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Contos-->À Sombra do Jatobá III -- 30/08/2003 - 22:10 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá III

EMA

Trazia os cabelos negros, fartos e escorridos presos num chumaço, na nuca. Suas roupas deviam dar-lhe liberdade para montar a cavalo e sair vigiando e comandando Deus e o mundo. Gritando, mandando, Delfina foi empurrando os irmãos nos estudos e na vida. Otavio faria, de cada filho, um boiadeiro; ela lutava para mantê-los presos aos livros.
Foi com orgulho que viu Manfredo, ao terminar os estudos no colégio Santo Onofre, partir para Fortaleza e ingressar na Faculdade Livre de Direito.
Rapaz de boa estatura, moreno, de cabeleira crespa e luzidia, no rosto um par de olhos vivos e escuros, a brilhar maliciosos e, na boca, um pronto sorriso de dentes alvos, Manfredo era inteligente e esforçado.
Delfina tratou de seu enxoval, escolhendo sempre o que havia de melhor e mais prático e, acima de tudo, durável.
Com a aproximação das férias, ficava ansiosa esperando por ele, para ouvi-lo contar dos seus progressos.
Tobias e Vadico, um ano de diferença entre os dois, altos e esganiçados como sabem ser os adolescentes, passaram a sofrer o dobro nas mãos da irmã, depois da saída de Manfredo. Tinham suas vidas cerceadas e seus cadernos vasculhados. Delfina temia pelo futuro de todos os irmãos e não admitia que perdessem tempo em “besteiradas”, como dizia. Ser gente repetia, não é ter dinheiro e sair esbanjando, por aí; não é usufruir o poder, da força bruta e conquistar cargos e posições; não! É ter cultura, estudar muito, dar conta das responsabilidades! – Delfina malhava, como uma bigorna, a consciência dos irmãos, e malhava a si própria, não se dando o direito de sonhar com uma vida só sua ou, como seria justo, com um bom casamento.
Mas, apesar de toda a sua vigilância, o inesperado chegou e caiu como uma bomba no meio da família: Manfredo, aos vinte e um anos, fora obrigado a se casar em Fortaleza! A moça estava grávida e seus pais fizeram correndo o casamento dos dois.
Se o diabo surgisse, com enxofre e tudo, na Fazenda Esperança, não causaria tanto reboliço, tamanho desconsolo.
- Bobão – xingava Delfina, para que toda família ouvisse – deixou-se apanhar! Caiu fácil na rede duma dessas caçadoras de homem, que andam livres, por aí! Abestado!
Otávio exasperou-se com a filha, mas ouviu palavras duras:
- É o que dá o senhor querer machões, garanhões, nesta família!
- Cala a boca, Delfina!
- Não calo, não! Vocês homens são os culpados dos filhos darem cabeçadas! São mandões em casa e são livres, lá fora! Se endeusam, põem a mulher em segundo lugar e, os filhos, com o belo exemplo, saem por aí, fazendo besteiras. Achando lindo beber nas bodegas, e roncar machismo pelas esquinas! Viu só no que deu?
Otávio quis contemporizar:
- Casamento não é desgraça...
- É sim, quando feito desta maneira, é sim! - bufou Delfina.
- Ele deve gostar dela...
- E ela merece? Uma cachorrinha desta merece?
- Cala a boca, Delfina!
- Posso calar quando o senhor ensinar os seus filhos a apagar o pito! Tobias irá logo para faculdade, e depois o Vadico! Eu só quero ver se esta casa vai se encher de ”buchudas”!
Pááááá – uma porta bateu com violência atrás dos passos martelados de Otávio. Quando a filha desbocava, até o cão fugia.
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Manfredo, não suportando a convivência com os sogros, trouxe sua mulher, Ema, para morar na fazenda, enquanto ele voltava para a república dos estudantes.
Num sábado, à noitinha, Delfina viu chegarem os dois. Sufocada de raiva, de desprezo pela intrusa, afastou-se da janela do seu quarto, para não ser vista .
Ema foi ficando, foi se adaptando à família. Dalva tratava-a com carinho, chamava-a de “minha filha”, Otavio, por sua vez, não a levava muito a sério; falava-lhe com a falta de consideração de quem lida com um objeto bonito, delicado, mas que só serve para adorno. Com se ela fosse uma boneca de Manfredo.
Delfina, controlando a impaciência, escondia a desilusão, o desencanto em ter uma cunhada preguiçosa, langorosa, que exibia sem pejo o seu ventre arredondado, e que ainda possuía o triste hábito de alisá-lo, a toda hora, e de apoiar as mãos em sua saliência, logo abaixo do busto, como quem apóia os cotovelos na janela e fica, displicentemente, vendo a vida. Mas desagradável, mesmo, era vê-la dar-lhe todo o seu contorno, ao se sentar, empurrando a saia por baixo daquela bola dura que, dia a dia, mais se empinava.
Por ter casado já no quarto mês de gravidez, o enxoval de Ema era todo de batas finíssimas, vestidões molengos que lhe davam conforto, mas muito pouca elegância. A moça acordava tarde e saia do quarto, arrastando pelo corredor, suas longas camisolas e roupões de seda, carregados de babados. Os cabelos crespos e sedosos estavam sempre em desalinho e choviam-lhe sobre os olhos castanhos, belos, mas sonolentos. A boca pequena e vermelha, tinha o formato arredondado e despersonalizado das estátuas e as mãos, sem calos ou arestas, sempre de unhas cuidadas, mantinham-se frouxas, quando em movimento.
