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Contos-->Lembranças de Um Passado -- 05/09/2003 - 00:36 (Berenaldo Ferreira e Séia Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

CONTO

LEMBRANÇAS DE UM PASSADO



De: Berenaldo Ferreira


I


Estamos sentados em um dos bancos daquela pracinha de outrora já termos brincado por muitas e muitas vezes.
O Mateus não perdera aquele seu velho costume de ser o exemplar, atento - observador e ouvinte, sem no entanto, dizer muita coisa. Preferindo ouvir mais, cada vez mais e somente após ouvir muito é que se atreve, resumidamente falar qualquer coisa, reforçando dessa forma, aquilo que a vida toda dissera: "É ouvindo que a gente se aprende. E então? Acabou? Fala mais!"
Carregara consigo essas frases por toda a sua vida, parecendo até que a carregaria ainda por muito mais tempo. O pior é que a impressão de que tínhamos é que realmente ele fosse aprender qualquer coisa ali, conosco, pois nossos raros encontros de agora, só serviam mesmo para reavivar nossos laços infantis e juvenis, a fim de que não ficassem mortos no esquecimento. Ainda assim, reuníamo-nos ali, de forma descompromissada, sem estabelecer um horário prévio. Era tudo momentâneo e, geralmente aos sábados ou aos domingos, sempre à tardinha, já com o sol se pondo. Parecia até que nosso compromisso maior era mais em flagrar aquele acontecimento natural.
O Gil era demais esmerado e demostrava estar muito convicto daquilo que falava. Às vezes até persuasivo, pois tinha uma eloqüência apreciável, invejável e por que não Barbosiana?
Havia momentos em que eu gostaria de ser como ele, embora meu âmago me traísse e dissesse o contrário. Dentro de mim repulsava tal idéia, pois sabia que o meu ser é único, singular e próprio somente de mim mesmo, teria que ser somente eu.


I I

Lembrávamos de quando estávamos em verdadeiro combate de guerra. Lutávamos destemidos e bravamente contra aquele inimigo bairro vizinho, sem contudo, termos qualquer causa justa, embora sabedor de que a obtenção de justiça não se adquire com a realização de violência. Assim, lutávamos por lutar simplesmente. Talvez por não termos e, nem eles, o que fazer. Brigávamos e não nos dávamos conta do perigo de tamanha violência. Eram brigas de pedradas e, raras vezes, corpo a corpo. Eles do outro lado, em seus territórios e nós no nosso. Eram pedradas que passavam raspando em nossas cabeças. Ali estava eu, agachado em um amontoado de pedras de vários tamanhos ao redor, às quais serviam de armas bélicas, em uma enorme trincheira.
Subitamente, uma enorme pedra passou violentamente por um de meus ouvidos. Não fosse o grito de alerta do Gil, que estava um pouco adiante de mim e, ela acertaria com precisão e em cheio meu rosto. Ele nos contava esse episódio de tal forma que nos fazia ficar imóveis e interessados, apesar de já termos passado por ele há vinte e cinco anos.
O Clóvis aproveitou de sua vez para nos relembrar daquela insólita visita noturna que fizemos à escola. Lá havia uma pequena variedade de brinquedos infantis mas que serviam para nos divertir. Brincávamos como nunca. Era muito bom quebrar leis e nos expor a perigos que jamais imaginássemos que pudessem ocorrer. Pois, embora tivéssemos a certeza de que aquilo que fazíamos fossem de encontro contrário às normas, queríamos simplesmente uma pequena, pura e ingênua diversão infantil. Contudo, a sociedade não permitia esse tipo de atitude e, assegurava o cumprimento de suas rígidas leis com a força e, se possível, a pura violência.
Eram já por volta das vinte e uma horas de uma quarta-feira, brincávamos inocentemente, quando repentinamente percebemos a chegada, embora silenciosa, de um fusca preto e branco. Foi quando notamos que se tratava da polícia. Cada um de nós correu em disparada para vários lados diferentes um do outro. Como o muro era alto e mal dava para enxergar muito bem do outro lado, pelos estreitos espaços dos quais era formado, consegui subi-lo com um certo esforço, chegando em seu topo - Contava o Clóvis - e, para minha surpresa, lá estava um homem gordo, fardado de guarda, de pé, prontamente para me pegar. Mas, para sua surpresa, o meu susto fora tão grande que não esperei ele se aproximar muito e, saltei assustadoramente. Eu corria enquanto ele também ia atrás de mim e gritando : “Alto! É a polícia! Eu vou atirar. Pára aí!”- Não, eu não parava. Meu medo era muito grande e, só o que pude fazer foi dar uma pequena olhada para trás, a fim de confirmar se ele estava ou não com a arma na mão. E, mesmo confirmado isso, ainda assim eu corria, corria e corria. O engraçado é que ao olhar para trás, eu pude ainda perceber que, com a outra mão ele tentava segurar sua cinta que pendia para um lado, deixando afrouxada suas calças, quase caindo e, de tão gordo que era o homem ele ia ficando cada vez mais distante, dando a impressão de ser um anãozinho gordo e desajeitado. E cada vez mais, iam ecoando seus distantes gritos : “ Eu te pego! Pára aí! Vou atirar! Você vai vê. Pega! Pega! Pe...ga...


