Da janela da cozinha, vejo um mundo todo meu. Um quintal quase cuidado, com poucas plantas comuns. Um varal com roupas limpas, que balançam com o vento. Os brinquedos espalhados por minha filha menor. Uma cerca de arame farpado delimita meu ir e vir... Mas não impede o vóo dos meus pensamentos.
De um cantinho da janela, vejo a briga dos vizinhos. Vejo gestos articulados. Ouço até os palavrões. Penso em chamar a Polícia, mas... está tão bom! Amanhã terei o que contar à vizinha do outro lado, que perdeu o espetáculo. Com certeza, aumentarei um pouquinho. É de praxe!
Pela janela da cozinha, entram sons da natureza. Um cachorro que late ao longe; um outro perto daqui. Passarinhos que sabem cantar. Cigarras que me incomodam. Entram também outros sons. A mulher que nina o nenem... O nenem não quer dormir. O bebê chora! O adolescente rebelde ouve uma canção que diz ser demais. O pai não suporta mais. Cantam as lavadeiras. Como se só as lavadeiras cantassem...
Invadem minha cozinha, através de sua janela, cheiros, odores, perfumes...Sinto tudo! O feijão queimado por uma cozinheira distraída me lembra da minha obrigação. A fumaça do churrasco me dá água na boca e aumenta minha fome. O cheiro de terra molhada traz de volta a imagem de uma infància distante, bem distante... O perfume barato da vizinha, comprado em uma revista qualquer. O aroma de uma flor que nasce ao tempo e não tem preço...
Olho pela janela da cozinha. Em vão, tento interpretar meus sentimentos. Não sei para que fico a observar. Não entendo porque tento diferenciar os cheiros que se chegam até minhas narinas. Irrito-me pelas músicas e encanto-me por outros sons. Misturam-se os sentimentos. Enlouqueço...Fecho a janela da cozinha. Mas a vida continua...Lá fora.