O Ex-lider Jacarandá
É novo dia, o sol desponta,
Lançando seus raios à terra
Como espetos a furarem o chão...
Iniciando uma nova jornada,
Iluminando a terra trabalhada...
O empregado e o patrão.
Foi assim que tudo começou.
Ninguém sabe onde nem quando!...
Talvez no tempo da escravidão?
O empregado, honesto e trabalhador,
Que do seu patrão ganhou
Um pedaço de terra; um taquinho de chão...
Foi em tempos idos, distantes.
Tempos da hereditariedade,
Quando a palavra era documento.
O empregado, que virou patrão,
Foi cuidar de seu próprio chão,
Iniciando uma vida sem tormentos.
E assim muitos patrões fizeram.
Distribuíram suas terras
Para aqueles que as mereceram.
Desde então terras paradas
Passaram a ser trabalhadas,
E muitas outras fazendas nasceram!
Pequenos pedaços de terra,
Que com o trabalho de seus novos donos
Aumentou a produção!
Pois dizem que até o Imperador
Ao saber se alegrou,
E discursou à nação!
Herança de pais e avós
Dividida aos seus descendentes
Continuou o arrolamento.
O direito era a palavra dada,
A lei era um fio da barba.
Não precisava documento.
E o tempo foi passando...
Dias, meses, anos... séculos...
E as terras de mãos em mãos.
De filhos passando para netos.
De netos para bisnetos,
Sem parar a produção.
Mas um dia,
- Não se sabe qual o certo -
Um dia de amargura,
Soube-se na cidade,
E espalhou-se a novidade,
Daquelas terras de cultura.
Terras boas, produtivas,
Nas mãos de homens matutos
Que nem sabiam ler!
Terras sem documento,
E seria de bom intento
Tomá-las para revender...
E começou uma guerra!
Homens jogaram por terra
Toda uma civilização,
Construída a base do respeito
E respeitada por seus direitos:
A honra da palavra; o fio da barba; a razão.
Com documentos forjados,
Policiais, delegados,
Investiram contra o sertão.
Homens da cidade,
Que foram, na realidade,
Sustentados por este rincão.
E iniciaram a depredação,
Sem piedade nem compaixão,
Dos lares do povo do norte.
Quem não se rendesse morria,
Ou apanhava noite e dia,
Até a hora da morte!
Apelar por quem, de direito:
O presidente, o governador ou o prefeito?
- Surgiu um com esta noção -
Mas logo foi apanhado,
E numa árvore enforcado,
Para servir de lição.
Muitos encontraram a morte,
Defendendo os seus lares
Da covardia dos grileiros.
Muitos, porém, antes de morrer viram
Suas mulheres e filhas sendo estupradas
Por policiais e pistoleiros.
A violência se propagou
Pelo Norte se alastrou
Alvoroçando o sertão.
Os que resistiram morreram.
Outros para a cidade correram,
Para viverem em escravidão.
Fugindo o sertanejo,
Os grileiros tomaram posse
Daquele imenso rincão
Que com a força tomaram.
Mas, como pouco trabalharam,
A fome voltou a nação.
Porém nem todos fugiram
Ante tamanha amargura,
Sucumbindo à desilusão.
Houve um homem que, sozinho,
- Foi o grande Saluzinho -
Mostrou que tem macho no sertão.
De dentro de uma gruta,
Fazendo uso das armas
Que usavam os grileiros,
Suportou o sofrimento
De ver sua mulher em tormento
Maltratada por pistoleiros.
Suportando até as bombas,
Que dentro da loca lançaram
Tentando assim o matar,
Resistiu heroicamente,
Atirando como um demente,
Em quem ali tentasse entrar.
Por vários dias ficou escondido.
Estava abastecido
De água, comida e munição.
Ali teve um grande momento
Quando derrubou a tiros um sargento
Que queria pegá-lo a mão.
A luta continuava;
Cruel, fria, aterradora,
Maculando o sertão.
Morriam os que voltavam
- Pois na terra não mais entravam -
Já não dominavam aquele chão.
Enquanto isso o Saluzinho
Se entregava aos Soldados
Do Exército brasileiro.
Pois para ele a milícia
Que dizia ser Polícia
Era um bando de pistoleiros.
A história desse homem
Tem que ser um caso à parte
Contada com exatidão,
Pois sua bravura de outrora
Passou para a história,
Na memória do sertão.
Hoje vive sossegado,
Contemplando do seu canto
A luta que continua.
E vê que é uma luta diferente,
Com foices, machados e homens valentes,
Reconquistando a terra que um dia foi sua.
Aqueles que um dia correram,
Tentando salvar suas vidas
Da sanha assassina dos grileiros,
Hoje, voltam mais fortes.
