Chovia ladrão em Taguatinga. Na casinha pequena e aconchegante do Tião quitandeiro, todos mais ou menos pressentiam algum perigo a julgar pelas pesadas trancas postas na janela e pelo enorme cadeado na porta de entrada.
Já tarde da noite, só mesmo a televisão falava. Seu Tião, depois de um dia muito duro, dormia no quarto que ficava no final do corredor, o bruto revólver debaixo do travesseiro. Como enviuvara há muito, dormia espalhado, roncava, sonhava com os inúmeros ladrões que andavam à solta por aí. Afinal, tinha que proteger sua filha, sua casa, tudo a tão duras penas construído.
Os rapazes, Toninho e Ronaldo, tinham voltado da rua e assistiam aquele filme interminável, cheio de quebra-quebra e gritaria. Sentada no sofá, Lourdes lixava as unhas sem prestar atenção em nada, meio preocupada ainda com as carícias da véspera. Se engravidasse, ia ser um Deus nos acuda - o pessoal ali não apreciava seu namorado.
Mas o velho continuava roncando, nem vira os filhos chegarem – amanhã é sábado; ainda tem venda de manhã. E no sonho intermitente alguém tentava forçar uma porta. Eis que na sala, um tiro... A polícia finalmente dera o ar da graça, e no meio da pancadaria fazia uso do único argumento que poderia intimidar os contendores: chumbo. Aumentaram o volume.
– É agora! gritou Toninho.
– Boa! disse Ronaldo
– Virgem santa! gritou Lourdes e pulou feito gato no rumo do corredor. Tinha ouvido um berro medonho.
– Pega ladrão! Dizia seu Tião, transtornado. Cadê?
O pijamão frouxo, os lábios trêmulos, o Tião tinha mesmo vindo do outro mundo.
– Pai, pelo amor de Deus, isso é só a televisão!
O velho demorou um pouco a cair em si, tal o barulho que fizeram. A custo foi que Ronaldo arrancou-lhe o trabuco das mãos para escondê-lo debaixo da estante. Depois pensaria numa alternativa melhor. Por enquanto tentava acalmar o pai para que todos pudessem dormir sossegados. Mostrou-lhe trancas e ferrolhos, convencendo-o de que estavam numa verdadeira fortaleza. Lourdes providenciou água com açúcar e Toninho apressou-se em desligar o aparelho.
Mais tarde, no diálogo costumeiro com o travesseiro, seu Tião desabafava a íntima frustração de ter perdido a única oportunidade em sua vida de ser o maior herói de todos os tempos. Maior que qualquer daqueles fedelhos que apareciam naquele diabo de televisão.
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