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cronicas-->Nómade -- 14/02/2003 - 18:54 (Luis da Silva Araujo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nómade




Amarílio vende. É vendedor. Não tem loja, não tem ponto, nem
paradeiro. Arrasta, de um lado para o outro, o seu "trenó" de bugigangas e, entre uma festa e
outra, vai entregando colares, pulseiras, braceletes, pingentes, tudo de sua lavra, a preços
menores do que preço de banana.
Amarílio vende os seus produtos aqui e ali. Em portas de hospitais,
em exposições, em adros de igrejas e pórticos de puteiros. Não importa o lugar. É o serviço
dele. Aqui, ele toma uma patada, acolá um esbarrão, vez por outra, uma carícia. E vai levando.
Não sabe o que é ter muito dinheiro porque nunca o teve. Também, das coisas que vende, não
pode esperar mesmo muita coisa.
Em 1995, fim de festa religiosa em Matozinhos-MG, Amarílio trabalhou muito.
Milhares de fregueses, no exagero do Amarílio, acorreram à sua banca espalhada numa área de um
metro quadrado locada a preço de ouro junto à prefeitura.
- Me dá aqui, moço.
- Eu tó com pressa, tenho de pegar o ónibus para Santa Luzia.
- Eu tenho a preferência, moço; sou de Curvelo, é mais longe. O ónibus tá saindo.
- Rápido, moço.
- Depressa, Amarílio.
E elel ia recebendo a féria sem conferir, enfiando tudo numa pochete, trabalhando duro, gravando nomes em pulseiras de latão, adereços de casca de coco e - pasmem - em grãos de arroz, com direito a escrita em dois lados do grão, o nome da pessoa de um lado, o da pessoa amada, do outro. Não teve tempo de comer nesse dia.
Duas e meia da manhã. O povo tinha ido embora. Os produtos de Amarílio se acabaram, seu estómago reclamava e - segundo ele -, as tripas grossas comiam as tripas finas. Não tinha importància. Agora, ele ia comer, tinha dinheiro, não sabia quanto, mas era muito.
- Amarílio chega a uma lanchonete. do lado de dentro, uma mulher junta as coisas; também para ela a festa tinha sido lucrativa.
- Um cachorro-quente, por favor.
- Não tem mais.
- Como, não tem?
- Vendi tudo...
- Dona, eu não comi hoje, não tive tempo. A senhora não tem mesm?
- Não.
- Nem pão?
- Moço, eu vendi até cachorro-quente sem linguiça, sem salsicha. Vendi pão seco.
Amarílio sai desolado em busca de outro local.
- Um cachorro-quente.
- Não tenho.
- Nem pão?
- Nada. Hoje, vendi cachorro-quente sem enchimento e hambúrguer sem carne. Vendi pão com caldo. Só tenho ervilha enlatada e umas rodelas de pimentão.
Amarílio sai, a barriga roncando.
- Ah, tem uma padaria ali na esquina - Amarílio pensa. Vai até lá.
- Padeiro, padeiro - ele grita -, jogue um real de pão pra mim.
Amarílio embola uma cédula de um real e a joga pelo vitró aberto, rente à laje do prédio. Dois segundos depois, a bolinha de um real é devolvida.
- Eu não comi hoje, seu padeiro; eu sou barraqueiro e estou com fome. Mande um real de pão pra mim. Podem ser dois pães por um real.
Mais dois segundos e o dinheiro é devolvido.
- Não posso vender pão nenhum.
- E o cheiro do pão sendo assado maltrata o estómago de Amarílio como uma droga pesada.
- Moço, eu sou barraqueiro, estava trabalhando até agora.
- Você está aqui a mando do meu patrão para me testar. Se jogar esse dinheiro de novo eu o devolvo em chamas. Taco fogo nele.
Amarílio sai, o estómago pior que quando chegou, agora, insuflado pelo cheiro de pão fresco. Chega à sua barraca para a tarefa de desamassar o dinheiro enrolado na pochete. Faz as contas, quatrocentos e cinquenta reais! Nunca tivera tanto dinheiro!
- Se eu encontrasse um marmitex, agora, a três reais, poderia comprar cento e cinquenta deles, no entanto, vou dormir com fome.
Amarílio representa ter menos do que os quarenta e dois anos que tem. Vive de déu em déu. Não tem endereço, quase não tem família. Amarílio tem uma mochila, um trenó que leva as suas bugigangas. Não goasta de Axé Music. Prefere Gil, Caetano, Gal, Bethània. Prefere Chico Buarque, João Gilberto... tem uma namorada em Goiás que não vê há sete meses. Diz que vai casar-se com ela e levá-la pela vida. Ela topa. Tem só dezessete anos e uma filha do seu primeiro casamento aos quatorze anos.
Amarílio, segundo ele próprio, é barraqueiro, rastafári; vive aqui e ali. Sua pele de ébano leva-o para paragem nova sempre que termina uma festa.



Matozinhos-MG, 09.09.2002 - 10:58
Indalus


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