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cronicas-->Moratória -- 14/02/2003 - 18:32 (Luis da Silva Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Moratória




- ... o pão nosso de cada dia...
Era a reza; todos rezavam enfileirados; afinal, se existe fila pra tudo, por que não, para rezar? A reza sai mais alinhada... alinhada? Cruzes!
Todo o dia tinha reza como todo o dia deveria ter comida, água, banho, segurança; como deveria ter... mas não tinha; tinha reza. Também, dizem que a reza enche a barriga da alma e que precisamos mais da alma, que o corpo morre, apodrece, desaparece e que a alma voa, é leve, azul, imortal...
Do maior ao menor de um lado; da menor à maior do outro.
- ... dai-nos hoje...
E a reza continuava. Até pareciam realmente contritos, abnegados na oração como beatos convictos. Tá certo que havia alguns risos, risinhos à-toa, cochichos sem importància e até alguns petelecos bem na pontinha da orelha de alguém menos avisado; tá certo que tinha. Mas também tinha alguns realmente abnegados, quase santos... O puxador da oração, apesar de postado diante das fileiras, não percebia nada, nem mesmo estando de pé sobre um banquinho (que era para aumentar-lhe a altura), não percebia, talvez que rezasse de olhos fechados.
- SENHOR!...
Alguém destacou o "senhor" estridentemente, o que alertou o padre que abriu os olhos e os repassou sobre a petizada em fila, a mesma que alguns instantes atrás pulava como cabrito. Mas era reza, não era brincadeira.
- ... perdoai...
Ainda era reza.
- ... as nossas dívidas...
- Dívidas? - gritou Zezinho em pensamento, e parou de rezar. Ouvira o seu pai dizer que as tinha e, para ser sincero, na noite anterior, soube que se nascesse "hoje" devia novecentos, como já era nascido, talvez devesse até mais... E ficou a matutar enquanto a reza fluía.
Era sempre assim. Tinha reza todos os dias antes da entrada, e depois da brincadeira, pois muitas crianças chegavam cedo só para brincar. Depois da reza tinha preleção... sabe como é, colégio de padre...
Naquele dia a preleção foi pior, pois o padre vira e ouvira tudo o que se passou enquanto só ele, verdadeiramente, rezava. Falou, falou e a criançada ouviu atenta, ou fingindo atenção. Zezinho estava imóvel, parecia não ouvir o pároco, estava ali como não estivesse. Seu pensamento voava, voava como dizem que a alma voa. Pensava no céu e no pão da oração, e a sua língua batia no céu da boca; chegou a lembrar-se da alma e sentiu o corpo pesado como que fincado no chão.
- ... amém.
- E agora, vão para as suas salas - rosnou o padre - , e, em silêncio, e devagar...
Todos se abriram, como se um fogo ardesse de repente no meio deles. Zezinho ficou imóvel.
- Padre... - falou.
- Que é, meu filho?
- O senhor me faz um favor?
- Claro... o que é?
- É só uma pergunta...
- Pois faça.
- Que quer dizer pudido?
- Pudido, pudido... - respondeu o padre de si para si.
- Não, padre; agora me lembrei, não é pudido, é fudido ou fodido; um negócio mais ou menos assim...
O padre arregalou os olhos miúdos, engasgou e olhou para Zezinho que esperava pela resposta.
- Onde você ouviu isso, filho? - perguntou o vigário desconcertado, sabendo o que queria dizer a palavra certa, e lembrando-se que, inclusive, é melhor que seja dita da forma errada para que sua ênfase seja maior.
- Ali no posto de gasolina... mas não foi só hoje; todo o dia escuto isso e queria perguntar pro senhor faz tempo...
O padre consultou o relógio. A criançada já estava quase toda nas salas de aulas.
- Você já está atrasado, José - disse.
- O senhor não vai falar o que é fudido?
- Vou...
- Então fala, padre, fala. A professora já tá entrando na sala de aula.
- E essa agora? - pensou o padre embasbacado.
- Depressa, padre - pressionou o menino.
- É...
- É o que, padre?
- É o que estou agora para responder...
- Ah! - cortou Zezinho como se descobrisse sozinho o que queria saber - Tem alguma coisa a ver com dívidas?
O padre abriu um sorriso. Ufa!, e respondeu:
- Tem, tem... agora vá.
Zezinho riu ingenuamente, correu para a sala, e ainda disse, olhando para trás e acenando ao padre:
- Eu sabia, eu sabia...
Indalus



Campo Grande-MS, 27.01.87 - 09:47


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