O conhecimento
Moradora da rua do Rosário do bairro da Rua Nova. A princípio, temi que a história de dona Iracema não fosse dar um belo Persona, mas vi que ela é a síntese da alma da mulher brasileira. A sua vida é a síntese da vida dos trabalhadores brasileiros. É a síntese das donas de casa humildes. Ela é a síntese de um Brasil interiorano, caboclo e sertanejo, aquele Brasil registrado nas canções de Luiz Gonzaga.
No alto da rua do Rosário, esta senhora enxerga tudo o que se passa na terra dos ex-coronéis Chico Moreira, Joaquim Inácio e Horácio Capistrano. Avó de 55 netos e 55 bisnetos, esta senhora, além de ter tido uma vida muito sofrida, está com herpes. Iracema trabalhou durante tempos na colheita de café, nas repúblicas de estudantes, nas pensões e hotéis da região e nas casas de famílias ricas.
Iracema Araújo, nascida em 27 de abril de 1924, se casou em 6 de agosto de 1941 com o já falecido Benedito Maia de Araújo que morreu em 21 de agosto de 1954. Na época em que ficou viúva, ela trabalhava como passadeira do Grande Hotel de Brazópolis. Com nove filhos para criar e recebendo um salário diminuto ela resolve voltar para Santa Rita do Sapucaí, onde passa por privações que nenhum ser humano poderia passar.
Uma vida sofrida
"Não sei como estou aqui ainda, sofri muito, passei fome, dormia no chão...", diz uma Iracema cheia de tristeza mas com muita esperança no sucesso de suas crianças. Como ela mesmo diz: "vivi mais de 40 anos de privações". Ela recorda que ninguém a ajudava. "Morava de aluguel, levantava cedo para ir trabalhar e deixava os filhos fechados em casa", diz. "O dinheiro que eu recebia só dava para comprar alguns alimentos, e aí eu deixava de pagar o aluguel. Por causa disto, eles vinham e me despejavam das casas. Tinha que seguir com os filhos para debaixo das pontes e das árvores", lembra.
Os seus filhos Maria Aparecida e Benedito, ambos já falecidos, foram testemunhas do extremo sofrimento porque passou sua mãe e que, infelizmente, é a mesma trajetória de milhares de famílias brasileiras nos dias atuais. Hoje, ela tem sete filhos vivos, que são eles: Dirce, José Raimundo, Sebastião, Nazareth, Celso, Rita e Jorge. Hoje esses filhos são responsáveis pela maior alegria de dona Iracema, que são os seus 55 netos e 55 bisnetos. A força de vontade dessa mulher é sua grande virtude. Ninguém passa tanto tempo por privações sem cometer delitos e essa senhora foi capaz de se submeter à s piores privações de um ser humano e mesmo assim ainda teve condições de querer ambicionar uma vida digna a que todos tem o direito de poder levar.
Amiga da rainha
Um de seus maiores orgulhos foi ter sido amiga de Maria Idalina de Jesus, a Maria Bonita, uma das personagens mais importantes da Rua Nova. Dona Iracema conta que trabalhou muito com a Rainha da Rua Nova e que por muitas vezes, nas horas difíceis, era à Maria Bonita a quem ela recorria. Ainda hoje Dona Iracema se lembra com carinho dessa amizade de muitos anos. Segundo ela, a convivência com Maria Bonita lhe traz muitas e boas lembranças. Foram anos de muitas alegrias e boas conversas. No entanto, tudo acaba um dia. Mas "temos que tocar a vida com ela é" suspira Dona Iracema. Dona Iracema é um exemplo de vida para todos nós.
Texto publicado em 5 de agosto de 2000
Escrito em 4 de agosto de 2000 |
