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cronicas-->Leviandade -- 14/02/2003 - 18:24 (Luis da Silva Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Leviandade


Da última vez que encontrei aquele grande amigo meu, pessoa a quem sempre pensei conhecer bem, achei-o esquisito. Olhou-me lívido, olhos evasivos fitos em nada, mesmo quando me olhavam. Sua indiferença chegou a ferir-me, eu que acostumara já com sua efusão, sua forma material de ferir-me, senti-o demais etéreo para o meu gosto.
Na verdade ele era um falador ( digo era pois não voltei a vê-lo ), e naquela oportunidade, vi-o embasbacado, petrificado, parecendo cultivar uma idéia fixa, em transe. Parecia estar noutro mundo. Observei atentamente seus modos. Sua roupa era estranha; uma túnica amarela com detalhes pretos, os pés no chão.
- Enlouqueceu! - exclamei de mim para mim.
De repente seus gestos caídos tornaram-se vigorosos, seus punhos cerraram-se, os braços elevaram-se no ar, não me acertando por eu ter-me esquivado; os olhos brilharam flamejantes. Os braços vibraram e eu pensei que ele fosse dizer algo, mas não disse. Afastei-me resolvido a sair, deixá-lo com sua figura, seu exotismo. Dei um passo e meio e uma voz estranha chamou-me:
- Zinfio...
Olhei para a frente, pros lados e não vi ninguém.
- Zinfio... - insistiu a voz rouca.
Voltei-me. Era o meu amigo. Curvara-se ao sol do meio da rua; pitava um pito que eu não vira antes e cheirava a incenso. Olhos fechados. Fez-me um gesto chamando-me e eu fui, maquinalmente. Arrodeou-me as mãos por volta da nuca, numa espécie de cafuné, estalando os dedos ruidosamente, descendo-me, ambas as mãos, pelos flancos como se me tirasse fina plumagem invisível. Senti tombar-me o queixo sobre o peito numa reverência inusitada.
- ... Suncê já sabe o que vai sucedê dia 15? - perguntou.
Levei um susto, abri os olhos e voltei o pescoço ao normal. Pensei na prestação... não era; nos títulos, nas audiências... diabos, tava tudo em dia...
- O que vai sucedê? - perguntei assustado.
- Suncê num sabe, Zinfio?
E eu não sabia, ou não me lembrava; a verdade, é que não respondi, continuando atónito, temeroso; meu Deus, que será?
- É as eleição.
- Eleição... eleição... - falei também já em transe, enquanto meu amigo dava-me uma baforada de fumo preto que fez-me voltar ao normal.
- As eleição, Zinfio... Suncê deve lembrá dos asfalto, dos grupos de escola com o desém da casinha, do corgo ...
- Mas - ponderei -, parecia já ter ouvido isso antes, noutro lugar. Sem que eu pudesse continuar, o meu amigo disse:
- Deus sabe, e Jesus Cristo, que tá mais entre a gente, sabe ainda mais...
Lembrei de tudo, entendi o sentido da túnica amarela com detalhes em preto, lembrei das eleições - como pude esquecer?! - vi a encarnação do candidato, senti o cheiro de porcos... senti o diabo. Saí de costas e esbarrei no calo de alguém que estava parado bem atrás de mim - pois tinha ajuntado gente - que gritou de dor. Assustei-me, e me voltei apavorado para debandar. Ainda pude ouvir o meu amigo dizer:
- Vorta Zinfio...
Ao que respondi cheio de raiva:
- Não voto, quero dizer, não volto...
Saí correndo. Trombei num carrinho de criança e a babá xingou-me sei lá do quê. Também não sei o que ela estava fazendo com a criança no sol àquela hora... Pensei em não falar mais com o meu amigo. Só alguns dias depois fiquei sabendo que tinha candidato mexendo com Pai-de-Santo para ganhar as eleições - pois eu próprio vira um entrar num terreiro, após ter descido de uma perua com decalques amarelos e detalhes em preto. Entendi tudo, até o transe do meu amigo. Afinal, ele não poderia mesmo ser assim tão leviano!
Indalus


Campo Grande-MS, 19.10.85 - 20:44


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