E não temem mais a morte
Pois agora já são Posseiros.
Com posseiros ninguém pode,
Pois em busca do que é seu
Lutam barbaridade!
Unidos são invencíveis;
Fazem coisas impossíveis,
Sempre apoiados na verdade.
Aos poucos reconquistam
Aquelas terras que um dia
De seus pais foram tomadas.
Sem matar e sem morrer;
Com coragem prá não correr,
Suas posses vão sendo firmadas.
Agora a Reforma Agrária,
À tempos em peleja
Prá dar terras a quem não as tem,
Sente que s Posseiros,
São mesmo bons companheiros,
E fazem o que lhe convém.
Em contrapartida a UDR,
União dos tais grileiros
Por um tal Ronaldo Caiado,
Vem apurrinhando muita gente.
Mas fique ele ciente:
O posseiro jamais será derrotado.
Venha ele com sua força;
Sua política mentirosa
E sua armas em mãos.
Traga ele da cidade
Toda sua falsidade;
Toda sua maldição.
E verá que o posseiro
- Que um dia foi sertanejo -
Hoje está de prontidão.
Em nada lhe ficará devendo;
Lutara com sol ou chovendo,
Em defesa do sertão.
Una-se a ele a Ruralminas
- Empresa que foi criada
Para apoiar o lavrador -
Mas que só dá confiança
A quem lhe cheire a poupança
Ou se intitule doutor.
Que venha toda essa cambada,
Unida aos demagogos
Que pelos posseiros foram eleitos;
E verão que um grito de guerra
Fará tremer toda a terra,
Brotado de muitos peitos.
Esta é a história
Da vida de muita gente
Que vive hoje a lamentar,
Lutando por uma terrinha
- mesmo que seja pequenininha -
Onde se possa trabalhar.
Esta é a história do posseiro,
Caboclo, bom brasileiro,
Que sabe o que lhe convém.
Haja o que houver,
Venha de onde vier,
A ele nada detém.
Esta é a história do sertanejo,
Homem queimado do sol
Do norte das Minas Gerais,
Que foi expulso pelo grileiro.
Hoje voltou já posseiro
E não será derrotada, jamais.
Mesmo tendo em seu meio,
Caboclos cruéis, traiçoeiros,
Tipo Juarez ou Negão,
Saberá se defender
Pois seu lema é: Vencer, vencer,
Terra, Justiça e Pão.
Juarez Dias dos Santos,
Que dos posseiros da Jaiba
Foi eleito presidente,
Atraiçoou os companheiros,
Vendendo-se por dinheiro,
Como um judas indecente.
Dionísio, vulgo Negão,
Que na Fazenda Vovó
Ocupou uma posição,
Vendeu-se também por dinheiro,
Passando a ser pistoleiro
E a combater seus irmãos.
Este episódio sangrento,
De luta pela posse da terra
Serviu a muitos de lição.
Provando que mesmo no meio
Dos mais honrados guerreiros
Ainda existe a traição.
A traição não me assusta,
Pois minha honra de guerreiro
Sempre foi imaculada.
Venha ela do inimigo,
Ou mesmo do melhor amigo,
A mim não afeta em nada.
Chamavam-me Jacarandá
Na Fazenda Vovó,
Chamada Vitória dos Caboclos,
Onde liderei a ocupação.
Mas fui vítima da traição
Onde os amigos me foram poucos.
Aqui descreverei
Alguns dos companheiros
Que a mim foram fiéis:
Sucupira, Urucana, Urutú,
Jurema, Flanela, Tapicurú,
E que não se venderam por "mirréis".
Coqueiro, Jaracussú, Cascavel,
Jararaca, Vaqueiro, Sussuarana,
Pereira, Sucruiú, Gavião,
Zabelê, Pau-Ferro, Cangussú,
Casquinha, Braúna, Teiú,
Carote, Pau-Santo, Leão.
Pinheiro, Jatobá, Ingazeira,
Cedro, Leopardo, Lombo-Preto,
Cara-cará, Sucuri, Bandeira,
Mateiro, Tinguí, Jacaré,
Utinga, Caboclo, Caburé,
Macaco, Jurití, Gameleira.
Lombriga, Denga, Café,
Mangaba, Jacutinga, Curió,
Perdiz, Pica-Pau, Marinheiro,
Ouriço, Coruja, Cajarana,
Nico, Sabiá, Caninana,
Tucano, Sariema, Brasileiro.
Peba, Umburana, Sucurí,
Ararico - meu protegido,
Jamanta - genro de Vaqueta.
Todos aqui descritos
Ficaram comigo proscritos.
