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Humor-->Eles vêm pra jantar... -- 29/01/2003 - 01:01 (William Henrique Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eles vêm pra jantar...


O Arnaldo e a mulher, Ana Maria, conversavam. Queriam chamar o Wilson, que trabalhava com Arnaldo, e sua mulher, Alice, para virem jantar. Seria bom. Afinal, eles eram um casal moderno querendo se divertir, e eram muito interessantes, também. Jovens, nem tanto. Queriam se mostrar jovens, mas não eram.
Arnaldo tentava convencer a mulher. Mas ela estivera resistindo um pouco à idéia:
- Ai, Arnaldo, num sei... num sei. A casa é bagunçada, tá tudo fora de lugar. Não.
- Mas eles não...
- Além disso, a gente não tem nada de interessante pra mostrar pra eles, Arnaldo, você sabe, pra passar o tempo... que nem o Alberto, que comprou um TVD...
- DVD.
- Que?
- É DVD, querida.
- Ué. Mais num se usa junto com a TV? TV. TVD... entendeu?
- Tá, tá.
- Ai, Arnaldo, não me interrompe. Deixa ver que mais... ah, os Souza têm toda aquela coleção de vinhos, e charutos, a Regina tem os vestidos, chapéus, o Edgar sempre mostra o apartamento de cobertura pras visitas... coleção de vinis antigos... karaokê! Ai, o karaokê, Arnaldo! Meu Deus.
- Que foi!
- A gente precisa ter karaokê, você não acha? É indispensável...
- Não dá pra comprar...
- Ah, dá sim! Vai comprar hoje!
- Tá, tá. Mas vamos chamar o Wilson e a mulher, sim.
- Essa Aline parece ser muito metida, sabia...? – disse Ana, torcendo o nariz.
- É Alice, o nome dela.
- Alicia?
- Alice! Alice!
- Ah, tá! Calma, precisa gritar?! Mas e a comida! Arnaldo!
- Credo! Me assustou!
Arnaldo e a mulher se sentavam no sofá da sala. Ele perto do telefone.
- A comida!
- Que comida?
- Ai, Arnaldo, a comida! O que eu vou fazer pro jantar?
- Nada.
- Nada?
- Nada. Um casal moderno e jovem não fica preparando janta na cozinha. É até feio... quem me falou umas coisas assim foi o Luis lá da firma. Ele entende bastante disso. A gente tem que pedir pizza, ou então comida japonesa, porque tá na moda.
- Arnaldo, você tá muito moderno pro meu gosto. Anda falando com um pessoal muito descolado...
- Descolado?...
- É. Mas é bom parar.
- Mas o que eu...
- Comida japonesa é chique. Vamos pedir comida japonesa.
- Mas primeiro vou ligar pra eles.
Arnaldo pegou uma agenda, procurou o número, pegou o fone e já ia discar.
- Peraí.
- Que! Me assustou de novo!
- Ai, Arnaldo, será...?
- Será o que, querida?
- Ai.
- Ai?
- Ai. Nossa casa...
- Que casa...
- E a comida!
- Deixa de besteira, querida! Vou ligar. Agora é pra valer.
Arnaldo olhou para o telefone, e hesitou. A mão deu uma leve tremida, ele respirou fundo.
- Agora eu ligo! – gritou ele.
- Então liga!
- Eu vou ligar, quem disse que não vou? Eu estava indo ligar, mas você fica apressando...
- Tá bom, Arnaldo. Liga.
Ele discou. E o coração disparou. Logo em seguida, quando ouviu o primeiro toque, começou a se arrepender, o coração disparou. Ai meu Deus. Pânico. Se arrependeu. Tarde demais.
- Alô – disse uma voz do outro lado.
Arnaldo ficou mudo. Que fiasco! Iam chamar um casal tão ocupado como aquele, Wilson e a mulher, pra jantar naquela humilde casa! Provavelmente eles já tinham planos para a noite!
