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cronicas-->Questão de consciência -- 14/02/2003 - 18:27 (Luis da Silva Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Questão de consciência



Depois de tanto tempo vi-me às voltas com o voto. Já não sabia os tràmites do título na mesa de recepção, não sabia nem o que dizer.
Logo na entrada, um sujeito feio, muito mais feio que os outros que estavam por ali, pediu-me o Título para certificar-se de que estava na minha secção e na minha Zona. E eu estava; bem ao meu lado a minha entrada. Entrando, parei evasivo. Por Deus, não sabia a quem me dirigir. Atónito, plantei-me no meio da sala, até que alguém chamou-me dizendo:
- É aqui.
Entreguei-lhe o Título; a primeira coisa que ele fez foi riscar o número e trocar por outro infinitamente mais baixo; riscar o da secção e apor outro quatro vezes menor... o terceiro gesto foi riscar o número da Zona, e, aí, sim, tive a Zona aumentada quase cinco vezes. Ali mesmo na entrada fui rebaixado e promovido. Meu documento passou, daí, para o segundo que olhou-me atentamente, fitou-me nos olhos e eu sustentei-lhe o olhar até sentir-me envergonhado e olhar para a única mulher, a que dava as cédulas.
Fui indagado se sabia votar. Diabos! Se ela não perguntasse, eu tinha certeza de que sabia, como perguntou, veio aquela dúvida.
- Será que sei? - pensei. E ela passou a ensinar-me. Aí, sim, vi quanto era pesado aquele papelinho. Senti-o resvalar-me por entre os dedos e apertei-o com força para que se firmasse. Fiz dos dedos garras de aço e segurei com volúpia o papelinho.
Olhando para um lado, ali mesmo na sala, deparei com uma cabina sobre uma carteira escolar. Ia pra lá, todavia, resvalando o olhar para a esquerda, vi outra mais privada numa saleta posterior, cheia de bugigangas e poeira. Fui pra lá. Quis privacidade, quis esconder-me pois já vira que a cabina tinha o tamanho apenas suficiente para encobrir a cabeça do eleitor se se abaixasse, o tamanho suficiente apenas para resguardar a Mão do votante. Fui pra lá... De repente ouvi uma voz dizer:
- É agora, mostre a essa gente.
Ia votar, marcar o X - pois eu sempre faço X quando tenho de riscar algum quadrinho. Ia votar, mas parei. Levantei a cabeça e não vi ninguém, e, a voz...
- Diga não a essa ente, mostre o seu valor, a responsa é sua.
A voz estava muito perto, e eu não via quem falava. Fitei os quadrinhos e a voz disse:
- Esse, esse.
E eu perguntei:
- Qual?
- Esse... esse aí...
Apontei um.
- Não... o outro.
Apontei outro, e ela:
- Não.
Levei a caneta à boca, mordi a tampa desolado a fitar os quadros. Mirei mais um e a voz disse:
- Esse... é esse aí!
E eu marquei; marquei, olhei para o lado e não vi ninguém, então percebi que a voz saía de mim mesmo. Restituí as dobras do papel e procurei a Urna. Não estava no quartinho, nem perto da cabina de fora. Pensei que era um bobo, um trouxa. Ia ter de perguntar. Felizmente os meus olhos depararam com ela, boca aberta, silenciosa, estendida olimpicamente entre duas carteiras, bem onde eu havia passado.
- Como pude não vê-la na entrada? Não me culpo. Afinal, foram tantos anos...
Fitei-lhe o buraco, quero dizer, a racha, a greta estreita e escura, por onde entraria o meu papelzinho. Coloquei-o, dando ao ato relevante solenidade. Como sempre, e como tudo o que entra por um lugar estreito não entra de uma vez, dei três toquinhos com o meu indicador até que o papelzinho sumisse na garganta profunda. Lá se iam a minha responsabilidade, a minha honra e a minha grandeza... meu desafogo, atendendo à voz que me chamara e que, só aí, vi ser a da minha consciência. Lá fora, na fila ouvi um cidadão dizer:
- No Nordeste não tem essa trabaiera toda não, oxente!
Parei e perguntei:
- E como é?
- Lá, um cabra chega, pega todos tito que tiver por perto, entra, vota e devolve tudinho... e assinado.
Ri e fui embora com a consciência tranquila do dever, digo, da obrigação cumprida.
Indalus



Campo Grande-MS, 15.11.85 - 18:19


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