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Contos-->À Sombra do Jatobá - VII - O casamento de Delfina -- 07/09/2003 - 23:51 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – VII – O casamento de Delfina

Numa visita de médicos à Ribeira do Curú, ele chegou de Recife. Chamava-se Roberto D’Avila Medeiros, tinha a idade de Delfina, mas aparentava um pouco mais. Alto, feições másculas, olhos castanhos e inteligentes, um sorriso aberto a iluminar-lhe o rosto. Chegou na cidade, foi para a Fazenda Esperança, viu Delfina, gostou e... levou!

A Convenção foi uma iniciativa do Dr, Januário, interessado que andava em promover a ajuda e troca de conhecimentos entre os colegas de trabalho que, como ele, lutavam com a falta de recursos governamentais para promover pesquisas e técnicas apropriadas ao Nordeste. Januário jamais se perdoou por este incentivo.

Dr Roberto, pernambucano, havia terminado os estudos no Rio de Janeiro e, incansável sanitarista, procurava resolver os problemas de saúde de sua região.

Padre Jesuíno, Delfina e Dr Januário dedicaram-se, com entusiasmo, aos preparativos para receber os convencionais. Além da programação da própria Convenção, ainda enfrentaram a dificuldade em alojar uma turma tão numerosa. Recorreram às casa de família, aos amigos, aos parentes. A Fazenda Esperança abrigou seis jovens médicos e, entre eles, o mais velho da turma, o Dr. Roberto.

Existem momentos na vida, às vezes questão de segundos, que abrem o horizonte, mostram o futuro e modificam totalmente o indivíduo. São olhares que se cruzam, que se chocam entre fagulhas e estalos!

Na Fazenda Esperança, todos puderam “ouvir” os olhares entre Roberto e Delfina. Foi coisa instantânea, “estalaram” no ar, iluminaram o ambiente, enquanto os dois se analisavam, embevecidos. Todos perceberam o encantamento do médico e o rubor na face de Delfina. Todos perceberam, ao correr dos dias, a sua submissão total, a sua feminilidade brotar, em gestos, em sorrisos, em palavras, em delicadezas e coquetismo. O seu esmero em se vestir, em realçar os seus encantos. Todos descobriram, pasmados, o quanto de beleza e suavidade ela havia armazenado durante aqueles anos todos. Bastou o amor espicaçá-la pra que renascesse.

Otávio tomou-se de ternura pela filha, ao vê-la arrefecer os rompantes, ao vê-la sorrir com meiguice, ao perceber um novo brilho em seus olhos. Viu-a fêmea, pronta a se entregar, a se completar e exultou! Até que enfim aparecera alguém para descobrir aqueles tesouros amordaçados, escondidos sob a casca de autoridade e frieza.

Todos concorreram para que os dois tivessem os seus momentos de calma e se conhecessem melhor. Pouco importava à família se a Convenção estava conseguindo as suas finalidades; para os Costa Lagedo, ela havia promovido o melhor.

Foi em vão que Dr Januário tentasse insinuar-se entre os dois apaixonados; enciumado, desesperado, chegou a convidar Roberto para se hospedar em sua casa, na Praça da Matriz, para estar mais perto dos convencionais – convite que Roberto prontamente recusou... O pobre médico chegou a apelar para o padre que, também enciumado das atenções da amiga ao estranho, fez notar a este a importância de Delfina na sua paróquia, no atendimento aos necessitados. Roberto concordou e elogiou o seu caráter, mas, mentalmente, colocou-se entre os necessitados da sua presença e cuidados.

Quando Roberto partiu, deixou uma Delfina remoçada, cheia de sonhos e de planos. Deixou uma fazenda alvoroçada, como que tangida por bons ventos, deixou Otávio e Dalva embevecidos na programação do casamento que se realizaria dai a três meses.

Deixou Filó e Elvira sonhando sonhos iguais, mas, deixou também um Januário mortificado, maldizendo-se, remoendo ciúmes e revoltas. Ele desabafava com o amigo padre.

- Isto não é justo. O Destino não foi justo comigo! Quantas vezes eu a pedi em casamento, quantas vezes eu me humilhei e retornei para lamber-lhe as mãos, depois de um tranco? Quantos anos estou preso aqui, neste inferno de trabalheiras e lutas, somente para ficar ao lado dela? E agora... Ele chega assim... E a conquista sem piscar os olhos? É justo?

Padre Jesuíno, desanimado, arrematou:

- É, o destino fez caminho às nossas custas – depois, ponderou: Eu me alegro por Delfina. Nunca a vi tão feliz!

Januário suspirou:

- E tão linda!

Os dois amigos sentiam um vazio enorme em suas vidas.

Numa sexta-feira ensolarada, como sabem ser os dias nordestinos, a pequena Ribeira do Curú amanheceu em festa. Havia no ar um quê domingueiro, de sinos tocando, de gente alvoroçada para apreciar o casamento de Delfina e daquele bonito rapaz de fora.

Manfredo, Ema e seus dois filhos vieram de Fortaleza, juntamente com Tobias.

Depois de dois anos de ausência, Vadico havia chegado do Rio de Janeiro. Tanto ele como Tobias vieram ansiosos para conhecer que havia “desencalhado”, tirado a irmã do caritó.

Aos dezenove anos, Vadico, desesperado, já saia às ruas e praças, a fomentar o povo a uma reação. Tanta submissão o irritava e, quando o fanatismo era demonstrado nas rezas, nos exorcismos e sacrifícios, para espantar o “mal”, ele ficava possesso. Ao ver os miseráveis sertanejos deixarem seus casebres para se alistarem nas frentes de trabalho, Vadico percebia o descalabro da medida. Esbravejava contra os latifundiários, contra os “coronéis” e contra os políticos, que se enriqueciam e se locupletavam com as verbas direcionadas para a região.

Olavo e Tobias não conseguiam contê-lo e muito menos fugir às críticas dos “coronéis”, fazendeiros seus amigos quanto ás atitudes atrevidas do rapaz e do tumulto que a “ovelha negra” da família promovia na cidade.

Temendo por uma represália violenta, e mesmo pela vida do irmão, Delfina o havia convencido a partir para o Rio. Vadico havia se dado bem com a mudança. Passou a escrever para o Diário de Vanguarda e a participar ativamente do meio literário da Capital da República.

Agora ele também estava ali, para prestigiar a irmã, com profundo reconhecimento e carinho. Um tanto magro, mas seus olhos possuíam, ainda, aquele brilho de sempre. Seus gestos vivos, sua voz forte, faziam notada a sua presença e as notícias que trazia do Rio despertavam a curiosidade de todos.

Padre Jesuíno preparou uma cerimônia requintada para a sua amiga. Todo aparamentado, nervoso, tentava disfarçar a emoção, esforçando-se para reconhecer os seus paroquianos, em suas roupas de festa, que se exibiam em bom ou mal gosto. Havia colarinhos engomados, sapatos reluzentes, tecidos finos comprados na loja do Nagibe, especialmente encomendados da França, e havia, também, velhas rendas tiradas dos baús e recendendo a naftalina. Se as moças ostentavam novos modelos, as matronas procuravam compensar o desuso dos seus vestidos de festa com a exibição de jóias, onde o ouro imperava. Padre Jesuíno podia distinguir os membros das famílias mais finas pelo bom gosto no trajar, mas todos, sem exceção, estavam felizes e se confraternizavam.

Enquanto aguardava que a noiva e seu pai caminhassem até ao altar, o padre analisou, disfarçadamente, o noivo ao se lado. Sério e um tanto pálido, Roberto demonstrava emoção e, ao mesmo tempo, ansiedade. Em seu terno azul marinho, de corte aprimorado, deixava pender os braços junto ao corpo, enquanto sob a camisa branca, seu peito arfava numa respiração descompassada. Compreendeu o desconforto de rapaz, que mantinha os olhos fixos na entrada da Igreja. Tinha que sofrer a curiosidade dos que o cercavam, por ter-lhes arrebatado uma das mais queridas conterrâneas, não fosse, ainda, pela xeretisse de ver quem a livrava da pecha de solteirona.

Otávio, com o peito estufado de orgulho, estava feliz, como se a energia contida em seus músculos, em seu espírito atabalhoado mas generoso, brotasse e luzisse em seu rosto.

Entre os presentes, havia alguém que apreciava a cerimônia na ponta de um dos bancos mais afastados. Uma pessoa muito bem vestida, mas que se mantinha triste, com a fisionomia contraída. Januário continuava a não se perdoar por ter, praticamente, promovido aquele casamento. Maldizia a Convenção que se realizara graças aos seus esforços. Agora devia manter-se ali, diante da felicidade dos noivos, para que seu desencanto ficasse amarrado dentro do seu peito e a sua ausência não despertasse comentários maldosos.

Entre risos e lágrimas já de saudade, Delfina partiu, não sem antes, enquanto se arrumava, ter lembrado mil vezes à Filó:

- Cuide da mamãe, Filó. Não deixo o papai aborrecê-la. Olha a Elvira, não desgrude os olhos de cima dela. Não vá a bobinha se enrabichar por um “tranca” qualquer..

- Vai, Delfina, vai em paz – respondia enfarada a Filó – Até agora não fiz besteiras e sei controlar a Elvira. Não se amofine. Viaje em paz.

Mas, nem bem Delfina casou e partiu a casa se desgovernou – parecia completamente vazia. Todo mundo, inclusive Filó, ficou apatetado, esperando ouvir as suas ordens, seus gritos ou risos ausentes. Dalva suspirava pelos cantos, enquanto Otávio parecia perdido, naquele vasto mundo da Fazenda Esperança.

Continua no próximo capítulo







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