- Alô... – Arnaldo soltou uma voz esganiçada, fraca, meio rouca. Às vezes a garganta entope sozinha, e a nossa voz sai meio estranha. Isso aconteceu com Arnaldo, e ele teve um acesso de tosse. Incontrolável. Ficou rosa. A mulher, ao invés de ajudar e bater nas costas dele, saiu correndo da sala, tropeçando, porque sempre que Arnaldo se engasgava ela não parava mais de rir, tinha ataque. Parecia algo maldoso, mas não era. Ela achava graça. Foi pro banheiro. Ele morrendo. Dois loucos.
- Alô! Tem alguém aí?! – disse a voz de Wilson, do outro lado.
- Garph...! Ai meu Deus. Sou eu, o Arnaldo. Oi, Wilson. Desculpa.
- Ah, fala, Arnaldo. Tá tudo bem aí?
- Claro.
Nesta hora a mulher voltou pra sala, ainda com a mão na boca, segurando a risada. Se acalmou.
- Liguei pra convidar você e a Aline pra vir jantar aqui hoje, Wilson... topa? – Arnaldo finalmente tinha conseguido usar a palavra “topa”. Essa palavra era o máximo, ele sempre quis usar, porque o Luis da firma dizia que “topa” era legal.
- É Alice. Minha mulher. Alice.
- Hã?
- Alice!
- Alicia?!
- Alice! Alice!
- Ah, tá! Calma, não precisa gritar! Mas você e a Alin... você e sua... mulher, vêm ou não?
- Ah, claro! Vamos sim – respondeu Wilson.
- Ótimo.
- Vou falar com a Aline.
- É Alice!
- Oi?
- Sua mulher, Wilson... Alice!
- Alicia?...
- Alice, Alice!
- Calma, Arnaldo, não sou surdo. Às vezes esqueço o nome dela – disse Wilson.
- Ksyuert...!
- Que?
- Grunhju.
- Arnaldo?
- Jiurl.
Era outro ataque.
- Está tudo bem, Arnaldo?
- Grompekh... não!... Jiurl!
A mulher, novamente, saiu correndo da sala e foi rir no banheiro.
Mais tarde, o engasgamento passou. Eles aguardavam a visita na sala, muito tensos.
- Ai meu Deus, e essas roupas?
- Que foi, querida?
- Olha as nossas roupas, Arnaldo. Que podre.
- Pára agora. A campainha, ai meu Deus. Vai lá. Não. Eu. Não, vai você.
- Eu não. Vai lá, Arnaldo. Eu fico aqui no sofá, esperando.
Eles se empurraram, os dois saíram correndo da sala, se trombaram no corredor. Fugiam das visitas.
- Tô com medo – disse Arnaldo, que caíra no chão.
- E eu quero fazer cocô – disse a mulher de Arnaldo, arrumando a perfeita desculpa. Correu pro banheiro. Da porta, parou, olhou Arnaldo, esperou que fosse atender à porta. Ele foi.
Só que no caminho ele começou a sofrer outro engasgamento. Dos piores.
- Ghuim. Kiu.
A mulher quase caiu no chão desta vez, e foi se trancar no banheiro. Gargalhava.
Arnaldo abriu a porta, quando se recompôs.
- Oi, Wilson! Como vai? E você, Aline? Como está?
- É Alice – disse a jovem esposa de Wilson.
- Como? – disse Arnaldo, quase se engasgando.
- Alice.
- Alícia?
- Alice! Alice!
- Não precisa gritar. Entrem, entrem. Como estão?
- Estamos bem, onde está sua esposa? – perguntou Alice, que era mais jovem que todos ali, e muito bonita. Eles entraram.
- Minha esposa? Foi fazer coc... ai. Ghuitrh. Gasmp – era outro ataque, e por causa do cocô – Digo, está no banheiro.
Arnaldo a estas alturas estava roxo. Falou para o casal se sentar. Wilson de blazer, calça social, ela de vestido caro.
Alguns segundos depois a mulher do Arnaldo voltou. Cumprimentou.
- Você é a Aline, acertei? – disse Ana, sorridente.
- Alice!
- Ah, Alícia...
- Alice! Alice! Alice!
- Só não grita, tá bom?... ah, o que acharam da nossa casa? – perguntou Ana Maria, se sentando.
