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Contos-->I.S.C.S. - Igreja do Senhor Cristo, o Salvador -- 05/09/2003 - 00:30 (Berenaldo Ferreira e Séia Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Conto


I.S.C.S


Igreja dos Seguidores de Cristo, o Salvador

de: Berenaldo Ferreira


Todos aqueles meus quatro colegas, desde os primórdios de infância, passando pela adolescência até finalmente a fase adulta, casaram-se e mantiveram uma vida, apesar de comum e humilde, estabilizada e digna de respeito até os dias atuais, após trinta anos.
Nossas vidas sempre andavam às voltas do perigo, principalmente durante a adolescência. As drogas mais pesadas como o LSD, a cocaína e a heroína sempre estiveram presentes entre nós. Quando a polícia nos parava quase sempre éramos levados como suspeitos de qualquer coisa, mas no dia seguinte éramos liberados, pois tomávamos a cautela necessária em não portar qualquer droga. Esse tipo de ocorrência era bastante comum não somente entre nós mas entre várias outras “tribos”.
De tudo fizemos naquele período da vida, inclusive sonhar em sermos ídolos do rock’n roll, assim como Robert Plant, David Covardale, Bob Dylan e vários outros renomados cantores e compositores do rico cenário musical. Um dia, todavia, o sonho teria que se apagar, e cruelmente se desfazer por completo. Cada um agora seguiria seu próprio destino conforme ele ordenasse, ou mesmo da melhor ou pior forma conforme como o procurássemos, e contando muito, com o elemento sorte.
Casei-me e tive dois filhos, porém essa união foi desastrosa devido a perturbações internas, pessoais, associadas àqueles horríveis vícios que ainda os mantinha. Após muitas discussões, enfim, acabei por deixar a mulher juntamente com as crianças ainda muito pequenas, e retornei à casa de meus pais. Minha vida só não parecia ter menos significado porque, na verdade, ela em nenhum momento teve alguma razão sólida e literal de qualquer tipo de bem-estar. Vivia em completa penúria, sem emprego e sem profissão. Meus estudos foram interrompidos na 5º série pelo fato de não gostar de estudar. Meus pais, pobres pais, esforçaram-se o que puderam para despertar em mim, algum senso de responsabilidade, porém foi tudo em vão.
Agora, embora já um homem maduro, ainda estava entrelaçado ao vício. Fui pego pela polícia por estar possuindo mais de trezentos gramas de maconha. Traficante eu não era mas aquele pequeno pacote, segundo a lei, dizia o contrário. O julgamento iria acontecer ainda daqui a dois anos, porém devido ao meu bom comportamento, sem antecedentes criminais, fiquei preso somente por seis meses.
Estando prestes a completar quinze meses em liberdade condicional, lá estava eu sendo levado ao tribunal, julgado às voltas de um juiz, um promotor público, um escrivão, três policiais e mais um grupo de onze cidadãos comuns. Surpreendentemente fui absolvido por oito votos contra três.
Nunca permaneci em trabalho algum por mais de um ano registrado, pois eu sempre estava envolvido em um problema. Ora chegava atrasado ao serviço ora discutia com meus superiores. Passei então, a ter uma vida mais ociosa ainda, principalmente agora depois desse desagradável incidente criminal.
Quando não ficava em bares juntamente com outros errantes, ia à “Igreja da Divina Graça”, devido aos insistentes convites feitos por um vizinho, que parecia estar piedoso em ver o estado de vida em que eu me encontrava.
Às vezes, eu pintava a casa de um e de outro; arrumava a instalação elétrica da casa de alguém, o encanamento, enfim, fazia de tudo um pouco graças a minha curiosidade desde menino. Quando não aparecia nenhum serviço semelhante, do tipo informal, eu ficava a vadiar por vários meses, pois o intervalo de tempo de um trabalho para outro intercalava-se, costumeiramente de até seis ou oito meses, ficando assim, completamente amargurado, sentindo-me inútil, rejeitado, humilhado!
Passei a freqüentar a igreja com mais assiduidade. Lá, ia observando e começava a formar opinião refletindo em cima daquilo que meus olhos viam. Era um sacerdote superior rezando e pedindo cura e salvação para aquela gente sofrida e bastante humilde, como eu. Os pastores eram muitos e passavam por entre nós, cada um com uma espécie de saco nas mãos, pedindo-nos dinheiro. A eloqüência e persuasão do orador eram tamanhas que dificilmente se via alguém deixar de oferecer alguma ajuda, pois segundo aquele dinâmico discursador, todos deveriam ajudar a Igreja a fim de que ela não fechasse suas portas por falta de fundos, bem como a rede de televisão e a emissora de rádio que igualmente pregavam tal evangelho.
Ficava admirado em ver que aleijados, cancerosos, cardíacos e até aidéticos testemunhavam suas repentinas curas logo após as orações feitas pelos membros evangélicos daquela doutrina. As sessões variavam ao longo do dia inteiro, de segunda a segunda. Os cultos iam das oito da manhã às dez da noite, e de sexta a domingo eles pareciam não se cansar pois varavam a madrugada, chegando até uma ou duas horas da manhã.
Outro vizinho convidou-me a participar de suas reuniões bíblicas. Parecia concorrência de igrejas, pois a dele se chamava “Assembléia do Supremo Deus”. Não tinha por que recusar e lá estava eu. Notei que o que mais diferenciava da primeira, era somente aquela reza em língua incompreensível, não existente aqui em nosso planeta, em nenhum país do Globo Terrestre. Não sabia se eles se compreendiam ou se simplesmente entoavam aquilo porque conotava certo ritual influenciador. Contudo, sabia que ali girava também muito capital. Todos contribuíam com dinheiro cegamente, sem se importar se fizesse falta ou não mais tarde em seus lares.