I I I


Quase todos sábados e domingos nos encontramos naquela praça. Sempre à tardinha quando o sol se põe no horizonte. Estamos sempre juntos recordando com nostalgia aqueles bons tempos idos.
O Mateus sempre mudo e com frases curtas, o tempo todo, a sua vida toda. Somente agora, após tantos anos, ele tenta se soltar e falar mais, mais e mais.
Embora há muito tempo casado, só conseguira ter um filho. Ele pensa que agora é a sua vez de falar e ensinar. No entanto, sua respiração agora é mais fraca, debilitada e seus pulmões estão mais enfraquecidos, talvez devido ao abuso provocado pelo vício do cigarro forte que tanto o acompanhara. Ele agora, de fato, quer falar mas sua forte tosse o impede. Tosse muito e, quando anda, parece estar carregando um fardo de dez quilos nas costas, além de apoiar em um lado do seu quadril, uma de suas mãos, parecendo sentir muita dor naquela região.
O Gil, embora ainda muito falante, já não convence mais ninguém ao seu redor. Seus discursos anteriormente admirados e até instrutivos, agora são neles mesmos, vazios, ridículos, desconexos e decrépitos.


I V


O Clóvis acabara de sofrer seu terceiro e fulminante ataque- cardíaco. Em seu velório tinha muitos parentes, dos quais alguns não os conhecia e, evidentemente, eu também estava lá após vencer algumas barreiras, como: convencer o porteiro- guarda de que eu sou amigo do falecido, ainda que totalmente alcoolizado; fazer com que abrissem passagem, ainda que esbarrando em todos pela frente, a fim de vê-lo pela última vez e, finalmente, convencer, após várias insistências, alguns de seus pressupostos parentes, a me conceder um pequeno discurso.
Em frente ao defunto, eu tentava me equilibrar num lento compasso de vaivém, oscilando de um lado para outro, tentando fazer com que ele me ouvisse pela última vez e, entre um soluço e outro eu não saia do... Clóvis... Clóvis... Clóvis... Clóvis... - Tudo o que eu conseguia falar eram somente aqueles soluçantes nomes repetitivos, quando repentina e bruscamente, alguém me puxava por um de meus braços e dizia que já bastava e já estava bom. Assim, com o movimento forte e violento, meus dois conjuntos de dentes artificiais, superior e inferior, foram cair em cima da barriga do morto, formando uma imprevista e autêntica boca aberta, em forma de sorriso irônico. Num sobressalto eu as olhava e fazia meu derradeiro adeus: “Clóvis, meu amigo. Derramo minhas lágrimas por ti, mas tu levarás contigo, meu último sorriso”. Aquilo provocara grande hilaridade por parte dos presentes naquele fúnebre recinto.


e-mail: bseiaferreira@ibest.com.br


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