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Contos-->À Sombra do Jatobá IX - Os casamentos de Filó e de Tobias -- 11/09/2003 - 19:36 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – IX – Casamentos de Filó e de Tobias

É do conhecimento popular que, quando a filha mais filha se casa, dá a vez para a segunda. Filó, que havia acendido velas de agradecimento a Santo Antônio, pelo casamento da irmã e, aproveitando a oportunidade, implorado que lhe arranjasse um romance semelhante, e outro para Elvira, viu dentro em pouco tempo serem atendidos os seus desejos.

Elvira, nos seus vinte anos, ainda podia dar-se ao luxo de escolher ou afastar este ou aquele pretendente. Filó não. Considerada “moça velha”, no linguajar nordestino, devia andar rápido, casar bem depressa, como fizera Delfina, sem prolongar o noivado, sem dar tempo de arrefecer a chama de entusiasmo que viesse surgir entre ela e o possível candidato, sem que a monotonia dos hábitos adquiridos, enraizados em suas vidas de solteirões, falasse mais alto.

Foi assim que agiu Filó quando reencontrou Teobaldo Mascarenhas, filho de Dona Verenciana, amiga de Dalva e dona da fazenda visinha.

Depois que enviuvara, Dona Verenciana se afastara dos amigos. Mas naquele fim de inverno, o espaçoso curral da Fazenda Esperança, um dos maiores da Ribeira do Curú, foi escolhido para fazer a apartação do gado. Dezenas de vaqueiros passaram dias reunindo os animais, soltos e espalhados pela caatinga, pelos campos e várzeas, onde não existem cercas - para que a pouca água seja de todos – tangendo-os para a propriedade de Otávio, onde seriam apartados aos grupos, ferrados e entregues aos seus donos.

A verdadeira vaquejada faz-se no campo aberto, durante a junta dos bois, quando os mais rebeldes precisam ser sujeitados. Têm seus olhos tapados por máscaras de couro cru – estes são os barbatões selvagens – e assim seguirem, amarrados a animais domesticados, sem causar problemas, até o seu destino.

Na fazenda, depois de todo o trabalho, os vaqueiros promovem uma exibição de força e maestria, numa Vaquejada sobre regras rigorosamente seguidas, ritual que 0faz parte dos lidadores com gado.

Para essa exibição, todos os moradores da ribeira (ai incluída, além de Ribeira do Curú, toda a região ribeirinha), sentem-se convidados e a imensa assistência espalha-se em volta do campo de luta, abrigada à sombra das árvores, nas encostas dos barrancos, refestelada sobre o mato, disposta a aplaudir, a vibrar ou a vaiar com energia as peripécias, as destrezas ou os malogros ali demonstrados.

Teobaldo que desde o casamento de Delfina vinha arrastando as asas para Filó, aproveitou a ocasião para exibir a afoiteza e boa técnica. Com seu parceiro Nando, que seria o “esteira”, correndo ao lado do boi, para impedi-lo de fugir da raia, puseram-se na espreita; lá vem o boi na disparada, levantando poeira do chão. Vem bufando, vem negaceando, “zabumbando” de rabo erguido. Vem com os olhos vermelhos, chispando, as ventas abertas, e os chifres em riste. Nando cerca-o por uma banda, enquanto Teobaldo, rápido como um corisco, se inclina e pega-o pelo rabo, passando a mão na “bassoura”, faz o “piauí” – enrolando rapidamente para a “mucica”, o desequilíbrio das patas traseiras, que provocará o “quedaço”, quando o animal focinha na areia. Teobaldo salta, veloz, e atirando-se sobre a rês, passa-lhe a “surrupeia” – uma tira de couro – entre as patas, imobilizando-o.

Os aplausos, as gritarias, fendem o ar! Teobaldo joga no chão o seu chapéu de couro, abre e levanta os braços, numa demonstração de júbilo e vitória.

O coração de Filó só poderia, mesmo, descompassar, quando o triunfante vaqueiro aproximou-se de sua família para receber os abraços da mãe e dos amigos. Dona Verenciana, ao lado de Dalva, comentava com orgulho a exibição do filho. Otávio não escondeu elogios, batendo nas costas de Teobaldo, chamando-o de “cabra macho”. Chico, seu irmão de criação, um menino de cinco anos, pulou em seu colo, acavalando-se em sua cintura, enquanto ria e revolvia, com suas mãozinhas, os seus cabelos ondulados.

Filó, um tanto retirada, ficou admirando, comovida, a cena. Ela sabia que Teobaldo havia trazido Chico de Crateús, quando Dona Verenciana enviuvara e andava chorosa pelos cantos de casa. O rapaz aparecera com o menino raquítico e o entregara aos cuidados da mãe. Sabia que seu coração se aqueceria, que suas atenções seriam absorvidas nos cuidados da criança órfã.

Agora lá estavam os três, regozijando e se abraçando, ante os olhos meigos de Filó. Se as sobrancelhas fechadas de Teobaldo, que escondiam os olhos miúdos e sempre sérios, se sua boca riscada na face, com seus lábios finos a ressaltar-lhe o queixo proeminente, se toda a sua expressão de pouca brincadeira assustava e atemorizava Filó, este momento de carinho quebrou-lhe as barreiras. E, como seu coração pedia, dentro de pouco tempo estava sendo pedida em casamento.

