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Contos-->Um mundo próprio, um mundo só -- 21/09/2000 - 13:36 (Eduardo Henrique Américo dos Reis) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Todos possuem deficiências, mas poucos são verdadeiros lutadores.”
Daniel Keplinger

Atravessou a rua, de mão dada com a avó. Não demorou muito para ficar maravilhado com a grande vitrine de uma loja de lustres e luminárias. Parou, impedindo que a velha continuasse a andar, com um brilho infantil nos olhos e um chapéu de pesca na cabeça, o rapaz apontava para as luzes que piscavam dentro da loja.
“O que foi!? Gostou das luzes? Gostou? Eu lhe compro uma!” A bondosa e sempre contente velhinha chamou um vendedor até a porta, quando o rapaz se aproximou pediu-lhe uma lanterna, a mais sofisticada, com pisca-pisca e tudo mais. O neto, que já beirava os vinte anos, ficou muito agitado, pulava e batia palmas. “Calma! Calma meu neto!” dizia a velha.
Voltando com o presente na mão, perguntou o simpático vendedor:
- É seu filho?
- Não, não. Ele é meu neto... eu cuido dele desde quando nasceu... minha filha e o marido dela, fugiram e deixaram ele comigo– respondeu não muito empolgada.
- O que ele tem!? Me desculpe perguntar...
- Ele é autista, tem um mundo próprio. Eu sou a única pessoa que consegue se comunicar com ele.
No caminho para casa, não parou por um segundo. Direcionava a lâmpada para o próprio rosto, acendia, apagava e ria, acendia, apagava e ria. Sempre observado pela avó.
Todo dia, enquanto a velhinha cozinhava, sentava em seu quarto, colocava um dos vários chapéus que tinha e com o olhar vidrado num pequeno abajur, acendia e apagava a luz.
Na casa ao lado da deles, morava uma pequena família. O pai, a mãe, uma menininha de 8 anos e um cachorro de estimação. O pai, um ranzinza muito trabalhador e preocupado com dinheiro. A mãe, uma mulher magra e feia que passava o dia todo diante de um tanque de lavar roupas. A menina era espertíssima e vivia brincando com o cachorro no quintal. Também sempre foi muito observadora e morria de vontade de conhecer o vizinho que só via quando subia no muro depois do almoço.
Aquilo que via por cima do muro e através da janela da cozinha aguçava-lhe a curiosidade. O rapaz ficava sentado no chão, com um chapéu estranho na cabeça, ao lado da cadeira da velhinha que o servia com uma colher enorme. Esta era a rotina de todos os dias.
Numa noite de Domingo, após ser levado para o quarto pela avó, o rapaz ficou desesperado e começou a gritar ao perceber que seu colchão não estava dentro do armário, e sim, no lugar comum, a cama. “Desculpa, meu neto! Desculpa! Mas achei que um dia você iria parar com esta mania de dormir dentro do armário. Fica calmo, fica calmo porque a vovó já está arrumando sua cama!” Disse a velha, devolvendo o colchão para dentro do móvel.
Quando se tranquilizou, pegou a lanterna nova, sentou no chão (nunca usava a cama para nada), cruzou as pernas, ligou o pisca-pisca e ficou observando e acompanhando a luz com os olhos. Até a velhinha, lhe despir todo, deixando apenas o par de meias e um gorrinho de dormir na cabeça do jovem.
- Boa noite, meu neto!- Suspirou a velha, ajudando o rapaz à entrar no armário.
Esta era mais uma das manias do garoto, que além de comer sentado no chão, adorar luzes e chapéus também dormia apenas de meias e um gorro daqueles de pijamas infantis.
Na tarde da Segunda-feira, a menina não subiu no muro como fazia normalmente, pois seus pais havia lhe presenteado com uma bola, então ela foi direto para o quintal estrear o novo brinquedo acompanhada pelo cãozinho. Brincou, sorriu, se divertiu, rolou na grama imitando o companheiro, sujou todo o vestido que tinha ganhado da madrinha com terra, quando subitamente ouviu um barulho parecido com um daqueles fogos de artifício que as pessoas insistem em soltar nos meses de Junho e Julho.
A menina, muito curiosa, pegou o cão no colo. “Você ouviu!? Ouviu!? Parece que o menino bobo tá desobedecendo a vovó dele! Vamos ver.” Então, a garotinha subiu no muro e avistou somente o rapaz sentado no chão da cozinha. “Ih, olha lá! Acho que a vovó esqueceu do almoço dele...quer saber, vamos lá! Ele precisa comer!”
Colocou a coleira no cãozinho e saiu pela porta da frente sem avisar ninguém. O portão e a porta do vizinho estavam abertos, ela bateu na porta, mas ninguém atendeu. Entrou, caminhou lentamente pelo corredor, olhando para dentro de todas as portas até chegar na cozinha. Viu o rapaz, pela primeira vez conseguiu olhar direto para seu rosto. E lá estava ele, na mesma posição de todos os dias, sentado ao lado da cadeira, com um chapéu de cozinheiro, uma lanterna na mão, um prato de comida sobre a mesa, uma grande colher... e nada da velha.
“Onde está sua vovó? ...desculpa, eu tinha esquecido, você não fala né?” Falou a menina depois de soltar o cachorro, se ajoelhar na frente do moço e fazer-lhe um leve carinho no rosto. “Tudo bem, eu te dou a comida!”. A menina sentou-se na cadeira da avó e com a grande colher começou a servir o almoço ao jovem. A cada segundo ela ficava mais curiosa. Tentando compreender o novo amigo que, nem para comer, parava de brincar com a lanterna. “Hum! Tá gostoso né?”...Ele nem se quer emitia um mínimo ruído, nem para mastigar.
Ao terminar o serviço, dirigiu-se a pia, lavou os talheres com muito dificuldade, pois não alcançava a torneira. Deu um abraço e um beijo no rapaz, que não foram correspondidos, se despediu, pegou o cão e voltou para casa.
Entrando em casa, a garota foi direto para cima do muro ver o que o menino estava fazendo. Ainda estava lá parado, na mesma posição. Ficou preocupada, queria saber onde poderia estar a velhinha. De dez em dez minutos ela subia no muro...e nada. O Rapaz ainda não havia se movido e nem sinal da avó.
Assim que sua mãe chegou do trabalho, a menininha foi correndo avisar. “Calma, filha! Ela deve estar ocupada, fazendo alguma coisa em outra parte da casa... mas já que você está tão preocupada, vamos até lá para ter certeza.” Disse a mãe totalmente despreocupada.
Foram até a porta da vizinha e param... bateram, bateram. “A porta tá aberta, mãe!”. Entraram, a garota foi direto para a cozinha, sentou no chão ao lado do moço e ficou acariciando seu rosto. A mãe, vasculhou a casa toda e não encontrou ninguém, mas percebeu que algumas gavetas do quarto da velha estavam bagunçadas, algumas vazias e também haviam alguns objetos pessoais espalhados pelo chão.
“Vamos filha! Isso está muito estranho! Vamos embora!” falou a mulher parada na porta da cozinha. Quando a garotinha foi se levantar, o rapaz segurou o seu braço e puxou-a de volta, dando-lhe um beijo no rosto e um forte abraço. Ela foi se afastando, afastando... acenou com a mão e percebeu os olhos daquele pobre homem cheio de lágrimas.
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