Quem é que pode?
Responda-me, quem, meu Deus,
quem é que pode
dormir com um barulho deste,
um zum zum entremeado,
de murmúrios, assovios e brados
de tudo aquilo que perdeste,
quando deixaste – consciente, bem o sabes,
cair o vaso mais amado,
de todos o mais cuidado,
rolar pelo chão e quebrar.
Como podes agora e, além de ti
quem mais esperas,
que vá dar um doce às feras
que estão a te devorar.
Com que covardia tão grande
E em que buraco a buscaste,
Para estar, como quem ande,
neste mundo a desfilar.
A quem pensas enganar?
Com vãs palavras proclamas
Aquilo que teu coração, este insubordinado,
grita, de longe, coitado
que nada tem com teu falar.
Pede desculpas, o pobre,
por tua soberba ignorância,
pela tão falsa elegância
com que te pões a falar...
Agora, diga-me se pode
se há quem possa agüentar,
tamanha verborragia,
de tua boca, que um dia,
falava do que sentia
e hoje sente , sem falar.
Por que insistes na fala,
por que teimas na tua lógica,
que nada explica, e não cala
um momento
para quem tem juízo falar.
Ora! Valha-me Deus!
Se precisar de versos teus
sem dúvida vou te chamar.
Mas , por favor ,
Silencia tua voz um instante,
fica muda e ouve apenas
o que, no maior dos silêncios
teu coração vai falar.
Não há lógica no sentir,
Nenhuma garantia a dar
Nada esperes de prático,
Deixa-te estar extático
Para aprenderes a amar.
Permite que o silêncio
seja teu mestre, teu guia,
nada diz, nem respira,
guarda toda energia,
olha, observa, admira
o tempo que andaste à toa,
vagando da popa à proa,
sem nada, nunca encontrar.
Rompe contigo de vez,
cala as palavras e entra,
pelo silêncio adentro
como quem adentra um templo
na busca de se encontrar
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