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Contos-->À Sombra do Jatobá - IV - Vadico e Tobias -- 02/09/2003 - 18:43 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


À Sombra do Jatobá – IV

VADICO E TOBIAS

Tobias, como o irmão julgava, era “quadrado”. Havia marcado com um X a linha do seu horizonte e para lá se dirigia sem titubear. Firme em suas obrigações de estudante era, nesse ponto, o sossego de Delfina, para compensá-la do gênio violento, irrequieto e ao mesmo sonhador de Vadico que vivia metido em reuniões literárias, nas quais soltava a ronca, contra os “coronéis” latifundiários. Mantinha estas atividades escondidas do pai e de Delfina.

Os dois irmãos encontravam-se nos fins de semana, quando Tobias agüentava firme o inquérito de Delfina, prestando-lhe conta de tudo, inclusive de sua vida particular – não viesse Tobias se enredar com uma Ema qualquer...

Dalva preparava-lhe, com alegria, os pratos preferidos e gostava de vê-lo saboreá-los e agradecer-lhe os seus cuidados. Depois, no quarto de dormir, os rapazes davam largas à liberdade, numa conversa de “homem para homem”. Tobias contava as suas peripécias em Fortaleza, as idas na “pensão” Recanto, onde as raparigas eram apetitosas, ou descrevia as peças que havia assistido no teatro Castro Alves.

Vadico se entusiasmava e comentava:

- Aqui, neste cafundó, onde o Judas perdeu as botas, nem circo de cavalinhos... Isto me parece um Purgatório, onde a gente deve pagar as penas e nada mais.

Numa tarde, Tobias havia chegado e se preparava para aproveitar bem o fim de semana, espichadão na rede, admirando a paisagem tão calma, sentindo o cheiro do mato e a aragem gostosa que vinha do açude. Ainda saboreava as tapiocas, quentinhas, com leite de coco, que Chora havia servido e já ia caindo na modorra, quando ouviu o grito de Delfina, chamando pelo irmão;

- Vadico! – lá está ela, pensou o rapaz, brava como sempre.

O berro partiu, ecoando pelas esquinas da casa. Foi motivado quando a irmã dava uma limpeza na escrivaninha de Vadico e encontrou, em seu caderno de física, uns versos feitos por ele:

Se é sonho ou quimera,
É coisa que a espera
Me faz meditar.
Esperando que o grito,
De um povo aflito,
Num mundo maldito,
Alguém venha escutar...

- Vadico!

O rapaz acudiu assustado:

- Que foi, Delfina? O que eu fiz de errado desta vez?

Sacudindo o caderno aberto, Delfina perguntou, raivosa:

- Vadico, me diga, como você pode perder tempo com estas baboseiras?

De orelhas rubras e o rosto afogueado, o irmão arrancou-lhe o caderno da mão e respondeu-lhe, irado:

- Que diabo! Agora deu também de futricar nos meus guardados?

- E caderno de física é “guardado”, por acaso? Virou álbum de versos, é? E que bela porcaria de versos, de pé quebrado, ainda por cima...

- Não pedi a sua opinião, não escrevi para você. Para você, Delfina, ninguém escreveria versos. Para você, eu sou um palhaço, um pau mandado – “Pula, Vadico. Anda, Vadico. Se sente, Vadico.” – parece lixa, raspando a vida da gente!

Socando o caderno na gaveta, ele completou:

- Olha a tia Gemeniana, hein? Começou assim como você e acabou falando sozinha, para as paredes... Ora pipocas, você nasceu para bridão dos outros?

- Já acabou o discurso, já? Então vá passar a limpo o exercício estragado por essa joça! Se versos aumentassem as notas, você seria o primeiro da classe, mas é dos últimos!

Vadico gritou, indignado:

- Delfina, eu acho bom você me largar de mão, se não eu fujo desta casa!

- Foge, é? Foge, é? E vai viver de quê? De versos, como esses?

- É sim, de versos, como esses! Vou me juntar na luta pela liberdade! Na luta dos que querem a igualdade de direitos para todos!

Ante o olhar admirado da irmã, o rapaz desabafou:

- Delfina, a cidade está novamente sendo invadida por flagelados. Em todas as secas, em todos os anos, a coisa se repete!

Ainda abismada com os argumentos do irmão, Delfina retrucou:

- E é escrevendo versos no seu caderno de física, que você vai ajudar alguém? É estudando, Vadico, é se preparando para enfrentar a luta; para que tanta ansiedade?

- Porque o povo, que passa fome e sofre injustiças, agora, não pode esperar eu me formar. Quero lutar por ele já, com as forças que tenho!

Delfina deixou-se comover por aquele par de olhos angustiados. Ela também gostaria de sair, de bandeira em punho, protestando contra o abandono da gente sertaneja, mas tinha por obrigação conter e orientar o irmão. Adoçou a voz:

- Sem estudar, você não terá a menor oportunidade de ser escutado, não terá um diploma, para ter voz ativa entre os que governam esta terra. Vai ser mais um retirante, Vadico –suspirou desconsolada.

Para chamá-lo aos brios, continuou:

- Olha o Tobias, um ano mais velho que você e já vai entrar para a faculdade. Ele, sim, está mais perto de assumir uma posição de ajudar e lutar pelo povo.

Vadico enrugou mais a testa e tornou-se mordaz:

- Olha a beleza do Tobias! Eu sabia que você iria esfregar no meu nariz a beleza que é o Tobias! Você vive comparando a gente. O Manfredo também estudou e se formou. E o que ele faz pelos outros? Está lá, em Fortaleza, bem instalado em seu consultório de advocacia, advogando pequenas causas, um monte de encrencas particulares, que vão lhe enchendo os bolsos. Rábula é o que ele é!

Delfina o fuzilou com o olhar. Vadico pisara-lhe nos calos. A resposta veio ferina:

- Pode ser rábula, ouviu? Mas rábula formado, com todos os direitos de ser rábula e de sustentar a família! Deus queira que você chegue lá!

Tremendo de indignação, ainda gritou;

- Vá rasgar aquela porcaria de versos! Vou fazer você tirar o diploma,nem que seja aos trancos, mas vou! Depois você faça da sua vida o que bem entender, que pouco me estará importando. Droga! – e saiu batendo os saltos no chão.

Vadico, louco de raiva, gritou às suas costas:

- Carrapato! Eu acabo fugindo desta casa!

Tobias, que via muito mal parado o seu fim de semana, sentou-se na cama, acendeu um cigarro, e comentou:

- Delfina continua a mesma; não muda nunca! Agüenta firme, Vadico, daqui a pouco você estará também em Fortaleza. Não adianta nada enfezar a irmã...

Agastado também com o irmão, Vadico retrucou:

- Você é um acomodado como o Manfredo, filhinho de “coronel”! Por que este esforço todo em estudar? Por que não compra logo um diploma? O que vocês querem é vida mansa, não enxergam um palmo diante do nariz! Você sabe quantos estão morrendo de sede e de fome? Sabe quantos estão fugindo para o Sul e para o Norte? Sabe quantos deixam a mulher e os filhos e vão se matar na construção de açudes? Não, e nem querem saber, pois só pensam em vocês mesmos, nos seus futuros...

- E de que adianta você pensar nisto tudo? Deixar de estudar para fazer versos? Isso enche barriga, por acaso? Mata a sede?

- Pode não matar a fome ou a sede, mas é um protesto.

- Ora, Vadico, quer mais protesto do que centena de retirantes na estradas e nas cidades?

- Quero, sim, quero que alguém que fale por eles, que vá à luta, por eles!





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