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cronicas-->Pescaria -- 14/02/2003 - 18:44 (Luis da Silva Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pescaria




Seu Pedrim dos anzóis, assim chamado porque adorava uma pescaria, morava em Prudente de Morais, agarradinha à capital mineira, pouco mais de uma hora de ónibus. Aos domingos, podia perder a missa, mas a pescaria, nem que chovesse canivete. Nesse caso, ele sabia que não ia pegar nada, mas assim mesmo, lá ia ele de caniço e samburá, o Zezinho a tiracolo.
Não era por nada que ele saía aos domingos, não era pra fugir de nada, não. Dizia que era para arrefecer a cabeça quente que conseguia dando duro a semana inteira nos canteiros do Campo-Semente, órgão do Ministério da Agricultura, onde ele trabalhava. Com ele, além do Zezinho, ia, quase invariavelmente, a patroa, senhora distinta e paciente.
Não. Não era para a represa de Três Marias que iam, de jeito nenhum. Pra lá, era mais difícil pois carecia mais tempo; um dia só era pouco. Eles iam era para a lagoa, pouco longe da sua casa, de onde nunca voltavam sem peixes, traíras eradas, bagres esporados, aqui e acolá, uma "chulapa".
Seu Pedrim gostava quando uma traíra se acercava do seu anzol. Ele a via desde a aproximação, não tanto pela transparência da água, que só apresentava essa condição na volta do dia, quando o sol era a pino. Nas outras horas, era uma tona dágua marcada por longas sombras das árvores de redor que se esticavam sobre a superfície da lagoa como numa espreguiçadeira. À tardinha, então, nem se fala. Mas seu Pedrim via que a bichona se aproximava pela onda que criava ao chegar, nadando calmamente por entre a ramagem das águas rasas da margem.
Naquele Domingo, seu Pedrim saiu da cama cedo. Com a patroa e o Zezinho, caminhou na direção da igreja. A patroa levava na mão o terço, a fitinha do Sagrado Coração, o véu e o manual de orações. Seu Pedrim a vara de bambu tratada e o embornal. Não ia para a missa. Nesse dia, não. Como dissera em casa, enquanto dava uma chamuscada num bom pedaço de carne que serviria de isca, "a maré estava pra peixe...", o dia era quente e aberto.
Seu Pedrim gostava de usar esse tipo de isca; dizia que as traíras adoravam. Um pedaço de carne sem gordura chamuscado nas brasas da trempe, sem sal, sem nada; só carne. Um pitéu para as traíras. Despediu-se da patroa quase à porta da igreja e seguiu com o menino para a lagoa.
Não andaram mais que três quilómetros e, lá estavam na beira dágua. O mormaço prenunciava uma boa pescaria.
Seu Pedrim corta um naco da carne cheirosa, prende-o no anzol e o joga dentro da água mansa. Logo vê os primeiros vultos se aproximarem da isca. As traíras olhavam para a carne e não se animavam. Seu Pedrim não se incomodava com isso, era já, acostumado com esse jogo.
Os peixes passavam pela carne e esbarravam nela indiferentes, e, isso, só fazia aumentar a excitação de Seu Pedrim. Mas o dia passava, os peixes também passavam pelo anzol e a paciência de Seu Pedrim foi-se esgotando.
- Pai, tó com fome - diz o garoto um pouco atrás do homem
que o olha indiferente e volta a concentrar-se na água enquanto o dia continua a passar sem que nenhum peixe se anime a morder a isca.
- Pai, tó com fome - diz novamente o menino.
O homem nem se volta para Zezinho que segue brincando com os bois de sabugo que trouxera de casa. Sua barriga reclama para que ele grite para o pescador:
- Pai, tó com fome.
Seu Pedrim, prestes a perder a paciência com o filho, sente uma pegada no seu anzol. Era ela! Uma baita, um cepo de traíra, uma bitela!, que, enfim, resolvera que era a hora de comer, talvez incitada pelo menino que insistia:
- Vombora, pai; tó com fome.
Seu Pedrim, animado com o puxão, nem ouviu. Melhorou a postura e ficou pronto para fisgar, na hora exata em que a danada corresse.
Mas ela não correu, não corria. Só queria mamar na isca e fez isso e fez e fez...
- Pai, tó com fome, vombora - grita o menino uma vez mais.
- Peraí, meu filho, não vê que estou quase pegando uma, salvando o dia? Peraí, que coisa!...
E a traíra mamava. Bolhas de ar subiam rentes à linha e arrebentavam na pele da água. E a traíra mamava e mamava e não puxava, não corria, a miserável. De vez em quando, até se afastava do anzol cedendo o lugar a uma outra que vinha só para chupar a carne pelas beiradas. Felizmente o Zezinho parara de reclamar o que deu mais tranquilidade ao pescador.
Lá pelas tantas, Seu Pedrim tira o anzol da água e percebe que a carne corada que pusera no anzol não é mais que um monte de fibras brancas, talvez sem gosto. E essa agora! Justamente quando sentia que os peixes se animavam a atacar o anzol.
- Zezinho, traz a carne aqui - grita para o menino que brincava um pouco mais distante.
Zezinho olhou para o embornal dependurado num pau onde brincara originalmente e não se moveu.
- Traz aqui, menino, os peixes, agora, vão comer - diz o pai,
enquanto descarta a lambuja de carne do anzol. O menino permanece olhando o saco de isca, mas não se mexe.
- Zezinho... Cadê a carne, menino?!
- Eu comi ela, pai.
Indalus



Campo Grande-MS, 07.06.00 - 09:31


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