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cronicas-->A seta que nunca chega ao alvo -- 02/08/2000 - 19:33 (Eduardo Loureiro Jr.) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Há três tipos básicos de pessoas: as que nunca completaram seus álbuns de figurinha, as que os preencheram com entusiasmo e disciplina e, obviamente, aquelas que nunca tiveram álbum de figurinhas.

Estas últimas, que sempre encontraram algo melhor para fazer, também devem estar fazendo, agora, alguma coisa melhor do que ler cronicas. Talvez só venham a ler esta se algum amigo, ou inimigo, que a conhece bem, ou que lhe quer muito mal, enviar o link com uma pequena mensagem: "Fulana-que-nunca-teve-um-álbum-de-figurinhas, lembrei de você ao ler esta crónica. Sei que você não gosta de surpresas, mas não vou adiantar mais nada. O endereço é http://www.usinadeletras.com.br/..."

Das pessoas que nunca completaram seus álbuns, o máximo que posso esperar é que me leiam até o terceiro ou quarto parágrafo, se é que já não me trocaram por outra crónica ou poema que da mesma forma será largado no meio. Então me dou a liberdade de não escrever para elas.

Meu leitor ideal é o laborioso preenchedor de álbuns, aquele que talvez ainda os guarde em casa, e que tenha ganho alguns brindes após ter completado todo o livro. Se o fez por si mesmo, através de múltiplas trocas com os amigos e de infinitas disputas de "bafo", ou se o conseguiu escrevendo para a editora e marcando com um "x" o número das figurinhas que faltavam, pouco me importa. Ele há de ficar comigo até o fim desta crónica, ele é o seguro de vida de todo escritor, e é para ele que falo, mesmo que ao final, completada a crónica, ele venha me cobrar algum brinde.

Tenho que confesssar que faço parte dos que não completaram seus álbuns, mesmo os menores e mais vagabundos, cujos cromos - lembra disso? - se vendiam em qualquer bodega. Logo essa crónica corre o risco de também não ser completada. Mas deixo minha palavra empenhada. E, se não juro com a mão sobre a bíblia, é porque jurei lê-la inteira uma vez e não consegui chegar ao final; não sei, por exemplo, as cores e as formas das figurinhas do Apocalipse.

No entanto, se o leitor não for tão ortodoxo, coloco minha mão sobre o volume 3 das obras completas de Jorge Luis Borges. Termino o terceiro volume ainda esta semana e, se tudo correr bem, acabo o quarto e último antes do final do mês. Espero ter melhor sorte com ele do que com a poesia e a prosa de Fernando Pessoa ou com Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust.

O que me dá alguma esperança é que estou entrando em meus trinta anos, mesma idade com que Cristo foi batizado, presumível idade em que Adão veio ao mundo do barro e exata idade do retorno de Saturno, que não é outro que não o engenheiro de nossa personalidade, que nos confere estrutura e estabilidade, que nos permite enfim completar álbuns de figurinhas e coisas afins. Aliás, se não houvesse outras provas da reencarnação - e desconfio que há duas ou três - bastaria essa: que há indivíduos que completam álbuns de figurinhas antes dos 30, o que só pode ser explicado por experiência prévia.

Então descubro que tenho escrito em vão, porque os que completam álbuns de figurinhas, os que já vieram de vidas passadas, os que já têm experiência, possivelmente também têm conhecimento do que vou lhes dizer. Talvez para mim seja novidade, mas para eles será uma monótona repetição: que a flecha nunca chega no alvo, pois antes tem que percorrer metade do caminho, e antes disso metade da metade, e antes de antes disso metade da metade da metade, até o infinito...

E, se ainda posso surpreendê-los com alguma coisa minha, será tentando a metáfora de que esta minha crónica é a seta e você, paciente e imóvel leitor, o alvo. Mas não importa quão grande seja a sua paciência, a seta nunca atingirá o alvo. Mais cedo ou mais tarde, aqueles que porventura tenham se encantado com essa nova figurinha que lhes trago descobrirão que é uma figura de outro álbum. E perguntarão a si mesmos por que pensaram haver uma nova figurinha quando o álbum já estava completo.

Eu deixo a resposta para vocês, vocês que sempre chegam ao fim de tudo: de álbuns, de cronicas, de perguntas. O que posso dizer é que larguei esta crónica no sétimo parágrafo e que se ela chegou inteira até vocês é só uma ilusão de ótica. Nós vemos o que queremos. Vocês vêem completude. Eu continuo voando e zunindo na metade da metade da metade...

"Que arco terá lançado esta seta
Que sou eu? Que cume pode ser a meta?" (Jorge Luis Borges)

Eduardo Loureiro Jr.
(Mais cronicas?
Aqui mesmo neste site
ou em www.patio.com.br/cronica)
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