- Ah, a casa? – repetiu o casal, dando mais uma olhada em volta do cômodo.
- É, a casa – disse Arnaldo. Queriam saber o que eles realmente achavam. Queriam saber se era uma casa podre mesmo, ou não. Queriam a opinião. Era bonita?
- É diferente – respondeu, finalmente, Alice. Wilson balançou a cabeça, concordando.
- Diferente? – estranhou Ana Maria – Mas acharam ela bonita?
- É diferente – repetiu o casal, ao mesmo tempo.
- Mas é feia ou bonita? Vocês morariam nela ou não?! – exaltou-se Ana Maria. Arnaldo suava.
- Diferente, pomba! – gritou Wilson.
- Diferente não serve, pai nosso! – Ana ficou mais nervosa.
- Ai, é diferente, sei lá, não vou falar mais nada! – gritou Alice, de repente, sob a pressão imposta por Ana Maria.
- Credo! Tá bom! – disse Ana, cruzando os braços. Não adiantava tentar arrancar a verdadeira opinião. Chegou à conclusão de que sua casa era podre, realmente.
- Responde rápido! – gritou Arnaldo, olhando para a mulher de Wilson – Qual o seu nome, moça?!
- Aline! Aline! – ela foi pega de surpresa.
- Há, errou! É Alice! – Arnaldo ria.
- Que?! Alicia?
- Alice! Seu nome é Alice!
- Ei, sem gritar, OK? É que às vezes eu esqueço – respondeu Aline. Digo, Alice – Todo mundo erra! Estou ficando louca, nem eu sei mais o meu nome!
- Ei, calma, querida... – disse Wilson, abraçando-a – Ninguém mais vai errar seu nome, Alice...
- Mas até você, Wilson?! – gritou a moça – É Aline! Aline!
- Ei, espera um pouco, ele falou certo, sim. Alice – disse Ana Maria, defendendo Wilson.
- Ele falou Alícia! – berrou a moça.
- Mas não era Alícia, mesmo?! – confundiu-se Arnaldo.
- Não! Não era!
- Há! Ela não sabe o próprio nome! – riu-se Ana Maria.
- Sei sim! Parem! – Alice entrou em desespero, e foi acalmada pelo marido. Ainda se vingaria de Ana Maria e Arnaldo. Era hora de atacar. Rapidamente mudou de expressão - Tem DVD?! – perguntou Alice, de repente, muito sorridente. A pergunta atingiu Arnaldo e a mulher desprevenidos.
- Ai – falou a mulher, perdendo a fala.
- Não – respondeu Arnaldo – Mas estamos pra comprar um.
- Tem adega?
- Não.
- Coleção de discos dos Beatles? – perguntou Wilson, descontrolado.
As perguntas foram chegando.
- Ana Maria, quantos casacos de pele você tem? E chapéus? Tem chapéus? Adoro chapéus. Credo, Arnaldo, você não compra chapéus pra sua Ana Maria não? Eu já disse que adoro chapéus?! Já?
- Tem churrasqueira? Sótão? – disse Wilson – Cachorro? Iate? Mini Golf? Aquário? Quantos banheiros? Pimbolin? Sou campeão de Pimbolin, sabiam? Quem quer ver minha medalha? Microondas? Internet? Tem Internet? Eu sei que tem Internet, Arnaldo. Me mostra sua home page, agora! Tem ICQ? Me passa o seu número, eu conecto toda sexta à meia-noite! Vai no bate-papo, procura o “Garanhão Carioca”! Sou eu! Ops!
- Que negócio é esse de “Garanhão Carioca”? – quis saber Alice, espantada – Você anda entrando em bate-papo de novo? Eu já falei pra... ah, peraí! – ela voltou-se para Arnaldo e a esposa - Tem piano? Violão? Piscina? Biblioteca? Tem cinema aqui dentro? Hein? Hein? Hum?
Arnaldo e Ana Maria entraram em pane. Não é nem preciso dizer que Arnaldo entrou em um profundo engasgamento crônico:
- Juirl. Digjio...!
