconheceu nele um dia, os dois trocaram figurinhas, depois dançaram miudinho, dois pra lá, dois pra cá, tato sobre tato, joelho sobre joelho. Mas, tão logo piscaram, a imagem se desvaneceu e ambos sumiram. Ele estava noutra, e já não se importava se haveria outro eu seu órfão e sem freios pelo mundo. Quem fosse o outro já não era ele, se longe de seus cílios longos. Ah, o mundo! Tão cinza, tão vermelho às vezes, com um farol ao longe espionando. Tantos pagando ingresso pelo espetáculo visto de um buraco de fechadura. Se o espionassem, o que veriam? Imagens contínuas se recompondo, movimentos fotográficos de uma perna que sabe se alongar até atingir a cabeça se ele der o comando. Um fio de cabelo mais rebelde sob o raio do luar, com uma purpurina grudada da festa de anteontem. Ele, de olhos de olheiras, como se estivesse pintado para a guerra. Nascera tatuado. Não precisava de médico, de professor, de emprego. Era um títere sobrevivendo do lendário pé de dinheiro do quintal de quem. Viver para ele era uma questão de sobrevivência. Como inventar que felicidade existe. Felicidade! Se fosse, não precisava nome especial. Soía, como uma respiração. “Interdita a passagem” – interdita é a criatividade humana. Destruição é tudo o que o homem sabe criar. Já pensou a natureza só ela? Já pensou as hecatombes? Tanta simplicidade. Ele, ele era alguém que tinha fé. E aquele jeito de dobrar o joelho para coçar as entrecoxas com os dedos do pé. Caminhava arrastando solas, deslizando em piso sintecado muita de sua graciosidade, e eram sapatilhas vestindo seus calcanhares, tendões sustentando o corpo leve. Corria de passinhos miúdos, e seu rabicho de cavalo balançava enquanto isso. Depois misturava-se à multidão, e já não era ninguém no meio do mundo. Entrava no ritmo. Para isso usava jeans. Todos de uniforme como numa China sem protesto - - ai-meu-deus - porque a roupa, dependendo da etiqueta, exigia dura luta, então era um prêmio de consolação. Ele, que se consolava até com um beliscão se soubesse ser esse o gesto certo para consolar. Obedecia a tudo o que vinha com bula. Acreditava em legendas de filmes, em receitas médicas. Tudo tinha música e não precisava de aparelho de som encaixotado para arrebentar paredes. A música era esse som que, para ligar, é só apurar os sentidos. Os passos da rua tem ruídos. Mesmo para quem está fora do alcance deles. Rastros também contam, só que são cantores do passado. Pisca-pisca é um ritmo visual que repete a música. Dá para ouvir? Dá. Sacramentado. Então, não jogar dinheiro fora com geringonças de percussão surda. A bagunça está ao abrir da porta. É escancarar o dia e escolher a dança. Ele usava roupas sobre a pele como todos os mortais, mas preferia era sair de corpo pintado imitando nudez. Essa uma prova de amor dele para com seu esqueleto. No entanto, esse dia nunca chegaria. A não ser que enlouquecesse. O que era difícil. Porque ele era bem-resolvido, apesar de ser só um. Um um na Associação dos Escondidos entre Muros de Limbo de Igrejas de Pedra. Sempre haverá um corcunda com um olho na testa para quem procurar um. Por isso o perigo de inventar pensamentos. Já pensou se fôssemos magnetos? Se tudo o que amealhássemos saísse conosco em passeio por todo canto, ali grudado, machucando a pele, flagelando nossos pecados, nos lembrando o tempo todo do que deixamos de viver em nome de uma conquista? Vide aqueles mendigos que saem com uma trouxa de coisas balançando e gritando barulhos de alumínio. Durma com esse susto.
Ele era livre. Um pássaro no céu. Um cachorro de língua solta numa rua de muito trânsito. Um mendigo é o que ele era. Comendo brisa e rindo banguela. Sem esperar o grande amor de sua vida nem nada. Feliz? Acho.
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