Todos jogados na sarjeta.
A ganância pelo dinheiro,
A falsidade monetária,
Levou muitos à traição.
Induzidos por uma mente,
Felina, cruel, inclemente,
De um ser odioso, sem compaixão.
Quando eu estava na chefia
Daquela turma que, um dia,
Ocupou aquela Fazenda,
O fazendeiro lá não gritava,
Pois com homens ele topava,
Para brigar muitas contendas.
Todos me obedeciam.
No epoucar dos foguetes
a mim todos vinham se juntar.
Barramos os pistoleiros
E os tratores do fazendeiro,
Que na mata queriam entrar.
Eu ficava com o Sucupira,
Caboclo bom, companheiro,
Que me foi um amigo leal.
Em seu barraco eu residia,
Ali todos se reuniam,
Era lá o quartel general.
Ali sempre me encontravam,
Pois de lá eu só saia
Prá atender ao meu mestre.
A quem seguia fielmente
- e que me traiu sorridente -
Durante um longo semestre.
Fui discípulo de Juarez.
Acreditei, inocentemente,
Em toda a sua filosofia.
Mas hoje sei que ele é
Um Pelego. Um Jacaré.
Seguidor da demagogia.
Juarez teceu um grande enredo.
Disse a meus companheiros
Que eu precisava de descanso;
Que eu estava esgotado,
Pois já lutara um bocado.
Era hora de um remanso.
Os companheiros acreditaram,
Pois sabiam que eu estava
Sempre, constante na luta.
Desmenti com energia,
Mas tiraram-me a chefia.
Creram na mentira fajuta.
Fiz o jogo de Juarez.
Fui para Montes Claros
Como os amigos pediram.
E ele continuou com a farsa.
Disse, para minha desgraça,
Que eu havia me vendido.
Disse, ainda, que o descanso
Que me recomendara
Fora por minha reivindicação.
E que o dinheiro arrecadado
Para as custas do advogado
Eu gastara sem cognição.
Disse também que, eu
Estando na liderança
Atrapalhava os seus planos.
Que eu queria enriquecer;
Ganhar terras para vender;
Que já me conhecia há anos.
Dali, foi para Montes Claros,
Para encontrar-se comigo,
E contratarmos um advogado.
Eu, para economizar dinheiro,
Esperei-o chegar, primeiro,
Prá pedirmos um, ao Estado.
Solicitamos um advogado
À FETAEMG do Campo,
Prá nos ajudar na questão.
Um se prontificou,
Até os papeis encaminhou
Para a resolução.
A Procuração, a mim concedida
Pelos posseiros da área,
Prá contratar o defensor,
Passei-a para Juarez,
Para passar, por sua vez,
Àquele que se prontificou.
Este foi meu grande erro:
Atender ao seu pedido.
Mas, nele eu confiava!
Só que ele usou a Procuração
Prá completar a traição.
E o seu jogo aprimorava.
Contratou, por conta própria,
Um outro advogado
Que servia aos seus planos.
E trouxe o fazendeiro,
Negociando com dinheiro,
Uma luta de meio ano.
Voltei para a Jaíba
Pensando estar tudo em ordem,
Como havia deixado.
Mas encontrei só rejeição;
O fruto da traição.
De tudo fui informado.
Os amigos, que a mim
Permaneceram fiéis,
Contaram-me toda a trama:
Que, assim que viajei,
Juarez chegou, como um rei,
E preparou minha cama.
Só que não avisaram-me
- Creio porque não sabiam -
De mais um de seus jogos:
Eu já era esperado,
E estava sendo manjado.
Era vítima de um malogro.
O fazendeiro foi avisado de
Que eu estava sozinho,
Sem o meu pelotão.
Preparou uma emboscada,
Pegando-me, de madrugada,
Sem possibilidades de reação.
O aviso fora de Juarez;
Que jogara com pau-de-duas-pontas
Completando a traição.
Pensando ser eu um simplório,
Usou-me como bode expiatório,
Sem pensar na reversão.
Estava eu e o Sucupira
Sozinhos na Área,
Pensando na questão,
Quando o próprio fazendeiro
Chegou com seus pistoleiros,
E surrou-nos sem compaixão.
Foi o golpe de misericórdia.
Pois ser surrado na área,
Que eu próprio chefiava,
Foi para alguns covardia.
Ainda mais que foi de dia.
Em mim não mais confiavam.
Fui obrigado a retirar-me
Das terras pelas quais lutei;
Onde até fui espancado.
Tive que bancar o covarde,
Sem me submeter à falsidade,
Pois sempre fui um homem honrado.
