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Artigos-->Nietzsche e Sócrates: dialética, dionisismo e eterno retorno -- 22/06/2002 - 15:47 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nietzsche analisa o fenômeno estranho que constitui a chave da alma de Sócrates, chamada por ele mesmo de o seu “demônio”. Nele, a sabedoria instintiva só se manifesta para se opor ao pensamento consciente:



"Enquanto em todos os homens produtivos o instinto é precisamente a força criadora-afirmativa e a consciência se porta como crítica e dissuasiva, em Sócrates é o instinto que se torna crítico e a consciência criadora &
61485; uma verdadeira monstruosidade per defectum!" (Nietzsche, 1987, p.11)



Antes de Sócrates, observa Nietzsche (1984, p.17-23, passim), as “maneiras dialéticas” eram proscritas pela boa sociedade, tidas como inconvenientes. Os que, eventualmente, apresentassem suas razões por meio dela eram examinados com uma natural desconfiança: “o que precisa ser demonstrado para ser crido não vale grande coisa”. Sócrates, originário do populacho, foi um polichinelo levado a sério. Pergunta Nietzsche: seria a ironia socrática uma fórmula de ressentimento popular? Na punhalada do silogismo, saboreia ele sua ferocidade de oprimido? Seria sua dialética uma forma de vingança? Nietzsche avalia assim o fenômeno: Sócrates previu que a idiossincrasia de seu caso já não era excepcional, era uma degeneração que se propagava rápida e secretamente. O “velho feitio” aos poucos desaparecia. Ninguém era mais senhor de si mesmo, os instintos se revolviam uns contra os outros. Ele, Sócrates, apesar da feiura, fascinava como dominador de todos os seus “vícios e maus desejos”. Fascinava “como resposta, como solução, como aparência do tratamento que visava a cura indicada em tais casos”. O racionalismo tornou-se forçoso como remédio e, diante disto, não é pequeno o perigo de que outra força nos tiranize: ou sucumbir ou ser absolutamente racional. Agora, argumenta Nietzsche, qualquer concessão aos instintos e ao inconsciente nos rebaixa.

É do temperamento do herói euripidiano uma necessidade imprescindível de justificar seus atos: herói dialético, portanto. O triunfo do otimismo dialético encontra seu lugar na fria clareza e consciência. As três formas essenciais de otimismo, objetivadas nas máximas socráticas (Virtude é saber; só se peca por ignorância; o virtuoso é feliz), tão contrárias aos instintos dos antigos helenos, resumem a morte da tragédia,



"pois agora o herói virtuoso tem de ser dialético, agora é preciso que haja entre virtude e saber, fé e moral, um vínculo necessário e visível, agora a justiça transcendental de Ésquilo se rebaixa ao princípio raso e insolente da ‘justiça poética’, com o seu costumeiro deus ex machina". (Nietzsche, 1987, p.13-4)



A degenerescência da filosofia, segundo Nietzsche, citado por Deleuze (1994, p.19 et.seq.), aparece nitidamente com Sócrates. Ele inventou a metafísica quando faz da vida “qualquer coisa que deve ser julgada, medida, limitada, e do pensamento ... um limite, que exerce em nome de valores superiores &
61485; o Divino, o verdadeiro, o Belo, o Bem...” Ora, a própria dialética prolonga este passe de prestidigitador, na medida que nos convida a recuperar propriedades alienadas. Tudo retorna ao espírito, no processo dialético.

O dionisíaco é a instauração de uma nova existência. Nossa plenitude, com a qual transfiguramos as coisas e a preenchemos de nossa própria alegria de viver. Sim, alegria de viver, apesar do sofrimento:



"O profundo grego, extraordinariamente suscetível como ninguém ao mais terrível e ao mais severo sofrimento, consola-se olhando frontalmente para a terrível destrutividade da chamada história do mundo, assim como para a crueldade da natureza, e está em perigo de ansiar por uma negação budista da Vontade. A arte resgata-o, porém, e através da arte &
61485; a vida". (Hollinrake, 1986, p.216)



José Miguel Wisnick (1987, p.219) observa que muitos não entenderam jamais como que uma disposição radicalmente trágica pode dar origem a uma posicionamento afirmativo. O poder da liberdade dionisíaca suscita a transfiguração. Conforme Kossovitch (1979, p.125), “três elementos essenciais [são inerentes a esse processo] o instinto sexual, a embriaguez e a crueldade &
61485; todos fazem parte das mais antigas festas da humanidade”. Eis o lugar de Dioniso no eterno retorno:



"Aqui coloco o Dioniso dos gregos: a afirmação religiosa da vida, da vida inteira, não negada e pela metade; (típico — que o ato sexual desperta profundez, mistério, veneração) ...[Com Dioniso] A vida mesma, sua eterna fecundidade e retorno, condiciona o tormento, a destruição, a vontade de aniquilamento ... O homem trágico afirma ainda o mais acerbo sofrer: ele é forte, pleno, divinizante o bastante para isso ... O Dioniso cortado em pedaços é uma promessa de vida: eternamente renascerá e voltará da destruição". (Nietzsche, 1987, p.174)



Podemos considerar o eterno retorno, apesar das premissas antigas, como uma descoberta nietzscheana. Não se encontrava nos antigos, Nietzsche bem o sabia, nem na Grécia, nem no Oriente, a não ser de uma maneira parcelar e incerta, num sentido completamente diverso. O segredo de Nietzsche é que o eterno retorno é seletivo, isto é, não é simplesmente um ciclo, num retorno do todo, num retorno do mesmo, num retorno ao mesmo. Aliás, o eterno retorno é duplamente seletivo. Primeiro como pensamento. Eis a doutrina nietzscheana:



"Vive de tal maneira que devas desejar reviver, é o dever &
61485; porque tu reviverás, de qualquer modo! Aquele cujo esforço é a alegria suprema, que se esforçe! Aquele que gosta sobretudo de repouso, que repouse! Aquele que gosta antes de tudo de submeter-se, obedecer e seguir, que obedeça! Mas que saiba bem para onde vai a sua preferência e que não recue diante de nenhum meio! Aí está a eternidade!" (Deleuze, op. cit., p.77)



Além do pensamento seletivo, o eterno retorno é, também, o Ser seletivo. Como uma roda, o movimento do eterno retorno é dotado de um poder centrífugo que expulsa todo o negativo. São expulsas as forças reativas e todas as formas de niilismo. Só as veremos uma vez. O que retorna, portanto, é tudo aquilo que pode ser afirmado: a vida aceita na sua inteireza.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



DELEUZE, G. Nietzsche. Trad. Alberto Campos. Lisboa: edições 70, 1994.

HOLLINRAKE, R. Nietzsche Wagner e a filosofia do pessimismo. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

KOSSOVITCH, L. Signos e poderes em Nietzsche. São Paulo: Ática, 1979.

NIETZSCHE, F. W. Crepúsculo dos Ídolos ou filosofia a golpes de martelo. Trad. Edson Bini e Márcio Pugliesi. São Paulo: Hemus, 1984.

NIETZSCHE, F. W. Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: nova cultural, 1987. 2v. (Os pensadores).

WISNIK, J. M. A paixão dionisíaca em Tristão e Isolda. In: CARDOSO, S. et al. Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.195-228.



Dante Gatto, Professor

Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

gattod@terra.com.br



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