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Contos-->À Sombra do Jatobá - X - O casamento de Elvira -- 13/09/2003 - 21:47 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
À Sombra do Jatobá – X O casamento de Elvira
(Fim da primeira parte)

Arnaldo Louzada, dentista recém formado, chegou sozinho em Ribeira do Curú. Instalou seu consultório em uma pequena casa alugada, na rua Pereira Gomes, onde passou a residir.

Sempre bem vestido, impecável em seus ternos de linho branco, causou reboliço na cidade. As moças olhavam-no com olhos sonhadores, os rapazes tomavam uma atitude desconfiada e criticavam o seu ar soberbo e a sua solidão. Os pais de família procuravam saber de sua origem ou de sua vida, mas acabavam por desanimar: o rapaz viera só e parecia ter brotado no meio do caminho. Seus hábitos de solitário somente foram modificados quando começou freqüentar a igreja e tornou-se amigo do padre Jesuíno. Este descobriu que o novo paroquiano possuía uma bonita voz de tenor e que sabia, com facilidade e prazer, acompanhar o coro durante a missa. Sua voz clara e de grande alcance, destacava-se das demais. Passou a cantar sozinho as aberturas e os hinos de encerramento. A sua seriedade e compostura, num instante, conquistaram-lhe bons clientes. Seu gabinete estava sempre cheio e seu tempo todo tomado no trabalho e na participação dos programas da igreja.

Dr Januário criou pelo forasteiro uma verdadeira aversão. Não apreciava o seu jeito de janota, e desconfiava do seu modo austero e frio de tratar as moças do lugar. Jamais o encontrava fora da igreja.

O médico, na sua vida normal, tomando uma cervejinha no bar do Nonato, ou em horas furtivas, dando umas voltas pela pensão da Noca, - que se orgulhava da beleza e do asseio de suas “meninas” – se encasquetava com a vida monástica do dentista. Tanta santidade e correção eram coisas nunca vistas...

Corria até, de boca pequena, que o dentista era “frouxo”. Depois de uma aposta no bordel da Noca, Lica, que era a mais cobiçada entre as dadivosas raparigas, preparou-se toda, botou saia justa, farto decote , flor nos cabelos, e foi. Foi até perfumada, com uma pitada de perfume francês, que o turco Nagibe, por ela embeiçado, lhe ofertara, depois de uma transbordante noite de amor. Para conquistar o dentista, Lica saiu esbanjando o aroma puro do “Feu D’Amour”.

Contou de volta, com voz irritada, que ao chegar à noitinha no consultório, os últimos clientes já iam saindo. Insinuou-se para dentro do gabinete e, achegando-se langorosa junto ao dentista, perguntou-lhe, com voz chorosa, se ele não podia aliviá-la. Arnaldo não titubeou: assentou-a na cadeira alta, tapou os seus provocantes seios com um guardanapo branco, mandou-a abrir a boca e tacou-lhe um algodão embebido em um remédio fedorento que lhe fez arder as gengivas e , ainda com seus frios olhos verdes, cobrou-lhe pelo tratamento. Ela saiu de lá com a língua em fogo, cheirando a cravo.

- Brocha! Só pode ser um brocha! – Gritava furibunda, enquanto as quengas se rebolavam de rir.

No órgão da igreja, com os cabelos ondulados presos por fitas rosadas, Elvira acompanhava, deslumbrada, os hinos cantados por Arnaldo. A voz límpida e possante do cantor espalhava-se pela nave, pairava sobre as cabeças dos fieis. Padre Jesuíno percebia que havia magnetismo naquela voz, porque a freqüência nas missas e rezas aumentou. Embalados pelos cânticos sacros, tão bem interpretados, os ofícios religiosos tornaram-se prestigiados pelos moradores da Ribeira. A igreja parecia pequena para comportar tenta gente, e até o seu pátio fronteiriço, como suas escadarias, viam-se apinhados nas horas dos cultos religiosos.

Inspirados por tanta beleza, os sermões do padre se enriqueciam profundamente e atingiam a alma dos seus paroquianos.

Sem dar conta da coincidência dos seus sonhos, o padre Jesuíno passou acalentar e a incentivar uma possível união entre Elvira e Arnaldo, como acalentara, em vão, o casamento de Delfina e do Dr Januário. Almas irmãs devem caminhar juntas – gostava de apregoar.

Desta vez padre Jesuíno não apregoou em vão. Dentro em pouco, via seus sonhos realizarem-se.

