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Contos-->À Sombra do Jatobá II -- 29/08/2003 - 09:18 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – II

MUDANÇA PARA A FAZENDA


Quando Delfina, aos quatorze anos, tornou-se responsável, os sonhos de Dalva se tornaram realidade: voltaram todos para a sua querida fazenda e, ela, a conviver nos ambientes impregnados de boas reminiscências e, principalmente, ficar sempre ao lado do seu marido.
Mas a verdade é que, ao tomar as rédeas para conduzir os irmãos à escola, Delfina nunca mais as largou. Assumiu a tarefa de orientá-los, porque foi tomando conhecimento da fragilidade de Dalva, e dos desmandos de Otávio. Sempre voluntariosa e decidida, passou a vigiar os estudos dos irmãos, as suas tarefas de casa, os horários e até a compostura de cada um. Mas quando as contrariedades se amontoavam, Delfina desbocava:
- Filó, vá lavar melhor estas orelhas! Dá para plantar couve nestas imundícies!
- Manfredo! Coma com a boca fechada! Eu já lhe disse um milhão de vezes que assim você parece porco comendo merda!
Dalva, contrariada, intervinha:
- Não fale assim, minha filha, é feio!
- È feio, é, mãe? È feio? A senhora fica ai – e Delfina fez trejeito de dengosa – “meu anjinho, meu filhinho, meu amorzinho”, e dá nisto. Tudo de ventas sujas! – e virando-se raivosamente para os irmãos:
- Vá lavar a cara, Tobias! Tá toda breada de manteiga! Nós vamos perder a hora!
Todos partiam de carro guiado por Manfredo, que, aos dezesseis anos era um rapagão forte e decidido.
Apenas Elvira, ainda nova para ir à escola, ficava na fazenda. Sentia-se perdida no casarão, enquanto Dalva e as criadas entregavam-se aos seus trabalhos. Por estar sozinha, a menina levantava-se de um salto e corria para a cozinha. Chegava com o coração aos pulos, junto de Chora, a cozinheira, e abraçava-a pela cintura.
A negra largava o que estava fazendo, sentava-se em um tripé e a colocava no colo:
- Que é isso, meu bichinho? Parece que viu assombração! Pra que correr deste jeito? – depois, alisando os cabelos crespos de Elvira – perguntava, com carinho: está com fome? Vou lhe servir o leite...
Elvira apertava o abraço:
- Não, Chora, não levante! Vamos ficar mais um pouquinho; está tão bom assim...
Elvira se arrepiava de medo por ter de atravessar o longo corredor e a sala de jantar, com suas paredes carregadas de retratos de velhos sisudos que, em suas ricas e pesadas molduras, pareciam olhá-la com rancor. As damas de cintura fina, apertadas em espartilhos, enfeitadas de rendas e carregadas de jóias, atemorizavam a menina, por estarem assim estáticas, no longo silêncio do corredor. Por mais que Dalva as endeusasse e lhe explicasse que aquelas figuras eram de seus avós portugueses, gente muito fina, da qual deveria se orgulhar, a menina as temia e só esquecia aquela fileira horrível quando estava acompanhada de seus irmãos.
Um dia, ao notar o pavor em seus olhos, Filó havia puxado uma cadeira e, trepando em seu assento, desenhou com lápis preto um valente bigode em uma duquesa – travessura que lhe valeu boas chineladas – mas que elevou o seu conceito, bem alto, no carinho e gratidão de Elvira. Dalva tentou apagar o estrago, mas, dos negros e grossos bigodes, ficaram as marcas indeléveis na face da nobre ancestral.
Depois de aconchegá-la durante algum tempo em seu colo, Chora preparou-lhe o leite com rosquinhas e ficou a admirá-la enquanto a criança comia.
Elvira era delicada, de feições perfeitas, e a negra, em seu encantamento, a chamava de “meu menino Jesus”. Um menino Jesus chorão, medroso e pirracento, que, por ser muito mimado pela família, ia desenvolvendo um forte egoísmo. Exigia que Filó a atendesse nos menores desejos e, quando contrariada, explodia em gritos e atirava-se, esperneando no chão, ameaçando ataques. Quando nenê costumava perde o fôlego, e deixava toda a família alarmada. Era comum, no meio dos seus achaques, ouvirem Dalva gritar:
- Esta pobre criança não pode ser contrariada!
E Chora acrescentava:
- Tem os nervos fracos!
E Delfina comandava:
- Cuida dessa menina, Filó!
Todas as noites Filó acordava com o chamamento de Elvira:
- Filó, Filó!
Estremunhada, Filó respondia num ronco: Hum?
- Eu estou com sede!
- Ora, Elvira, outra vez? Vira para o canto e durma!
- Mas eu estou com sede!
- Pois vá beber água.
- Eu tenho medo. Não gosto de atravessar o corredor sozinha.
- Tá bem, vamos lá, mas amanhã traga a água para o quarto!
Assim falando, Filó acendeu a luz e se dirigiu com a irmã para a cozinha. Elvira ia grudada nela, de cabeça baixa, para não ver aqueles “monstros” na parede.
Depois que a irmã bebeu água, Filó lhe disse:
- Agora vamos ao banheiro. Não quero levantar outra vez.
-Você me deixa dormir na sua cama, deixa?
Suspirando, enfadada, Filó respondeu:
- Deixo, Elvira. Deixo.
Todas as noites a cena se repetia. Elvira acordava e, por um motivo ou outro, chamava pela irmã e sempre acabava indo para a sua cama. Deitava-se agarradinha à Filó e metia o seu nariz em seu pescoço, junto dos cabelos limpos e recendendo a sabonete.
Filó, sempre paciente, culpava-se deste hábito da irmã. As duas dormiam juntas desde quando Elvira, com pouco mais de um ano, saiu do quarto dos pais. Quando a criança chorava, Filó, sonolenta, colocava-a em sua cama, junto da parede. Agasalhada na quentura do seu corpo, Elvira logo adormecia e Filó também podia ferrar no sono. Oito anos mais velha que Elvira, Filó havia assumido a responsabilidade de acompanha-la sempre. Como se não lhe bastassem os gritos de Delfina:
- Cuide desta menina, Filó!
Era um alívio para Filó ir para a escola, só assim podia se livrar, por algumas horas, da tirana dengosa.
Elvira, depois de lavada e cuidada por Chora, pegava suas bonecas e saia para o quintal, e, na sombra do Jatobá, armava sua casinha, esquecendo o silêncio do casarão e o medo que lhe despertava. Sentava-se entre as raízes possantes da velha árvore e, como envolvida por fortes braços, deixava-se ali ficar. Às vezes riscava a areia em pequenos e indecifráveis desenhos, outras vezes embalava suas bonecas, murmurando carinhosamente:
- A mamãe cuida de vocês. Bicho-papão não existe! Ora, aqueles homens feios? São só retratos...
Mas, na monotonia das manhãs, quando o sol estava forte, e ora aqui, ora ali, chiava uma cigarra, o sono ia tomando conta da pequena. Juntava suas bonecas ao peito, para protegê-las e, recostando-se no largo tronco da árvore, adormecia.
Otavio vinha buscá-la e levá-la no colo. Elvira entreabria os olhos sonolentos e, vendo-se carregada com suas preciosas filhas, voltava a dormir.
Ao vê-los aproximarem-se da casa, Chora comentava:
- Lá vem o seu Otávio e suas bonecas!

Continua no próximo capítulo


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