- Ai meu Deus! – a mulher do Arnaldo ficou louca. Não sabia se desmaiava com as perguntas ou se ria do Arnaldo se engasgando. Correu pro banheiro.
- Aonde vai? Onde...? Aonde ela vai? – Alice não ia deixar Ana Maria escapar do interrogatório. Mas ela tinha saído da sala.
- Foi fazer cocô – respondeu Arnaldo, sem pensar – Digo... Jeirnf... Garph...
Depois que as coisas se acalmaram um pouco, Arnaldo telefonou para o restaurante japonês. Era serviço delivery. Vinte minutos.
- Ai, comida japonesa tá muito “down”, ultimamente. Tá “down” – disse Alice.
- E o que que tá “in”, amor? – perguntou Wilson, abraçando-a.
- Comida árabe. Ou tailandesa.
Arnaldo ficou vermelho. A pressão era imensa. E a mulher no banheiro. Não voltava.
Um pouco depois a comida chegou. Arnaldo se assustou com a campainha e se engasgou. A mulher no banheiro.
Arnaldo foi até a porta do banheiro e disse, sussurrando:
- Ana... ô Ana...
- Que! – ela gritou lá de dentro.
Arnaldo não podia falar alto, e ficou mudo.
- Fala, Arnaldo! – berrou Ana de dentro do banheiro.
- É cocô...?
- Que?!
Arnaldo suava. O coração em pane. Ainda morria disso.
- É... é cocô, Ana?! – disse ele, em voz mais alta. Wilson e Alice podiam ter ouvido. Seria chato.
- É – respondeu a mulher.
- Tá mal?
- Tou.
- E agora?... – Arnaldo fraquejou. Não agüentaria a pressão sozinho.
- E agora o quê, Arnaldo?... deixa de ser bobo... é o cocô, o que é que eu posso fazer? Tenho que ficar aqui...
- Ana... – Arnaldo voltara a sussurrar, mudando de tom.
- Fala!
- É... você me perdoa?... hoje eu gritei com voc...
- Ai, Arnaldo, sai daqui! Como é que eu posso fazer cocô direito com um chato falando na porta?! Depois você fala, sai, sai!
- Desculpe!
Ele voltou à sala de estar. A comida aguardava.
Ele se preparou. De pé, perto da entrada da porta, ele respirou, mal podendo encarar o casal que se sentava no sofá, impaciente. Cobraram uma resposta. Ele teria que fazer aquilo. Teria que falar agora.
- Eu tenho que falar algo pra vocês. Parece que estamos tendo problemas aqui em casa... – começou ele, com a voz tremendo, parecendo aqueles diretores de programa de TV que interrompiam o programa para informar o público da famosa “falha técnica”. Só que, aqui, eles tinham uma “falha intestinal” – Nós temos uma falha intes... Cookgf! Garphh... quer dizer, hã... minha mulher não vai poder participar do jantar. Está no trono! Pronto! Falei! Ai meu Deus! Quero acabar logo com isso!
Wilson e a mulher olhavam espantados.
- É isso mesmo! E daí, se uma pessoa está presa no banheiro?! Acontece com todo mundo! Qual o problema dessa sociedade que nos cobra uma postura sempre digna e luxuosa, polida?! É a sociedade hipócrita dos dias de hoje! Se alguém nesta sala tem algum problema com a palavra cocô, é só dizer! Hein?! Ou defecar! Fazer cocô, “fazer força”, empurrar os “meninos” na piscina, dar à luz ao moreninho, soltar aquela bomba! Um submarino marrom! Prisão de ventre, desinteria, a famosa “dor de barriga”, hemorróida, pum, gases. Cagar. Pronto, falei. O bendito cocô de cada dia. E como não poderia deixar de ser... a conhecida e pura diarréia!
Arnaldo, vermelho, suado, ofegante, se sentou no sofá. Arregaçou as mangas da camisa, olhou para o casal que ainda estava muito sem jeito.
Todos ouviram quando a abençoada descarga foi dada. Mas Arnaldo não vibrou. Permaneceu sentado, pensou no que tinha dito, olhou para os dois e disse, irritado:
- Bom, acho que agora ninguém mais vai conseguir comer, né?...



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