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Artigos-->Literatura: escrita feminina -- 19/06/2002 - 17:44 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Literatura: escrita feminina



Vivemos um tempo em que a mulher, segundo Castro (1991, p.222), se liberta de sua escravidão metafísica.



"Nunca se falou tanto, nunca se escreveu tanto sobre mulher e literatura quanto na última década, fato inusitado no contexto de uma história e tradição crítica de mais de dois mil anos, história essa construída e constituída por um corpus de textos canonizados e escritos no registro do masculino" (Schmidt, p.182).



Até 1970, apenas três escritoras, no contexto da literatura brasileira, tinham merecido reconhecimento: Raquel de Queirós, Cecília Meireles e Clarice Lispector. Isto, segundo Schmidt (op. cit., p.183), denuncia uma condição de “invisibilidade”, a negação da legitimidade cultural da mulher como sujeito do discurso, exercendo funções de significação e representação.



"Hoje, não há mais como sustentar os pressupostos pretensamente neutros e a-históricos dos métodos da crítica literária tradicional. Todo critério de avaliação e interpretação é historicamente limitado, mutável em função de condições sociais e históricas e em função de referências teóricas, esses também variáveis no contexto daquelas condições" (Schmidt, op. cit., p.185).



Nossa tradição estética, européia, define a criação artística como um dom essencialmente masculino, sintetizado na figura de Deus Pai, que criou o mundo. À mulher fica destinada a reprodução. Nos sistemas simbólicos de representação, o paradigma, “verdades humanas universais” ficam para a experiência masculina. A feminina foi neutralizada.

A história literária corrobora e robustece tal deformação. Ria Lamaire (1994, p.58-9) identifica a história literária como “um fenômeno estranho e anacrônico”. É pela idéia de ancestralidade que são legitimadas a situação atual. Nos discursos das ciências humanas, as representações masculinas sobre a mulher, como o sexo “natural, essencial e universalmente” mais fraco, podem ser consideradas como uma das formas mais radicais deste tipo de legitimação de poder. A genealogia e a história literária criam a ilusão de uma só história, de uma única tradição. Este mito e reforçado continuamente em cada descrição genealógica e cada versão da história literária.

Não há tradição intelectual puramente feminina, argumenta Nancy Campi de Castro (op. cit., p.226-7), mas, no caso, o impacto feminino pelo uso específico, ou apropriação, de material produzido por outros pensadores. Por outro lado, nem todos os textos escritos por mulheres são exemplos de compromissos antipatriarcais. Descrição de experiências típicas de mulheres (a maternidade, por exemplo) não é, necessariamente, um ato feminista. Não é o objeto, “mas a perspectiva política é que define a relativa unidade da crítica feminista”.

A feminilidade é expressa por meio de padrões impostos que devem parecer naturais. “Ao patriarcado interessa que se acredite que há uma essência do feminino, chamada feminilidade” (id., loc. cit.). Destaca-se daí as oposições binárias como macho e fêmea, feminino e masculino, que conduzem a muitas outras como atividade e passividade, sol e luz, dia e noite, pai e mãe, inteligência e sensibilidade, que acabam por constituir um sistema patriarcal de valores.

Cabe ao sujeito aceitar a inserção na Ordem Simbólica (Lacan) desses princípios binários se o que se quer é a imersão, o Real. O risco à liberdade não está na estrutura uma vez que tais oposições sempre existiram, mas está, segundo Castro (op. cit., p.223), “naqueles que transformam uma presumida universalidade na garantia para seu próprio discurso de poder.”

Nessas circunstâncias, percebe-se que as mulheres estão colocadas num campo de força que a compele a adotar uma falsa identidade, por exemplo, assumindo apenas a sua função de procriadora. A linguagem, nesse esquema, torna-se um instrumento de manipulação do patriarcado.

A Cultura Ocidental floresceu sob o modelo humanista em que cultura vem a ser o



"conjunto de práticas que compõem o processo social dando-lhe um certo padrão organizacional, o qual liga todas as partes da formação social em um todo, uma totalidade social. Calcado na concepção de um mundo não-contraditório e com uma identidade coesa, unitária e estável, esse paradigma tende a sublinhar a força do mesmo e a reprimir a diferença, já que essa não pode ser assimilada a um todo que se pretende coerente" (Schmidt, op. cit., p.186).