Nem bem Otávio se deu conta, lá estava novamente, todo pimpão e feliz, conduzindo a segunda filha ao altar.

Lá estava padre Jesuíno abençoando o novo par e reconhecendo, nos bem ataviados presentes, os seus queridos amigos e paroquianos. Lá estava Ribeira do Curú em festa... e lá estava Januário, penando e sofrendo: Delfina havia chegado com o marido, para as bodas da irmã.. Januário, comovido, corria os olhos pelo corpo de Delfina, pela sua pele que se tornara translúcida, pelo seu ventre que se avolumava, pelos seus olhos que se ameigavam e que sorriam, felizes. Uma Delfina toda ternura, esperando o seu primeiro filho.

O novo ano chegou com surpresas: o nascimento de Ana, filha de Filó e Teobaldo, e o casamento de Tobias - que se elegera deputado estadual nas últimas eleições – com Marluce..

Dr Raimundo Nepomuceno e Dona Almerinda – pais da noiva – haviam concordado, depois de muita conversa e argumentos de Tobias, que a festa se realizasse, só na presença de familiares e amigos íntimos, na Fazenda Esperança e que a cerimônia fosse realizada pelo padre Jesuíno, na capelinha, junto ao açude. Casamento que Delfina presenciou mas não pode expandir sua alegria por causa da discussão que na véspera ela tivera com o pai e o irmão. Na verdade, tinha até se arrependido da viagem penosa que empreendera, levando consigo sua filhinha de dois anos e deixando Roberto sozinho em Recife. Havia chegado três dias antes e, já na primeira noite, logo depois do jantar, ela e o irmão se exaltaram.

- Como é, Delfina – ele começara, depois de ter acendido um charuto e se refestelado numa poltrona de couro – gostou dos móveis? São os mais finos que encontrei em Fortaleza. Nem o Palácio do Governo possui coisa melhor e mais cara!

Delfina manteve silêncio, enquanto ele continuava:

- Enquanto eu proporciono á mamãe todo este conforto, o seu irmãozinho preferido, lá no Rio, só lhe causa preocupações.

Delfina, já pisando em brasas, deu um sorriso e fez menção de se levantar e sair. Tobias, tocado pela sua indiferença, levantou a voz:

- Delfina, você parece que tem medo de reconhecer o meu sucesso, tem medo de trair o Vadico? E de que valeram o arroubos patrióticos do grande jornalista?

Já em pé a irmã olhou-o friamente e deixou que toda a sua indignação a dominasse:

- Se eu fosse você, engoliria as palavras antes que elas me envergonhassem. Eu vim para assistir o seu casamento e não para pedir contas das falcatruas que o enriqueceram! Antes de atacar o Vadico, você dobre a língua e veja, primeiro, com quem está falando!

Tobias, bufando de raiva, tornou-se mais agressivo:

- Você só tem olhos para os fracassados! É e sempre foi o “anjo dos miseráveis”! Não sabe e nunca soube distinguir as pessoas de valor...

Delfina interrompeu-o, possessa:

- Os que pisam nos outros, você quer dizer? Os ladrões, emproados como você? Os pavões, com os pés sujos de merda?

- Delfina! Cale-se! – gritou Otávio, enquanto que Dalva, contrariada, saia da sala.

Vendo-se sozinha com os dois, Delfina deu-se o gosto de desbocar:

- Tobias, quando você falar de Vadico, fale aqui com o papai, que reza pelo seu breviário. Comigo você se contenha, porque se ajudei o Vadico ir para o Rio de Janeiro, foi para vê-lo longe de vocês e saibam que eu prefiro saber que ele está distante, do que sentindo o cheiro deste dinheiro sujo que você pagou por estes moveis. Tobias, tudo em você fede!

A raiva de Tobias foi tamanha que ele ficou, por uns momentos, sem ação, enquanto seu rosto avermelhava:

- Sua louca! Desgraçada!

No mesmo tom do irmão, Delfina continuou:

- Xingue à vontade! Se sou louca e desgraçada, você é oportunista e corrupto!

E assim xingando, ela foi se aproximando do rapaz, mas foi contida por Otávio, que a segurou firme:

- Delfina, pare! Você já disse o que queria e até me ofendeu. O que é isso?

Resfolegando, ela retrucou;

- Estou arrependida de ter vindo de tão longe para ouvir este bobalhão arrotar grandeza!

Ainda cheia de raiva, gritou para Tobias que já saia da sala:

- Seu droga! Grandessíssima droga!

Um silencio pesado os envolveu. Otávio transformou, de mansinho, a prisão da filha em um abraço. E, calmamente, relembrou:

- Coitada da Princesa Isabel! Lembra?

Delfina, ainda trêmula, sorriu:

- Eu queria por o Tobias no pelourinho e dar uma pisa nele...

Depois, afastou-se do pai e perguntou:

- Eu continuo a mesma, não é? Bruta e desbocada.

Otávio tornou a abraçá-la.

- O Tobias foi que a provocou e ele sabia que estava mexendo em casa de marimbondo .

- Mas eu ofendi o senhor também.

- Ué! Quem está por perto recebe os respingos! Quer saber de uma coisa? Eu andava com saudades da minha jararaca!

Continua no próximo capítulo







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