Tal como o casamento de suas duas irmãs, o de Elvira foi uma solenidade memorável. A igreja toda enfeitada estava repleta. O povo e os convidados lá estavam em peso, e voltaram as exibições das sedas, das rendas francesas, dos chapéus, dos sapatos e bolsas e,
principalmente, das jóias. Desta vez Nagibe tivera tempo de encomendar da França seus artigos finos, seus perfumes e fazendas caríssimas. Voltou a exibição, entre os homens, dos ternos novos, colarinhos engomados e sufocantes, dos sapatos envernizados e martirizadores.

Delfina, Roberto e a filhinha Miloca vieram de Recife. Manfredo, Ema e os três filhos vieram de Sobral. A família, com exceção de Vadico tornou a se reunir. Otávio mandou preparar o casarão da cidade que, nessa noite, abriu seus janelões para a praça da Matriz. Ele e Dalva, exultantes, proporcionavam o que havia de melhor aos seus convidados. Já um tanto envelhecido e um pouco mais magro, o fazendeiro abriu o baile, dançando uma valsa com Elvira.

Dignamente instalado, próspero em seu ofício, e tendo como esposa uma filha das mais ricas famílias da Ribeira, Arnaldo encheu-se ainda mais de orgulho e passou a exigir de Elvira um comportamento e apresentação que o colocavam às raias do despotismo.

Levando rigorosamente sua vida da casa para o trabalho e do trabalho para a igreja, era citado por padre Jesuíno como um exemplo a ser seguido, pois se tornou provedor da igreja e incansável auxiliar do padre em suas obras pias.

Agora, totalmente dominada pelo marido, Elvira sujeitava-se a trazer os lindos cabelos esticados, em tranças ou coques. O rosto, livre de qualquer pintura, se abatia e contrastava com as cores sérias e escuras que devia ostentar em seus vestidos, caríssimos, mas austeros.

Aos domingos, Arnaldo atravessava, pontualmente, a praça da Matriz e, de braço dado com a esposa, ia cumprimentando seus admiradores e penetrava, solenemente, na igreja .

O rigor de seu horário era tal, que o padre e os fieis pareciam esperar por ele para dar início à celebração da missa.

Arnaldo colocava a mão sobre o ombro de Elvira que, sentada ao órgão, o acompanhava, compenetrada. Os olhos verdes do dentista erguiam-se para o alto, enquanto ele abria o peito em dós sentidos.
Nos trechos mais suave, fechavam-se em êxtase – a cabeça morena pendia para trás e embalava-se ao compasso da melodia.

Suspiros profundos partiam dos presentes, comovidos tanto pelo canto, quanto pela presença daquele casal unido pela fé.

No entanto, num ponto de máxima importância para os dois, a sorte não lhes foi favorável. Não só desfavorável, como provocadora e renitente: anunciava-lhes um filho, enchia-os de esperança de um herdeiro que viesse completar o quadro familiar, avolumava o ventre de Elvira e a empáfia de Arnaldo e depois, sem mais aquela, roubava-lhes o bebê. Elvira, no terceiro mês de gestação, abortava com a facilidade de quem cospe um caroço de fruta. Ficava-lhe aquele enorme vazio em seu corpo e Arnaldo sentia-se frustrado quanto o cumprimento do “crescei e multiplicai-vos”. O Destino era, para o casal, de uma crueldade inqualificável.

O enxoval dos possíveis bebês ia crescendo ano a ano; cada filho que se anunciava, Elvira punha-se a bordar, encomendar rendas à rendeira Sinhá, a comprar peças delicadas e caríssimas na loja do Nagibe. Ano após ano, ia acumulando e, já ultimamente, o supérfluo e o requintado. E lá se iam as suas crianças e, com elas, a sua alegria, a sua saúde, o seu frescor.

Da superproteção de Delfina, das vigilâncias de Filó, dos dengos de Dalva e Chora, Elvira passou a sofrer as exigências do marido, os anseios por um filho e a decepção de perdê-los, todos.

Cada novo rebento nascido na família era-lhe uma ofensa, uma ferida que se abria e sangrava, um desejo de tentar novamente e, ao mesmo tempo, o pavor de se esvair em sangue, de não conseguir reter, dar forma e vida a uma daquelas criaturinhas que tão ardentemente cobiçava. Um filho que viesse amenizar a sua vida tão insípida e cansativa de prisioneira do marido, dos seus preconceitos, de seu puritanismo exagerado e absurdo.

Sendo a mais nova das três irmãs, Elvira envelhecia por fora e por dentro.

Fim da primeira etapa.

Continua no próximo capítulo




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