Arapuca de jacu
JB GUIMARÃES
Na medida do possível... (modestamente, dedico este texto ao escritor Clarimundo Campos) na medida do possível, procuro seguir os conselhos de meu pai. Um deles, por exemplo, é que devemos aproveitar o máximo a companhia dos filhos, enquanto novos. Por isso sempre que vou ao banco, ao supermercado, Ã padaria estou com um deles.
Indo ao supermercado, pela Nicomedes, eu e carro numa simbiose quase perfeita, construída em vinte anos, nas ruas, ruelas e avenidas desta cidade, que permite decodificar cada reta, cada curva, cada buraco, cada sinal, fomos colhidos por um intruso radar. Inesperadamente a parte humana meteu o pé no freio. Imediatamente a máquina respondeu. O acompanhante, meu filho, assustado, perguntou: "O que é isto?" Indignado disse: "Isso é uma arapuca de jacu." Tive que explicar.
Explicar primeiro o que era jacu e depois o que era arapuca.
- Jacu, meu filho, é uma ave com penas de coloração preta e que parece com galinha. Vive nas matas primitivas do Brasil... A sua carne é muito apreciada pelos caçadores que moram nos grotões. Hoje, ela está em extinção por causa da caça e da falta de habitat.
Depois de alguns segundos de reflexão, meu filho disse:
- Eu pensava que jacu fosse uma pessoa idiota.
- Não! Apelidam os caipiras de jacu e também os idiotas. Mas acho que indevidamente, porque jacu é uma ave muito garbosa e arisca. Agora arapuca, filhote, é uma armadilha para apanhar pássaros, inclusive o jacu. Há vários modelos, mas a mais comum é a trançada com pauzinhos em forma piramidal. O tio Jaime era mestre em fazer arapuca para pegar jacu.
- Que maldade!
- Maldade mesmo, filho. Ele descobria as capoeiras que tinham jacus. De lá mesmo, retirava as varas para fazer arapucas. Era um disfarce perfeito, a mesma cor, o mesmo cheiro, a mesma madeira. Quando armava a sua arapuca não perdi um jacu.
- Acho que entendi. Quer dizer que se ele quisesse fazer uma arapuca bonitinha; pintar os pauzinho assim: um de preto, o outro de amarelo e assim por diante, ele espantaria os jacus.
- Lógico! Apanharia com muito "custo", quem sabe, os menos avisados.
- Maldoso, o tio Jaime, hei papai...!
- Tio Jaime era louco por carne de jacu, igual empresário sem escrúpulo é por dinheiro. Sabe o que ele fazia quando os jacus ficavam mais ariscos? Ele armava duas arapucas. Uma distante da outra apenas uns cem, duzentos metros. Só que a segunda ele a disfarçava mais ainda. Colocava-a no meio dos arbustos e ficava de mutuca (diz-se de indivíduo covarde). O jacu não caía na primeira, mas caía na segunda.
- Igual você ia cair naquele radar, papai?
- Exatamente, meu filho, eeexaaatamente! Pura maldade. E, exatamente, por causa dessas malvadezas, a sociedade sempre opta por delegar ao estado, a competência para prestar-lhe determinados serviços. São os chamados serviços públicos.
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