- Sim, preocupação, mania de doença. Corre de médico em médico, entra em todos os consultórios e nunca fica satisfeita.
Ela riu, agradeceu, levantou-se. Apesar da idade era elegante e vistosa. Saiu do consultório e sentou-se num banco do jardim. Seu olhar ficou distante, cruzou as mãos em cima da bolsa que trazia, ajeitou-se comodamente.
O indicador pressionou o botão e após alguns minutos de espera a porta escancarou-se. Ela entrou pedindo para deixá-la no sétimo andar. Seu corpo foi metralhado por olhares masculinos. Habituada àquele tipo de gente, ela virou-se dengosa acompanhando os números que sucediam-se. Desceu. Olhou para a flecha vermelha indicando o consultório médico: "Entre sem bater." Virou a maçaneta com delicadeza e pisou no tapete macio. Seus ouvidos foram agraciados com um "pois não" que a fez aguardar na sala de espera. Revistas atrasadas à disposição. Ela começou a folheá-las. Seu nome foi anunciado. Arrumando a saia justa adentrou a sala do médico. Olhar rápido. Mesa, cadeiras, maca, alguns livros e a brancura radiante a lhe dizer: tenha a bondade de sentar-se. Ele apóia os dois braços sobre a mesa, atitude de sábio. Ela os conserva escondidos, alisando as coxas com as mãos. Os olhares se cruzam. Em atitude de eminente desespero ela recita seu rosário. Mistérios dolorosos. Ele aparenta ouvir. Não a interrompe. Apenas a esquarteja da cabeça aos pés. Atitude meditativa. Pega o bloco, rabisca alguns nomes, entrega-o e pede que volte na próxima semana. Autômata ela levanta-se e sai. As palavras entorpecem a garganta. O coração pede para ficar mas o corpo a impulsiona para fora. Ele quer retê-la. É cedo ainda. O estetoscópio recebe o carinho depois é empurrado para o canto da mesa. Metal frio, companheiro de solidão. O reflexo do branco se torna repelente. Aperta um botão. A secretária entra com o café. Sorve o líquido a goles pequenos. Aquela carne será sua. Fome de amor é doença. A semana demora a passar. Deitada na maca sente duas mãos fortes percorrer seu corpo. Estremece. Senta-se. Bem perto agora. Sente seu hálito. Pega seu pulso. Acelerado. Ele tem as mãos quentes. Segura as dela e pede que olhe bem para seus olhos. Não foi difícil. Estava escrito na retina. Leitura ótica da paixão. Ele sabia ler. Inclina-se e a deita novamente. Abre o primeiro botão da blusa, o segundo, e a mão nas costas desabotoa o sutiã. Os gemidos do prazer invadem o silêncio. Uma súplica. Os dois se encontram na hora marcada em frente ao hospital. Amantes à primeira consulta.
Descruzou as mãos, levantou-se e deixou o banco do jardim para os pombos.