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Artigos-->Procura da Poesia: uma anti-receita de fazer poema -- 10/06/2002 - 15:42 (charles odevan xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PROCURA DA POESIA:

UMA ANTI-RECEITA DE FAZER POEMA

Charles Odevan Xavier



Ainda na série “Os metapoemas de Drummond”, o poema Procura da Poesia é uma das mais desnorteantes receitas para se fazer versos dentro da obra de Carlos Drummond de Andrade. Ao contrário das receitas comuns, que dão orientações de como fazer, o poema em questão começa negando o que pode ser feito.

"Não faça versos sobre acontecimentos", o poeta diz negando a utilização de fatos notáveis em poesia. Porém, se o poeta é contra o grandioso, também não é a favor do pequeno: "As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais, não contam."

Quando afirma: "Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes", o poeta se mostra contrário à presença da raiva, do prazer ou do sofrimento em poesia. Desencoraja, entretanto, a racionalização: " O que pensas (...), isso ainda não é poesia."

Refuta o bairrismo: "Não cantes tua cidade, deixa-a em paz". E adverte: " O canto não é o movimento das máquinas nem / o segredo das casas"; ou seja, o lirismo não é público ou privado, barulhento ou silencioso, como também "O canto não é a natureza / nem os homens em sociedade". Desse modo, o lirismo não deve ser rural ou urbano.

Enquanto Ferreira Gular em Não há vagas, queixa-se que o preço do feijão, do gás, da luz, do pão, não cabem no poema; Drummond afirma que "Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, / vossas mazurcas e abusões", isto é, coisas extravagantes, luxuosas e supérfluas não devem ter espaço numa obra poética.

O poema não deve conter o passado: "Não recomponhas/ tua sepultada e merencória infância" nem o presente: "Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação."

A essa altura, cria-se um impasse para o leitor/poeta que não sabe o que fazer nem como seguir o mestre Drummond, pois, se o poema não pode ser grandioso ou pequeno, público ou privado, barulhento ou silencioso, rural ou urbano, pretérito ou hodierno, o que ele pode ser? O que pode caber nele?

Na quinta estrofe, Drummond começa a desfazer o impasse. Até esta estrofe, o poema estava marcado por negações: "Não faça", "não cantes", "não dramatizes", "não invoques", "não indagues", "não recomponhas", "não osciles". Mas a partir desta estrofe, os verbos vêm com afirmações:" penetra", "convive", "aceita-o" indicando finalmente ao leitor/poeta o que deve ser feito.

"Penetra surdamente no reino das palavras / Lá estão os poemas que esperam ser escritos. / Estão paralisados, mas não há desespero, / Há calma e frescura na superfície intacta / Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. / Convive com teus poemas, antes de escrevê-los." Com o que se parece esse trecho? A associação imediata é com o mundo das idéias de Platão. Em outros termos, os poemas já existem antes de irem para o papel. As palavras estão latentes, hibernadas no dicionário numa formatação denotativa, e só passarão a ter vida (conotação) quando em uso, numa alegre promiscuidade umas com as outras. O que deve fazer o poeta? Nada. Como sugerem os sememas presentes na estrofe:"surdamente", "paralisados", "não há desespero(ansiedade)", "calma", "paciência", o poeta deve deixar que as palavras se arrumem, se liguem nas mais impensáveis associações; ou seja, o que Drummond sugere é o que pode ser chamado de processo passivo de criação. Em outras palavras, o poeta não deve dirigir, conduzir, policiar as palavras, pelo contrário, deve permitir ser conduzido por elas. Cabe ao poeta, portanto, ser o medium entre o mundo das idéias, ou melhor dizendo, a esfera conceitual e o suporte material destas abstrações (a folha de papel).Esse procedimento lembra a escrita automática dos surrealistas. Um verbo sintetizará todo o poema no 46º verso:"Chega mais perto e contempla as palavras". "Contemplar": eis a solução proposta desde o zen-budismo. Mas é bom deixar claro que essa proposta não corresponde à totalidade da obra drummondiana. É apenas um dos momentos, pois em O Lutador, outro metapoema do mesmo livro, Drummond propõe justamente o contrário, exibindo sememas como: "luta", "rompe", "fortes", "enlaçar", "sevícia", "zanga", "sangue", "desafias", "combate", "unha", "dente", "tortura".

Em "Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra", o poeta alerta sobre o caráter polissêmico da palavra e apostando no que cada um pode captar de um poema, Drummond contempla o conceito de obra aberta de Humberto Eco. Chega-se a conclusão de que o poema não é propriedade privada do poeta, ao contrário, é propriedade do leitor e só existe na interação com este. E esta interação, por sua vez, é mediada pelo conhecimento de mundo de quem o lê. Assim, a Odisséia de Homero fechada e empoeirada na estante não tem nenhum valor, serve apenas como alimento de ratos e baratas, é só um texto a mais, só ganha significação quando há um leitor que torne este texto discurso.

Graduado em Letras pela UFC

charlesodevan@bol.com.br

Bibliografia:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. Rio de Janeiro: Record, 1984.

__________.Antologia Poética. Rio de Janeiro: Sabiá, 1962.

CHALUB, Samira. Funções da Linguagem. São Paulo: Ática.

DUBOIS, Jean et ali. Dicionário de Lingüística. São Paulo: Cultrix, 1996.

DUROZOI, Gérard. Dicionário de Filosofia. Campinas, SP: Papirus, 1993.

MERCHIOR, José Guilherme. Verso Universo em Drummond. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.

NIST, John. In the middle of the road. University of Arizona Press, 1965.

PLATÃO. A República. Ri o de Janeiro, Ediouro.



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