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Cartas-->O ENVELOPE -- 16/02/2003 - 15:09 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O ENVELOPE
J.B. GUIMARÃES
Tenho em mãos um envelope cor de abóbora, tamanho ofício. Já é um bom sinal. Vais entender o porquê no transcorrer da leitura desse texto. Inicialmente, eu pergunto: Quanta coisa passa por um envelope? Coisas que jamais podemos imaginar. Talvez essa a razão dele merecer um artigo específico na constituição brasileira e certamente na maioria das constituições das nações civilizadas. Não exatamente só, mas junto com o conteúdo que pode ser uma carta ou um documento, a constituição, ao disciplinar os direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos do homem, em seu artigo quinto, inciso XII proclama que é inviolável e sigilosa a correspondência, permitido, em último caso, a violação, apenas com decisão judicial. Um envelope “par avion” traz as cores da nação.

O de que trato já está usado. Alguém de direito já o abriu. Quero dizer: ele já cumpriu a sua primeira finalidade. Saiu de sua origem, passou pelo agente captador, pelo selecionador, pelo receptor, por outro selecionador, pelo carteiro e finalmente chegou aqui, nas minhas mãos, mas, antes, nas mãos do destinatário que o colocou de maneira a permitir-me a sua reutilização. É muita gente envolvida em torno de um envelope. Este, por exemplo, trouxe documentos para análise. Percebo que o envio não foi motivado por interesse espontâneo. Em sendo assim, pode ter sido fruto de aborrecimentos para o seu remetente.

Olho se tem selos. Os selos e conteúdo enobrecem os envelopes. Até a pouco tempo eles eram lacrados com cera modulada com o brasão da família. É possível que esse costume ainda perdure. O selo, normalmente, faz o papel de um cartão postal; reconhece a bravura, a hombridade ou a civilidade de alguém quando se estampa a imagem desse alguém; nos remete a outros lugares; permite entrar nos castelos com a nossa imaginação. Embora a sua finalidade seja taxar o serviço, acaba por enfeitar os envelopes e nos alegra por extensão. Só o desatencioso o abriria pelo lado que os selos estão colados.

O envelope faz mistério. É um portador polivalente. Traz noticias de todos os jeitos. Notícias boas e más: cobranças, prêmios, carta de amor, de rancor e até de protesto. Os que trazem cartas de boas notícias nunca são descartados até que o amor perdure. São bem guardados e constantemente revisitados. De tanto abrí-lo e fechá-lo ele mancha e fica amassado. Sem exageros: de tanto ler, o nome, de quem o remeteu a tinta, se exaure.

Uma carta fora de um envelope não é uma carta, é um bilhete. A sensação de aos poucos, abrí-lo, bem devagar, converte-se num ritual. E antes mesmo de ler o conteúdo da carta, sabendo de quem e a que veio, é possível fazer uma leitura. Têm pessoas que não dispensam um abridor de envelope. Se receber muitas cartas, sentam-se e ritualisticamente vão abrindo um a um. Há envelopes que pelo timbre que contém nunca são abertos. São imediatamente descartados, como é o caso dos que são portadores de cobranças e protestos.

Abrir um envelope faz sorrir, faz chorar, faz pular, faz correr, parar, abraçar, faz construir e desconstruir vidas. Os envelopes, portanto, são portadores de códigos que definem a vida das pessoas. Quantos, hoje, agora, não estão a circular pelas cidades? Quem recebeu uma carta do serviço de proteção ao crédito, não pode mais comprar o sapato, a camisa e, às vezes, nem a carne para o almoço. Outro, que recebeu um contendo uma intimação, devido às conseqüências por não cumprí-la, opta pelas conseqüências de não ir trabalhar. Caso o conteúdo seja uma carta cuja finalidade é terminar o namoro, este contribuirá para que não se constitua uma família. O envelope, embora meio, interfere em tudo.

Este saco de papel, além de acondicionar, guarda a privacidade das pessoas. Eu nunca vi um transparente. Num envelope vai de tudo. Escondido no meio da carta, vai até dinheiro para mãezinha... Paulo escreve uma carta para Aninha. Descreve todo o seu amor. Depois, cuidadosamente, dobra-a e coloca-a no envelope. Com o maior cuidado passa a goma arábica para não manchá-lo e com carinho fecha-o para não amassá-lo, pouco importando, se daqui a meia hora, ele vai ser colocado num saco de lona e jogado nos baús de caminhões ou nos porões dos navios e aviões. Eu, igual a Paulo, não amasso envelopes.

Os envelopes, todo o final de ano, têm uma finalidade muito importante. Dentro deles vão milhões de mensagens desejando paz ao mundo, salvo neste que estou com ele agora. Mas ele ainda pode servir para muitas coisas. Pode servir para guardar os documentos que dão posse as suas coisas materiais, os seus diplomas que atestam o seu conhecimento, a certidão de casamento ou petição do divórcio. Dentro de muitos envelopes estão guardados realidades e sonhos.

Por tudo isso, o envelope uma vez lacrado, tem garantias constitucionais de inviolabilidade.

Há um porém...!

O envelope que envelopa resultados de exames de laboratório, cujo destinatário é o medico solicitante é o único que, violado — e normalmente são —, não se discute muito o ato do violador. Mas é claro. O conteúdo ali só lhe diz respeito, ainda que o próprio não seja um bom leitor. Mas é pedir muito que não o abra quando se sabe que dentro dele tens resultados de um jogo travado entre a vida e morte. Se sabe que és um mero expectador conseqüente dos resultados e que, por conseguinte, podes ficar na arena por mais um pouco de tempo ou simplesmente partir.

Por isso considerei ser um bom sinal, ter em mãos aquele envelope ofício de cor abóbora.
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