Usina de Letras
Usina de Letras
15 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50671)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Papai Noel -- 14/02/2003 - 18:28 (Luis da Silva Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Papai Noel



A calçada longa apinhava-se de garotos. As meninas, sentadas nas varandas, trocavam as fraldas das suas bonecas. Umas aproximavam-se dos seus pais, que liam os jornais, perguntando-lhes se já abençoaram os seus netos... tinha até aquele bonequinho com "documento" e tudo, um autêntico recém-nascido, com jeito e feições estranhamente humanos.
No ar, as notas do gingle bell soavam translúcidas ao sol brilhante e ardente. Papéis de balas, bombons e guloseimas espalhavam-se pelas calçadas, jogados pelos petizes que brincavam por ali - não sei porque certos pais não ensinam aos seus filhos que não se joga papel na rua...
Acolá, um cão esperto enterrava um osso de pernil degustado na ceia e, mais adiante, outro cão disputava o espaço com um gato matreiro que, em posição de defesa eriçou os seus pelos como um juba de agulhas. No jardim defronte, uns garotos jogavam bolas novinhas em folha, vestidos de super-heróis, outros embebiam-se, vendo correr, eletronicamente os seus brinquedos à pilha, e outros puxavam os seus carros amarrados num cordão pela calçada como fossem donos do logradouro, senhores do pedaço, altaneiros na soberba peculiar aos mais afortunados.
À minha varanda chegou um casal de crianças, maltrapilho, tímido como uma sombra. A menina trazia na cabeça uma grande caixa de bonecas, cujo nome eu sei, mas não sei porquê, não digo. Pensei que a boneca - que devia ter um metro de altura, a julgar pelo tamanho da caixa -, estivesse lá, todavia, para o meu desagrado, vi que, sendo a caixa de boneca, continha quatro pães esturricados, uns biscoitos, quatro garrafões de vinho vazios, um saco de plástico com uma porção de sopa, horrível de todo, e outras bugigangas. Perguntei quantos anos tinham, quantos irmãos eram e o que o pai fazia. À primeira pergunta, o menino respondeu:
- Eu dez, ela nove.
- segunda:
- Cinco.
- terceira:
- Cata latas.
- O quê? - perguntei.
- Lata...
- Lata?
- É... pra vender...
- E sua mãe?
- Que qui tem?
- Trabalha?
- Não - respondeu a menina. Ela trabalhava de doméstica, mas agora tá grávida e não trabalha mais. Ia dizer mais alguma coisa, mas o irmão a interrompeu:
- Não é grávida... ela tá com enjóo. Parou, pensou um pouco e concluiu:
- ... ah, é a mesma coisa.
Perguntei à menina se queria morar lá em casa, ela disse não, enquanto olhava o trenzinho elétrico correr nos trilhos de plástico; disse-lhe que lhe compraria brinquedos, roupas; que a poria na escola; e ela disse não; insisti, ela se aborreceu e disse:
- NÃÃO!
- Seu pai não dá vocês pra gente? - perguntei ao garoto. Ele, recostado no muro, ingerindo um naco de pavê e mirando o trenzinho, respondeu:
- Nem por um milhão de dólares.
É. Foi dólares mesmo, o que ele disse.
Nisso chegou o filho do meu amigo, igualmente meu amigo, e começou a conversar:
- Tio, Papai Noel existe?
- Claro - respondi.
- Ele é bom, não é? - voltou a perguntar.
- Não sei ... não sei - foi a minha resposta.
- É bom sim, tio... quem é ele? - insistiu o menino.
Olhei em volta todos os brinquedos que as crianças ganharam na noite anterior. Fitei o trenzinho do filho do meu amigo que corria alheio ao seu dono. Mirei as bonecas. Fitei os dois garotos, os litros de vinho vazios, a sopa, tudo dentro da caixa de boneca, e respondi:
- Papai Noel é um capitalista.
- Mora na Capital?
- Não... quero dizer, não sei... só posso dizer que Papai Noel é um estúpido, um animal, um amigo da onça, um sujeito muito à-toa.
- Você conhece ele?
- Conheço.
- Mas ele não é assim - meu interlocutor falou indignado.
- É, sim - respondi - e, sobretudo, é um miserável.
- Por que, tio?
- Não vê? - falei alto. Ele só dá as coisas pra quem não precisa.
Meu amiguinho olhou-me desdenhosamente. Deu uns passos em direção ao seu brinquedo, parou e disse:
- Não dá pra conversar com cê, tio.
E foi brincar. Perguntei aos outros dois se almoçavam comigo, disseram que não; insisti, e eles disseram não. Voltei a insistir e disseram que estavam apurados. E foram embora...
Indalus


Campo Grande-MS, 28.12.85 - 13:45


>
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui