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Contos-->À Sombra do Jatobá VIII - O amor de Januário -- 10/09/2003 - 17:00 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – VIII – O amor de Januário
Durante o casamento de Delfina, Januário não conseguia se acalmar e sabia-se um perdedor, um péssimo perdedor. Tinha vontade de sair agredindo todo mundo, inclusive o amigo padre que realizava a cerimônia; chamá-lo traidor, desleal e tantas outras ofensas que ia remoendo, ao notar a comoção de Jesuíno ao unir Delfina àquele estranho. Sentia as lágrimas umidecerem os miúdos olhos azuis e um nó prendia-se em sua garganta.

Mal participou da festa, e nada comeu na fazenda. Logo foi se despedir dos noivos e desejar-lhes felicidades.

Sentindo-se absolutamente só, abandonado, partiu para casa. Durante o trajeto foi mentalmente imprecando: diacho de mulher! Diacho de vida! Para que viver num inferno desse? Para que tentar ajudar os outros, se ninguém tem pena da gente?

Tremendamente mal-humorado, foi encontrar Matilde pondo a mesa para o seu jantar. Passou por ela sem a cumprimentar.

- Posso servir o jantar, doutor? – ouviu-a perguntar.

- Hum – hum – foi a resposta lacônica.

Entrou para o quarto, despiu o terno novo, pegou a pijama e se dirigiu ao banheiro, novamente passando por Matilde que o vigiava com o rabo dos olhos. Quando ela ouviu voltar à sala, refrescado por um bom banho, lhe perguntou:

- O senhor se alembra do meu afilhado?

- O que aqui esteve hoje de manhã? – perguntou pouco interessado, enquanto se sentava à mesa.

- Sim senhor, este mesmo; ele está aqui de volta.

Meio desanimado, Januário levantou, se preparando para receber o menino e disse:

- Mande-o entrar.

De manhã cedo, quando Matilde servia a mesa do café, um menino havia entrado na cozinha:

- Madrinha – disse ele – a mãe me mandou aqui para o doutor dar uma espiada neste catombo duro que me saiu na cabeça.

- Espera aí que ele já vem.

Januário, entrou na copa e foi logo perguntando qual era o problema.

- Este catombo duro na minha cabeça – respondeu o menino meio assustado.

Com as pontas dos dedos o médico afastou os cabelos emaranhados da criança e apalpou o caroço:

- O tumor está se formando – concluiu.

Matilde, muito enxerida, meteu o nariz onde não era chamada, e, examinando o calombo, afirmou zombeteira:

- Isso é berne!

Januário, ou porque estivesse com pressa, ou porque andasse remoendo seus desencantos, fingiu que não a tinha escutado; foi até seu consultório e trouxe de lá uma pomada entregando-a ao pequeno:

- Passe isto aí, e depois volte para eu ver.

O garoto havia voltado e se queixava de dor e ferroadas no catombo.

- Ele está aí esperando pelo senhor – continuou Matilde – e disse que tá ferroando, lá nele – depois, completou meio entre-dentes: se aquilo não for berne eu não me chamo Matilde...

- Matilde, não seja intrometida - gritou Januário enquanto tornava a examinar o menino.

- Pois vá buscar a sua faquinha e dê um corte aqui – apontou o local intumescido – se não pular fora um ovo de beronha, não me chamo Matilde!

Januário olhou-a com olhos de esgano, mas foi buscar o bisturi. De fato, de lá de dentro do corte pulou um berne, branco, nojento.

A empregada apertou os lábios e sacudiu a cabeça, num gesto de: eu não disse?

Januário levou o menino para o consultório para por lhe um curativo, e depois voltou resmungando para sala:

- Bernento! Assim são os meus doentes, atacados de bernes, piolho, impetigo, coruba...

- O que o senhor queria? Que tivessem doenças de rico?

- Não, mas também não precisava você me desmoralizar com um berne!

- Pois a doença de Sinhá, aquela grossura na pele que o senhor disse que era alergia? Era cobreira mesmo! Mijo de sapo cururu nas águas da cacimba! O senhor não se acostumou com as nossas pobrezas? – depois brincalhona – Quem sabe que um dia num aparece um doenção fino pro senhor curar, hein?

Bravo, Januário responde azedo:

- Vai cuidar da sua cozinha e não me atazana, Matilde! Mulher só serve mesmo para atazanar a vida da gente!

Depois do jantar, retirou-se para o quarto enquanto Matilde lavava a louça e as panelas.

Falar sobre Matilde seria descrever outras serviçais que trabalham por aí, nas casas de famílias. Mulheres caladas, anuladas no dia-á-dia penoso de lavar, passar, cozinhar, esfregar para que alguém tenha a vida em ordem. Peças insubstituíveis na vida de todos.

Quando Matilde começou a trabalhar para Januário, tomou para si a organização da casa do médico, a limpeza e ordem do seu consultório, que ficava na parte da frente da residência; em pouco tempo tomava conta dos recados. De madrugada já estava em pé para preparar-lhe o alimento. O médico era severo na questão de horário e se obrigava a uma vida árdua onde os minutos eram preciosos. Matilde precisava correr para atende-lo, para ter tudo à hora e a tempo.

Frugal no comer, o doutor se contentava com uma fatia de cuscus, um copo de leite, mas Matilde preparava-lhe umas tapiocas branquinhas, regadas com leite de coco e ficava, de longe, apreciando-o saboreá-las com café. Assim como também ficava de longe, mas atenta, quando ele andava pela casa e, mesmo nas horas da noite, quando era chamado para atender a um cliente, ela estava de prontidão para apresentar-lhe a maleta, este ou aquele remédio que ele ia pedindo, enquanto que, às pressas, se vestia. Quando Januário assediava Delfina com pedidos de casamento - todo mundo sabia da paixonite do doutor – Matilde se remoia de ciúme e de raiva da moça: Orgulhosa! Abestada! - imprecava – não vê o que está perdendo – mas ficava rezando para que o médico a esquecesse.

Delfina se casou, partiu e Januário se desarvorou. Matilde sofria com o sofrimento dele.

Nessa noite, ela o escutou se revirando na cama, se agitando e resmungando como se estivesse preso num pesadelo. De mansinho empurrou a porta do quarto dele e espiou; como não conseguisse enxergar coisa alguma, ela acendeu a luz da sala e tornou a espiar para dentro do quarto. A cama estava em desordem, o travesseiro caído no chão, o lençol de cima enrolado nas pernas de Januário que, deitado de bruços, se debatia e murmurava tristezas. Matilde foi se achegando, se ajoelhou junto ao leito e tentava entender o que ele reclamava. Os cabelos ruivos, desfeitos, e o voltear na cama, sem sossego, sem encontrar posição certa, foram deixando a moça penalizada e, por estar àquelas horas da noite, no silêncio da casa e sozinha acordada junto dele, sentindo o cheiro do seu corpo, escutando sua respiração desordenada, Matilde foi se inclinando; começou por alisar os cabelos úmidos de Januário. Deixou que suas mãos se espalmassem, suavemente, pelas costas que arfavam, subiu-as lentamente, acariciou-lhe o pescoço, envolveu suas orelhas. Depois, com o polegar e muito de leve, percorreu as sobrancelhas eriçadas do médico. Que delícia, estar ali ajoelhada junto dele a mimá-lo esquecida,de si própria. Esquecida de si própria? As mãos de Matilde tremeram e se afastaram assustadas, mas levada ainda pelo momento que se tornara seu, a moça deixou que suas mãos voltassem a buscá-lo.

Januário, meio dormindo, meio acordado, voltou a cabeça para o lado dela e seus olhos azuis, meio abertos meio fechados, deram com um decote dadivoso, onde os seios morenos, de pele lisa, eram como duas colinas no horizonte branco do lençol. A réstea de luz vinda da sala iluminava os contornos de Matilde. Os braços roliços continuavam num subir e descer, num massagear agradável, chamando, afastando, tornando a chamar. Os olhos azuis se encontraram com os amortecidos, carregados de desejos, olhos castanhos, e ali se fixaram pedindo mais, e mais; depois bailaram na face que se oferecia, na boca polpuda de lábios entre abertos. Pasmado por trocar o pesadelo por tanta beleza real e arfante, Januário se desfez em amor.

Do pesadelo aos encantos da posse do corpo quente e cheiroso de Matilde, Januário passou como um náufrago ao encontro de uma exuberante e inexplorada ilha, rica de aromas e frutos... Do prazer violento, onde extravasou todas as suas ânsias e angustias, voltou a entregar-se aos sonhos. Agora sonhos reparadores, sem ameaças, sem figuras.

Matilde se afastou silenciosamente do quarto. Trazia a alma leve e o corpo rico de amor.

Quando o sol atravessou a janela e veio esquentar a face de Januário, já o encontrou acordado, atento aos ruídos da casa. Estava mentalmente seguindo Matilde na sua lida; somente agora descobria que alguém cuidava de suas coisas, alguém se importava que ele estivesse limpo e bem tratado e, o que era mais importante, se importava não apenas por ser a sua obrigação, para cumprir um contrato assalariado, mas porque o queria bem, porque vigiava as suas ânsias, os seus temores. Januário sentiu-se reconfortado; ficára da noite de amor, uma lassidão gostosa em seu corpo. As feridas abertas em seu peito, em sua mente, pela partida de Delfina, haviam sido carinhosamente pensadas por alguém que o amava em silêncio e, talvez, como ele, se sentisse desprezado, humilhado em sua importância. Ora, - pensou num meio sorriso – as incoerências da vida: ele sofrendo por Delfina e, sem saber, fazendo sofrer, ali, debaixo do seu teto, alguém que possuía tanto amor para lhe dar...
Januário sabia também que as feridas tratadas voltariam a se abrir – nem só de sexo vive o amor... – a saudade voltaria a machucá-lo e toda aquela revolta que o tirara fora de si por tantos dias, tornaria a falar alto. Novamente Januário sorriu tristemente; um pequenino sentimento de gratidão foi crescendo dentro dele, foi se avultando, foi tomando a forma de Matilde; ele voltaria para os seus braços, se agasalharia em seu seio macio e adormeceria farto de amor.

O tinir de talheres na sala vizinha, chamou-o à realidade. Tomaria um bom banho, se alimentaria muito bem, e retemperando com a vida, enfrentaria quantas mazelas lhe aparecessem. E... e Matilde? Como enfrentaria a Matilde depois daquela noite de desabafos mútuos, quando os dois rolaram na cama, e ele a pesquisara avidamente – como homem e não como clínico – e passara a conhecer todas as curvas do seu corpo, todas as voltas gostosas, úmidas, quentinhas, dos seus escondidos? Januário sentiu um arrepio no corpo e um latejar em seu sexo.

- Calma, Januário! – comandou num murmúrio – rapidamente afastou o lençol para se levantar e, seus olhos caíram em suas pernas brancas e cabeludas: ele estava nu!

- Dormi como uma pedra... – tornou a murmurar. – De imediato vestiu as calças do pijama e se dirigiu à sala, a caminho do banheiro. Meio ressabiado, procurou com os olhos a empregada.

Matilde surgiu da cozinha e lhe perguntou, calma e segura:

- Quer que lhe sirva o café agora, doutor?

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