Enfrentei as Varas da Justiça;
Andei na frente da Polícia,
Representando os companheiros
Que depois me atraiçoaram,
De covarde me alcunharam,
Tirando-me as honras de posseiro.
Para eles a minha idade
Era pouca pra liderança.
Mas pouco importa a faixa etária,
Quando se luta por algo justo,
Mesmo que coberto de luto,
Como a Reforma Agrária.
Tinha eu vinte e dois anos,
Idade até já bastante,
Pra qualquer situação.
Só não estava preparado
Pra enfrentar o pesado fardo
Da falsidade e da traição.
Alguns dos que me traíram
Ficam aqui enumerados
Como um alerta aos sertões:
Peroba, Angico, Aroeira,
Cabeça-de-Fósforo, Umbu-cajá, Madeira,
Ainda Catuaba, Arara e Paraná.
Estes últimos os chefões.
Peço a Deus também por eles,
Pois mesmo me atraiçoando
Tocaram a Luta pra frente.
Ele vê meu coração,
E sabe que dou o perdão
A toda essa gente.
Hoje já não me interessa
Aquela terra em que um dia
Dei vazão a muitos planos.
Lutarei por outras gentes,
Que pelo menos sejam decentes
E respeitem meus poucos anos.
Toda a trama foi descoberta.
Hoje está exposta
Pra que todos a conheçam.
Desculpas não foram em conta.
Pois em quem joga com pau-de-duas-pontas
Uma dá na cabeça.
Perante o povo da Área,
Ex-companheiros de lutas,
Ainda não fui reabilitado.
Pois a semente da vergonha
Virou bicho de peçonha,
Tornando-os desconfiados.
Alguns já voltaram a mim,
Pedindo minha presença
De volta na frente das lutas.
Polidamente os descartei.
Não porque acomodei,
Mas por não ser mais uma batuta.
Os nomes aqui descritos
São todos por apelidos,
Pois assim tinha que ser.
Pra reconhecer a tanta gente gente,
Tinha que ficar inteligente
Ou então endoidecer.
Os apelidos também serviam
Pra intrigar a Polícia
E desnortear o fazendeiro.
Estes no mato ficavam "vendidos"
Com tanto tipo de apelido
E nenhum nome verdadeiro.
Quem duvidar deste relato;
Dos versos deste poema
E de sua autenticidade,
Saiba que não sou visionário.
Tenho comigo o diário
Descrevendo a realidade.
Toda a história da ocupação,
Narrada diariamente,
Desde o dia da entrada,
Está descrita nesse diário,
Guardado em um armário,
Onde hoje é minha morada.
Também os nomes verdadeiros
Das pessoas que aqui
Estão descritas por apelidos,
Estão todos anotados,
Em um caderno bem guardado.
Os traidores e os traídos.
Quanto ao grande e bom Juarez,
Qe talvez negue sua participação
Nos planos deste intento;
Tenho provas bem guardadas,
Por suas mãos assinadas,
Que servem-me de documento.
Eu fui bode expiatório,
Fui batuta, fui peteca;
Andei como bola de sinuca.
Rolando de lado a lado,
Por um e outro empurrado,
Nesta Odisséia Maluca.
Não estou me lamentando.
Tampouco me desculpando
Pelo fiasco deste intento.
Só exponho o meu fado.
Ouçam também o outro lado
Pra fazerem um bom julgamento.
Vou terminando este poema,
Deixando pra ele um título,
Já que sem tal não pode ficar.
Aqui estão descritas brigas
E também muitas intrigas
Com o Posseiro, Ex-Líder, Jacarandá
Como Nemésio fui registrado.
Também Rodrigues Costa Filho,
Porque meu pai tinha o mesmo nome.
Hoje ele está com Deus,
E recebe os cumprimentos meus
Pois mesmo pobre foi um grande homem.
É a quem dedico este poema.
E também aos que me restam:
Mãe, Padastro, Amigos e Irmãos.
Para a minha namorada,
Mulher doce, por mim amada,
Consoladora na solidão.
N unca fui um tirano!
E sta é a pura verdade.
M esmo sob traição
E ncarei a realidade.
S e mesmo assim não consegui,
I sso porque sozinho me vi,
O nde antes imperava a fraternidade.
Vitória dos Caboclos:
Dedicada ao grande Oxossi,
Mártir São Sebastião.
No ano 1987, dia 20 de Janeiro,
Invocando-o primeiro,
Procedeu-se a ocupação.
--------------------------------------------------------------------------------
Escrita em 29 de Novembro de 1987, em Nova Cachoeirinha, então município de Manga, Estado de Minas Gerais.
Revisada, pela primeira vez, e publicada, integralmente, na Internet, em 08 de Agosto de 2005.
|