Caleidoscópio
Vai a bares, mas prefere ficar calado e observar. De quando em quando sorve um gole, descruza e volta a cruzar as pernas. Posso afirmar que é tão magro e franzino quanto o poeta heteronímio Fernando Pessoa.
Olhos negros que pousam em eterno “déjà vu”, semblante plácido e quase frio que estranhamente nos remete ao poeta que mesmo incomodado com o mundo não deixava transparecer na face a agitação que o afligia.
Ambos carregam consigo o pluralismo de personalidade, concorrendo para existências intrigantes. Não é poeta, nem à prosa se dedica, mas sua vida é uma peça que dificilmente protagoniza.
Ainda criança o poeta perdeu os afagos da mãe, cresceu meio ausente de si e do mundo, pleno de vazio; o mesmo vazio que o povoa, uma ausência de cores e de respostas.
Ele se retrai, não se expõe, sendo assim faz uso de máscaras que não são heterônimos literários, mas, suas mais corriqueiras reações a tudo que o cerca.
Fernando Pessoa nomeou suas personalidades, chegou a dar-lhes vida própria, embora tenha assumido que não se haveria de buscar idéias ou sentimentos seus naqueles seres, pois muitos deles exprimiriam idéias e sentimentos que nunca teve.
Ele, no entanto, nunca afirmou, nem assumiu suas máscaras como Pessoa fez com seus heterônimos. Nada sempre em suposições. Qualquer olhar mais atento pode flagrá-lo escapando de si mesmo, escorregando dissimuladamente pelas entrelinhas.
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