Tamanha disparidade com o gênio ativo e violento de Delfina não torna difícil avaliar o sacrifício desta última, para manter a paz entre as duas. Apenas ficava de olhos atentos nas irmãs que, notava, encantavam-se com as “riquezas” da cunhada.
Filó e Elvira – a primeira mais velha que Ema, no entanto ingênua e infantil e a outra, meninota – metiam-se pelo quarto do jovem casal e remexiam em seus guardados. Ema tinha prazer em que experimentassem os seus cremes de beleza, vindos da França. Suas pinturas, suas jóias. As três brincavam diante do espelho.
Quando Marcelo nasceu, Delfina se desfez em cuidados com a criança, até Manfredo se formar e mudar para Fortaleza. Ajudou-o a se instalar onde melhor lhe aprouvesse. Nesta expressão de carinho, traço marcante de sua personalidade, que substituía os chamegos por atos de recompensa, ela poderia tentar apagar as marcas de ranzinzisse com que havia tolhido o irmão até a sua formatura, já que esta quebrava, agora, os elos que o prendiam à fazenda. Mas qual o quê, Ema partiu sem ter a oportunidade de amenizar o atrito entre ela e a cunhada, porque ouvia, constantemente, o aviso:
- Cuidado com o Marcelo! Só quero ver como vocês o vão educar! Não me bobeiem com ele! Menino malino precisa de rédeas curtas... E não vão esquecer de vaciná-lo contra varíola, hein? Olhem lá!
Partiram. Dalva suspirava pelos cantos, com saudades do neto e Delfina se remoia de preocupações pelo sobrinho, taxando Ema de descuidada.
- Delfina, veja como fala, minha filha, Ema é boa mãe, sabe o que faz – apaziguava Dalva.
- Sabe, é? Sabe, é? Todo mundo nesta casa sabe o que faz, e é besteira atrás de besteira. Domingo passado, depois da missa, peguei o Vadico arrastando as asas para a magricela da Joaninha. Sentados os dois no banco da praça, de mãos dadas! Ele todo abestado! Ora, minha mãe, ele ainda está nos cueiros, cheirando a leite e a mijo, e já se enrosca todo com estas lambisgóias!
- Ele é jovem, Delfina...
- É? Mas veja no que deu a juventude do Manfredo...
Quando a coisa chegava neste pé, os irmãos iam se afastando e ela acabava falando sozinha. Bastava ter que enfrentá-la nas horas dos estudos e responsabilidades a que lhes obrigava.
Vadico e Tobias fugiam da irmã, o quanto podiam e ficavam loucos de raiva quando, ao chegarem em casa, depois de uma boa escapada após as aulas, encontravam-na de cara fechada, esperando por eles.
- Assim não é possível – queixavam-se ao pai – ou o senhor dá um jeito na Delfina ou vão falar mal dos homens desta casa!
- Ora, - respondeu Otavio, malicioso – não creio que a Delfina conheça a necessidade dos machos...
- Pudera! – retrucou Vadico, impaciente – solteirona, santarrona!
Esta última frase tiniu nos ouvidos de Delfina, que havia surgido na porta da sala, onde se dava a lamúria dos irmãos. Fitou-os séria, e caminhou para eles, com seus olhos magoados.
Atrapalhados com o inesperado, eles se entreolharam e Vadico falou, meio encabulado:
- Delfina, por que você precisa vigiar tanto a gente? Olha, desde que o Manfredo casou...
- Que Manfredo fez a besteira! –retrucou, zangada.
O rapaz engoliu em seco e maneou a cabeça
- Sim, está certo, mas você não precisava julgar a gente por ele! – Vadico adoçou a voz – Delfina, você era tão alegre, tão brincalhona quando éramos crianças... Se lembra dos nossos banhos no açude, se lembra? Se lembra quando corríamos a cavalo? Quando brincávamos na praça da Igreja? Por que você passou a tomar conta da gente, como se fossemos dois desmiolados?
Não se deixando comover com as lembranças do irmão, Delfina olhou demoradamente para os dois e retrucou:
-Porque Manfredo caiu na primeira oportunidade. Porque papai não me ajuda tomar conta de vocês, ao contrário, dá péssimo exemplo...
- Delfina! – roncou Otavio.
- É; é isso mesmo, ou o senhor quer que eu refresque a sua memória?
- Não me meta nesta embrulhada!
- Porque, - continuou sem se importar com o pai – vocês têm que começar a vida às direitas.
- Mas Delfina –arriscou Tobias – com cinto de castidade você não evita ninguém de ter maus pensamentos...
A resposta veio rápida:
- Maus ou bons pensamentos não fazem filhos! Cresçam! Tornem-se adultos e escolham bem suas esposas. Não se metam de engraçados com as filhas dos outros, porque vão se dar mal. Eu vigio, sim, e vocês ainda vão me agradecer por isto! Tratem de esfriar o pito e vão para a cama!
Quando os dois irmãos iam saindo, aborrecidos, ela os chamou de volta e falou-lhes, com calma:
- Vadico, Tobias. – eles pararam para escutá-la – essas mocinhas, que vivem se oferecendo, podem impingir a paternidade de um filho que talvez não seja de vocês...
Indignado, Vadico deu um passo na sua direção:
- Você acusa a Ema?
- Acuso, sim, acuso mil Emas e mil ingênuos Manfredos. Cuidem-se!
Agora foi a vez dela sair pisando duro e deixando o pai e os irmãos espantados com o que haviam escutado.
Lá, sozinha em seu quarto, pegou a remoer a sua desilusão com a falta de autoridade do pai. Também, pensava, quem nunca teve freio não sabe com aplicá-lo...
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Continua no ´próximo capítulo
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