Há uma ponta de inconstância no viço de minha paixão, Ana, é peçonhento esse caldo grosso e violáceo que sangra das minhas polpas, e que escorre pelo meu pescoço até manchar a gola da camisa, é inconstante a minha conduta austera, tão insubordinada às boas raízes e às boas maneiras, pois voluntariamente me extraviei, antes que me extraviassem, vivo sozinho, Ana, à margem dos conceitos, mas não como um excluído, pois não há autopenitência no meu discurso, não cedo espaço à carência ou ao inconformismo, nem trago sementes amargas em meus punhos cerrados, o que eu trago comigo é um vazio, trago um canto inóspito e oco, destituído de significados, o que lhe apresento é, na verdade, a ignorância em seu estado mais rijo, apresento-a mesmo sem carregar esperanças de que a receba, pois não há verdade, Ana, e eu tampouco seria capaz de criar a minha própria verdade, seria incapaz de incitar meu infernozinho pessoal, jamais daria ensejo a uma doutrina como a sua, vilmente recheada de filosofias e preceitos ideológicos em favor de si mesma, ou dessa humanidade tão precária, danem-se as injustiças, dane-se tudo, escolhi viver como quem calca os pés sob ventos volúveis, mas é incompreensível essa minha inconseqüência, pois esses ventos, Ana, carregam, além do mormaço tropical, pesadas quantidades de areia, e a areia é áspera e alfineta os olhos, e os olhos são frágeis, e, para não ferirem-se, é preciso fechá-los com muita determinação, saiba disso, Ana, com muita determinação ...
(inacabado)
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