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Contos-->No Buraco Negro -- 05/09/2003 - 00:24 (Berenaldo Ferreira e Séia Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CONTO

NO BURACO NEGRO


DE:BERENALDO FERREIRA e
SÉIA FERREIRA



Durante uma curta fase de sua vida, Glauco pensara em ser pediatra, contudo sabia que isto era pouco provável em ser real, pois sua mísera e sofrida vida econômica fazia com ele, aos poucos, retirasse isso de suas expectativas.
Ao concluir o segundo grau , com muita dificuldade, tinha que por vez, decidir a que rumo devesse tomar . Pouco a pouco foi excluindo daquela enorme lista que fizera anteriormente , um a um , todos aqueles cursos dispendiosos que as faculdades ofereciam. No topo da lista, ainda mantinha sua principal aspiração a tão cobiçada carreira médica, e logo abaixo, iam surgindo em ordem decrescente financeira, mais opções : Odontologia, Engenharia, Computação Científica, Direito, Publicidade e Propaganda , Física , Matemática, Química , Letras, Pedagogia, Educação Física, História e Educação Artística.
Em cada curso constava seus respectivos valores monetários, ficando sua escolha não tão diferente dos outros milhares de calouros, os quais faziam parte de um enorme contingente de pretendentes a cursar uma universidade. Pessoas essas que a almejavam por meio de muitos esforços e eram um número vasto. Contudo, comparado os menos privilegiados , tornavam-se poucos .
Assim que começou seu curso, Glauco conseguiu facilmente bancá-lo através dos próprios benefícios, que o mesmo devesse lhe trazer somente após formado . Ainda no primeiro ano, estava ele desejoso por lecionar Educação Artística, em alguma escola estadual.
Não demorou muito e logo no início do segundo bimestre fora chamado para substituir uma professora que acabara de ser designada vice-diretora, ficando assim suas aulas para ele. Apesar de serem apenas vinte aulas semanais, não teve dúvidas:iria assumir o cargo de professor já que estava atrasado nas mensalidades de sua faculdade há mais de dois meses , e o que dali ganharia, imaginava poder acertá-las e a dar prosseguimento aos seus estudos. Era o que ele mais ambicionava.
Glauco fora pego de surpresa quando pediam-lhe urgência em seu comparecimento na escola a fim de garantir sua aceitação no cargo, pois , para a unidade escolar - pensavam - seria um problema a menos. Não podiam permitir que os alunos ficassem por muitos dias com ausência de professor em sala, e não havia qualquer substituto para suprir aulas vagas. E, o pobre jovem, prontamente atendeu àquele chamado oportuno, ainda sem muito acreditar naquilo tudo.
Euforicamente iria se apresentar e lecionar pela primeira vez em uma escola pública, embora um pouco contrariado devido ao mau tempo que fazia, já despontando a noite. Seu carro não o ajudava muito, pois possuía um motor velho, com mais de quinze anos e era daqueles que, a cada dois quilômetros rodados, precisava de um mecânico. Era o chamado carro “aidético”, o Fiat 147.Contudo, desta vez ele teve sorte! Não apresentou nenhum defeito e nem por um minuto o fez aborrecer-se, exceto o cansado motor que em algumas subidas , não fosse sua agilidade no volante, reduzindo- o para a primeira marcha, fatalmente o deixaria “na mão”.
Da sua casa à escola não levava mais de quarenta minutos , mesmo com um carro já gasto, não muito confiável em sua mecânica , desde que no percurso não houvesse empecilhos . Assim, conseguiu chegar ao seu destino às dezenove horas, conforme combinado.
Tudo parecia transcorrer normalmente, até que, ao defrontar com o portão central , encontrava-se trancado, com correntes e cadeados. Além de ser muito alto, dificultando totalmente a visão do outro lado, chovia torrencialmente com muitos trovões e relâmpagos sem parar.
O horário marcado aos poucos ia sendo ultrapassado, fazendo com que seu temperamento começasse a transmudar-se. Foi aí que, repetidamente se iniciaram várias e longas tomadas estridentes de buzinas . Uma , duas três, quatro e ... nada .Descansaram por alguns poucos segundos, ele e a buzina, e era retomada em seguida aquela aflita , impaciente e já rancorosa buzinação infernal. Uma, duas três, quatro ... quando um vulto todo de preto surge com um enorme guarda-chuva, também da mesma cor. Somente fora percebido devido às ondulações do vaivém dos enormes portões, dizendo-lhe que ali não era estacionamento, e que somente comportava o carro da Direção.
Enfurecido e inconformado com tal situação, Glauco não hesitou. Esbravejou, gritou, gesticulou e esperneou diante daquela figura estática, que não se movia nem para retirar o pé de uma poça d‘água que ali se formara, ao entreabrir os portões. Com parte da cabeça fora da janela do carro, bastante molhada, tamanho foram seus berros, que fizeram com que o vulto, após visível cansaço causado por aquela situação e que até mesmo pelo mau tempo, cedesse àquela furiosa e, à primeira vista , temida figura. Além do mais, havia se identificado e já não era tão estranha.
Após estacionar seu carro naquela vaga pré- reservada, o vulto ainda alertou rispidamente:
- Eu te avisei. Esta é a única vaga da escola. O estacionamento dos fundos está lotado e aqui é onde a diretora guarda seu carro. Logo ela chegará e irá reclamar com o senhor. Eu fiz a minha parte.
Antes de o homem sumir de vista, ainda deu tempo para Glauco gritar, em forçado tom agressivo:
- Olha meu amigo, não deixarei meu carro na rua quando posso guardá-lo aqui . Assim que ela chegar, avise-me, pois serei o primeiro a comunicar-lhe o ocorrido e a explicar-lhe os meus motivos. Dizendo isso, pegou o seu espalhafatoso guarda-chuva rosa, e desceu tentando alcançar o negro vulto. Apesar de não ter qualquer experiência na área de Educação, ele sabia através de informações obtidas de alguns amigos, que os diretores de escola mal permaneciam nelas, e quem as dirigiam em seus lugares, assumindo total responsabilidade, quando de fato existia, eram seus vices. Portanto, talvez devido a mais este fato, decidira transgredir as ordens a ele dirigidas, além evidentemente, dos transtornos causados pela demora de atendimento embaixo das trombas d’água que caiam em cima de seu carro, fazendo com que no mesmo, aos poucos, ficassem molhados o assoalho e bancos, devido à existência de ferrugens nas latarias do teto, das portas e pequenos buracos salientes no porta-malas.
A existência de ferrugens em seu carro era tanta que Glauco jamais dava uma carona sem antes perguntar, ironicamente, se a pessoa havia tomado vacina anti-tétano.
Com surpresa, espanto e indignação foi recebido na secretaria pelo vice-diretor e funcionários, pois não era aquele professor que imaginavam, ou nem imaginavam receber. Nestes lugares, por vezes, atendem ao professor de forma indiferente, tratando-o não como profissional, mas de forma jocosa, pejorativa e até incredulamente, não respeitando nem ao menos a hierarquia escolar, que vai desde o escriturário até a secretária.
Glauco teria um outro problema a enfrentar: o mísero, o mesquinho e o inexplicável preconceito no que se refere ao comportamento humano. Achavam-no indesejável no convívio social, educacional, tratando-no com pueris desdenhos. Especulavam entre si uma maneira de isolá-lo. Todos dali assim faziam, até mesmo o corpo discente, parecendo ter sido orientado para assim agir .
Ele precisava daquele emprego e ninguém se importava ou simplesmente não queriam saber. Nem mesmo o universo feminino, professoras e funcionários daquele lugar chamado, depreciativamente, por ele de “O Crime da Mala”, o receberam dignamente. Parecia estar num mundo onde as pessoas existiam somente voltadas para suas próprias existências. Glauco abalava-se emocionalmente só em pensar que teria de ir para aquele lugar onde tentava ministrar aulas, pois todos ali rebelavam-se contra ele . Quando terminava o período de aulas, era uma enorme satisfação! Aliviado, dizia para qualquer um que estivesse próximo de si que naquele momento sim, é que ele era feliz, pois iria repousar tranqüila e confortavelmente em sua masmorra erótica.
De “O Crime da Mala”, passou a ser chamada aquela escola por ele de “O Limbo” e, mais tarde, simplesmente de “Buraco Negro”, pois , quando estava em sala de aula explicando ou tentando explicar a escala musical de um determinado compositor, seus movimentos corporais eram demais denunciadores. Acompanhavam -no involuntariamente , e logo o mundo parecia lhe cair sobre a cabeça. Era horrível ter de enfrentar aquelas turmas em média de quarenta e nove alunos por sala de aula.
Dirigiam-lhe diretamente cínicas e ofensivas piadas que ninguém jamais gostaria de ouvir. Pelos corredores, até chegar à sala dos professores, aqueles que supostamente deveriam ser seus colegas de trabalho e oferecer-lhe alguma solidariedade e respeito, faziam totalmente o oposto. Ofereciam-lhe indiscretas e por vezes até diretas alfinetadas, fazendo com que fosse atingido na profunda essência do seu somente e simples ser. Vivia num mundo onde todos viviam e deveriam se respeitar mutuamente.
Ainda assim, não se sabia de onde tamanha força era originária ao ponto de uma simples pessoa suportar tão grande afronta. Tudo o que simplesmente dizia a todos era que gostando ou. não, teriam de conviver com ele daquele jeito, pelo menos até o final do ano letivo.
Não iria mudar seu comportamento mesmo porque não conseguiria, e além do mais, ainda que isso fosse possível não o faria, somente para satisfazer aqueles descarados, arrogantes e petulantes pseudo-colegas.
Logo nas primeiras aulas, após ainda supostamente tolerar todas aquelas impertinentes especulações referentes ao seu comportamento, não tão próprio do ser natural e normal. Drasticamente resolveu tomar, por si mesmo, uma iniciativa, já que não poderia desistir das aulas que lhe foram atribuídas, mesmo porque, assim como todos eles também tinha seus motivos pessoais em mantê-las, pelo menos até o final do ano letivo. Dessa forma, foi ao hospital dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo em busca de uma licença-saúde.
O médico, ao deparar-se com o caso, constatou que o professor precisava de cuidados psíquicos, recomendando-lhe descanso por várias semanas e encaminhando-o ao psiquiatra. Assim, suas sucessivas idas ao médico garantiram-lhe seus vencimentos até o final do ano, bem como o auxiliou no trato com as pessoas chamadas “normais’, fazendo prevalecer sua preferência sexual assumida. Curiosamente, para espanto geral, os mesmos alunos que há quase um ano tentaram linchá-lo em um ponto de ônibus, tarde da noite, próximo à escola, hoje, o convidam para ser orador na Colação de Grau, provando assim, o quanto um professor torna-se não só importante, como também querido por todas as turmas, passando a respeitar suas diferenças.
06-12/01/00


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