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Poesias-->O Velho -- 25/10/2000 - 21:40 (Iã Paulo Ribeiro) |
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O velho curvado na sequóia dos ventos
com sua voz rouca voltada aos cantos do mundo
ao Norte, ao Sol e à noite
sob a tarde úmida dos mares
esbarra com as palavras nos corpos soltos na praça:
A lucidez dos tempos e o silêncio das rugas.
Com as palavras caídas feito folhas na barba do velho
e seu tabuleiro estendido, jazigo de uma paciência silenciosa
só, completamente só, como seu corpo sempre pedira
como sempre sua mente recusara e que já há algum tempo
abraça a solidariedade da Terra, de seus entes todos
lesmas, flores, pães e carnes, seios, púbis - a lua
e o sol desmaiado da tarde...
A liberdade chega como a raiz rompendo o asfalto
e a pele pesa sobre o chão molhado, o cheiro da grama
a gravidade dos ossos que se empurram rumo aos grãos de areia.
A cor vermelha do barro chama as sobrancelhas do velho ao mar
de novo à água espumante de carbono e oxigênio e o começo
de um fim eterno, de pó
...enquanto os homens medem a sobrevivência em genealogias
nos papéis forrados de ácaros, o velho
tece a própria roupa, de olhos fechados, sábio com o calar
das palavras no tempo, nos sulcos das pernas e dos braços
fracos, do peito, as palavras do enfisema, da veia
coronária, palavras mudas de lembranças
e o pensamento já é nada, a não ser o equilíbrio retornado
o sabor do café, o cheiro da vaca, o rumor dos pântanos pútridos
os hematomas senis das guerras travadas e um silêncio
que é a voz da mulher amada.
O velho se curva entre as sequóias em círculo perfeito
Seus músculos se fecham em rocha
e uma flor petrificada se ergue em meio à praça de crianças
e perfuma com suas palavras mudas o ar mofado de sabedoria incauta.
O velho e as crianças rodopiam até formarem-se furacões
os ventos cortam, desterram, alastram o fogo da vida
e voltam a se sentar e a olhar o céu colorido da tarde moribunda.
E se vai mais um dia com partículas esvoaçantes
borboletas de asas rotas rodando, rodando, até trabalharem
as covas, os terrenos férteis de vida.
A praça sente as mãos do velho sobre seu dorso enregelado
sente o velho no ar, no solo
e as crianças sem palavras ainda resgatam um pouco disso tudo
que o dia esmagou com os carros e as lojas de vender barato
as mulheres das quitandas e dos bancos milionários.
Elas resgatam o velho em uma brincadeira inocente
em um equilíbrio lúdico de corujas e ratos
de velhas árvores crescidas e matos rasteiros pisados
e seus sorrisos esperam, esperam, esperam
até as mães gritarem pedindo socorro - a noite.
Iã Paulo Ribeiro
* Esta poesia foi publicada no jornal Tribuna Impressa (Araraquara - SP) |
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