A tradição da cultura feminina, de desafios e transgressões, continua Schmidt (op. cit., p.187-9 passim) força a abertura de um espaço dialógico de tensões e contrastes que desequilibra as relações simbólicas congeladas do ponto de vista do masculino. O feminino, por sua fez, superando o estado de “passividade e conformidade dramatizado”, conscientemente, destrói o discurso de exclusões e rompe o silêncio: o objeto fala. Uma dupla conquista envolve a literatura feita por mulheres: a conquista da identidade e a conquista da escritora. O caminho de superação deve se fazer na luta pela reconstrução da categoria “mulher” – “lugar potencialmente privilegiado” – para reconceituar o feminino e promover a recuperação da experiência abafada pela tradição cultural dominante. O fazer literário tem, pois, o poder – como prática micropolítica – de colaborar na reconstrução da noção de diferença do sujeito à hegemonia do idêntico (atuando no nível da subjetividade e da auto-representação) que, por sua vez, desestruturará o sistema binário de gênero, corroendo as relações de poder subjacentes. O resultado seria a inclusão da multiplicidade, heterogeneidade e legitimidade à noção de cultura. Por um lado, quando se usa a expressão escrita feminina quer se referir a texto de autoria feminina escrito do ponto de vista da mulher e em função de representação particularizada e especificada no eixo da diferença. Por outro, a expressão, hoje, rompe o sentido vinculado à crítica do século XIX, (“uma sensibilidade contemplativa e exacerbada”). O resgate do termo exige colocá-lo dentro de uma prática libertadora em termos culturais, históricos e políticos. Não se trata, portanto, de encerrá-la num caráter ontológico e metafísico. A expressão “escrita feminina”, de fato, pela força com que se apresenta, nos quadros da Cultura Ocidental, ganha, um estatuto epistemológico. “Ela é um forma de contestar o caráter misógino ainda presente em critérios de avaliação de textos literários e que levam críticos a referir-se a escritoras usando paradigmas masculinos”.

Elaine Showalter (1994, p.28-31 passim) não crê que a crítica feminista possa encontrar um passado útil na tradição crítica androcêntrica. Devem encontrar seu próprio assunto, seu próprio sistema, sua própria teoria, e sua própria voz. A ginocrítica, termo inventado por ela, vê os escritos femininos como assunto principal e força-nos a fazer a transição súbita para um novo ponto de vantagem conceptual e a redefinir a natureza do problema teórico com o qual deparamos. Não se trata mais de reconciliar pluralismos revisionistas, mas evidenciar a diferença. Esta é a ênfase central em centenas de trabalhos dos estudos literários feministas. A crítica feminista européia (discurso crítico feminino francês), também mudou de ênfase. Tem-se salientado sua dissimilaridade fundamental da orientação americana empírica, sua fundamentação intelectual diferenciada na lingüística, no marxismo, na psicanálise neofreudiana e lacaniana e na desconstrução derridiana. No entanto, forças retóricas aproximam francesas de radicais americanas. O conceito écriture féminine (inscrição do corpo e da diferença, na língua e no texto) é “mais uma possibilidade utópica do que uma prática literária”, porém, possibilita uma maneira de se discutir os escritos femininos que reafirmam o valor do feminino e identifica o projeto teórico da crítica feminista como a análise da diferença. Resumindo: “a crítica feminista inglesa, essencialmente marxista, salienta a opressão; a francesa, essencialmente psicanalítica, salienta a repressão; a americana, essencialmente textual, salienta a expressão”. A ginocrítica, no entanto, as aproxima, no processo de resgatar o feminino das suas associações estereotipadas com a inferioridade.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



CASTRO, N. C. de. O feminino em Questão: uma leitura de Elizabeth Wright e de Toril Moi. ANAIS DO IV SEMINÁRIO NACIONAL MULHER E LITERATURA. Niterói: UFF/Abralic, 1991, p.222-230.

LAMAIRE, Ria. Repensando a história literária. In: BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p.58-71.

SCHMIDT, R. T. Repensando a cultura, a literatura e o espaço da autoria feminina. In.: NAVARRO, Márcia Hoppe (org.). Rompendo o silêncio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995, p.182-189.

SHOWALTER, E. A crítica feminista no território selvagem. In: BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p.25-57.



Dante Gatto

Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

gattod@terra.com.br





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