A impressão que eu ia adquirindo era que eles ficavam demais empolgados e cada vez mais contagiados, influenciados pelos convincentes oradores, pregadores e por que não, vendedores de palavras?!
Passei daí a observá-los com maiores detalhes. Procurei uma outra igreja, “Amplo Universo de Deus”, pois não poderia deixar de conhecê-la, já que alguns parentes a freqüentavam e a defendiam vigorosamente, apesar de já terem ofertados tudo aquilo que suadamente conseguiram obter duramente muitos anos de trabalho árduo, e ainda assim não perdiam as esperanças de conseguir em dobro tudo de volta, conforme era prometido pelos bispos e pastores. Lá, as pessoas prestavam diferentes e inimagináveis testemunhos de cura. Uma senhora, segurando um bastão, já muito idosa, dizia à frente de todos que entrara ali, naquele momento, praticamente cega e não enxergando quase nada, exceto por um olho que, com dificuldade, podia ver alguma coisa. Após feitas aquelas orações, ela já podia enxergar tudo, até mesmo melhor do que quando era mais nova. Um rapaz de aproximadamente dezoito anos dizia ter hemorróida e já fazia três anos que ela o incomodava muito, até aquele momento. Contudo, após às súplicas que fizera juntamente com o bispo, naquele culto, dizia constatar não ter mais o problema. Um senhor por volta dos cinqüenta e cinco anos, dizia que seu sonho era ser empresário, pois sempre fora empregado dos outros e já estava cansado daquela vida. Dizia a todos que após fazer, não mais de três correntes, durante três meses, conseguira montar sua própria loja de automóveis. Já conseguira obter, em pouco tempo, aquilo que seria apenas o começo - dizia ele euforicamente – Possuía vinte funcionários e já estava prestes a montar mais duas filiais.
Calado, como bom ouvinte, prestava atenção em todas as palavras daqueles efusivos seguidores, cada um dizia ter entrado ali com um problema diferente um do outro, e já recebiam imediatamente a resposta. Eu, ainda crédulo, assim que encerrou a cerimônia e maravilhado diante daqueles relatos que tornavam qualquer um atraído, em meio à aglomerada saída, fui ao encontro daquele senhor do último testemunho. Gritei-lhe para que me percebesse, mas ele alargava os passos, abrindo passagem como que querendo correr dali. No entanto, consegui abordá-lo no estacionamento e rapidamente, sem rodeios, pedi-lhe ingenuamente um emprego em uma de suas lojas, queria trabalhar até mesmo de faxineiro. Ele, por seu lado, murmurou qualquer coisa e apressadamente saiu em seu luxuoso automóvel. Tudo o que entendi, foi ele dizer meio nervosamente, que entraria em contato comigo. Assim, não perdi a esperança e continuei a freqüentar a igreja por mais um mês, contudo nunca mais vi aquele homem que dissera estar realizado na vida.
Aos poucos fui percebendo como surgiam cada vez mais novas igrejas da noite para o dia. A cada quilômetro, sem exageros, era visto uma nova, de diversos, criativos e apelativos nomes em suas fachadas, como: “Retangular...”; “Reviver”; “Casa da Oração”; “Deus é a glória”... A partir de então, não tive dúvidas! Comecei a estudar, a memorizar alguns capítulos e versículos da Bíblia. Tão logo decorei uns vinte diferenciados assuntos bíblicos, passei a pregá-los com a Bíblia em uma das mãos e um recipiente no chão, à espera de doações em dinheiro, em pracinhas públicas. Seis meses foram suficientes para eu juntar as arrecadações e conseguir ampliar aquele meu negócio que prometia ser rendoso. Comecei abrindo um pequeno salão que à medida que se passava, o número de fiéis, sem saber como, aumentava mais e mais. Talvez tivesse sido pelo fato de o letreiro colorido e grande, estampado à frente, os atraísse tanto. Na fachada dizia em letras enormes, garrafais e iluminadas: I.S.C.S – Igreja dos Seguidores de Cristo, o Senhor.
Chegou um determinado momento, não mais que dois anos, percebi então que precisava ser ampliada suas dependências. O primeiro passo foi comprar um terreno grande e começar a construção. Pouco a pouco ia tomando o formato de um grande templo religioso. Sem demorar muito e ainda em acabamento, mudei assim mesmo para lá, seguindo o exemplo visto por mim ainda pequeno, quando acompanhava minha avó às missas em uma igreja, em construção e que continua recebendo doações para o término das obras até os dias atuais...
Tamanho e assustador era o número de pessoas dos “Seguidores de Cristo!" A cada dia que passava o número subia considerável e assustadoramente!
Em menos de cinco anos naquele empreendimento, e já possuía, pelo menos, um templo em cada Estado do País. Era muita gente sofrida querendo a salvação celestial e terrestre. Celestial após suas mortes. Terrestres, enquanto viviam na terra. Desejavam ter uma vida melhor, mais confortável ! Não queriam viver daquela forma, em completa penúria, em completo sofrimento. Ali onde estavam, no Templo, eles se consolavam e esperavam a mudança, a conversão divina, a glória de Deus... e eu, juntamente com meus pastores, os intrujávamos impiedosamente.
Agora, eu sou aclamado por muitos e chamado para dar entrevistas em rádios, televisões, jornais e revistas. Até mesmo onde as acirradas críticas surgem lá estou eu em ibope absoluto. Campeão de Audiência, de leitores e acima de tudo, idolatrado pelos “cordeiros de Deus”.
Eu, que durante muitos anos fui um drogado, e em conseqüência, presidiário, agora tudo o que faço é esquecer esse negro e cruel passado. Agora sou um grande e bem sucedido empresário; um homem de muitas igrejas, de grandes negócios!

07/09/2000
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