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Contos-->À Sombra do Jatobá. - Segunda parte - XI - A volta de Delfin -- 16/09/2003 - 19:52 (Christina Cabral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SEGUNDA PARTE

À Sombra do Jatobá XI – A volta de Delfina

Alongando o olhar pelo seu conhecido rincão, Delfina deixou-se dominar pela emoção, e que as lágrimas corressem, livres, pelo seu rosto. Voltava para a sua família e trazia a alma sofrida por horrível e repentino golpe.

Depois de tantas lutas, de tantos sonhos e tantas esperanças, um acidente pusera fim à sua felicidade. Uma queda, um golpe na nuca no meio-fio aguçado, empurrado por uma bicicleta, e Roberto se fora, deixando-a ali, parada ao seu lado, atônita, vendo esvair-se a preciosa vida do seu marido, em plena rua, em pleno sol! O povo se aglomerando, alguém gritando por um médico.

O tempo estacou, como em um pesadelo. Delfina, completamente aturdida, deixou que o levassem, que a levassem, sem reagir, sem querer aceitar a tragédia, sem tomá-la para si, como fazia agora.

Ao saber, por telefone, da morte do cunhado, Vadico tomou um avião para Recife. Encontrou a casa de Delfina repleta de amigos do casal e de clientes do Roberto. A irmã abraçou-o, cheia de gratidão, mas mantinha os olhos secos, a face inexpressiva e absolutamente pálida. Como se cumprisse uma obrigação que só a ela cabia, atendia com atenção às pessoas que chegavam, agradecia seriamente os pêsames, abraçava com carinho, as velhinhas clientes que se desfaziam em lágrimas. Os parentes de Roberto não estranhavam a atitude séria e ativa de Delfina, pois tinham aprendido a admirá-la, como companheira incansável e dedicada, como mãe vigilante e carinhosa. Sabiam que ela fazia um enorme esforço para manter-se firme e controlar o pranto de Miloca.

Para confortar a menina alguém havia dito:

- O seu papai está no céu, meu bem. Papai do Céu o levou.

Os olhos rubros da criança fuzilaram e ela respondeu:

- Eu odeio o Papai do Céu! Odeio! – e foi esconder o rosto nos braços de Vadico.

Alguns dias depois do enterro no mausoléu da família de Roberto, Vadico acompanhou a irmã e a sobrinha ao aeroporto. Sabia que Manfredo e o pai estariam esperando por ela, em Fortaleza.

- Delfina – ele lhe disse, ao se despedir – você é a pessoa a quem mais admiro; a você eu devo a minha carreira de jornalista e o apoio que me deu a vida toda, mesmo quando eu não a compreendia. Eu tenho certeza, minha irmã, que você voltará a se encontrar e a continuar a tomar conta de toda a família, como sempre o fez. Que Deus a abençoe e ajude neste momento de tanta dor,

Delfina juntou-o ao peito e, com os olhos tristes, o aconselhou:

- Cuida bem de você, Vadico; eu preciso que cuide muito bem de você...

Tocando de leve no seu rosto, ela, dando a mão para a filha, dirigiu-se para o avião.

Durante o vôo, começou a pensar nos seus dez anos de casada, que passara em Recife, sentindo-se sempre em ambiente estranho, a imaginar a vida em sua casa, na velha fazenda. Ficava-lhe como um remorso, por tê-los abandonado.

Enquanto Roberto trabalhava em seu consultório ou saia para visitar clientes, ela, já pesadona, cucava na solidão as recordações e esperava, ansiosa, que seu filho nascesse e viesse afastar a sensação de tédio que, na varanda de sua casa, em frente ao mar, a assaltava. O mar, que se perdia nas lonjuras, era-lhe um desconhecido. Habituára-se a ter o horizonte curto, com o que se integrava e que lhe exigia ação imediata, que não lhe dava tempo para divagações, nem mesmo para se analisar, como fazia agora. Na fazendo, era parte das pessoas e suas lutas, dos animais e suas necessidades, das plantas e seu desabrochar, do tempo e seu ciclo, tão importante para o sertão.

Ela não era dali, e somente Roberto a prendia com amor e carinho.

Durante toda a viagem, mantinha os olhos presos nas estrelas, que faiscavam no negror do céu. Não se moviam, a encará-la pisca-piscando, indiferentes à sua sorte, aos seus olhos angustiados – duas estrelas ardentes, cheias de mágoas. Agora estava voltando, com o coração em pedaços, para casa.

Em Fortaleza, o pai e Manfredo esperavam por ela. Abraçaram-se com carinho e Manfredo carregou Miloca ainda meio adormecida para o carro que os levaria diretamente para a fazenda. O silêncio os unia. O pai e o irmão eram blocos de pedra em suas fisionomias. Entre eles Delfina encontrou-se em casa, segura e compreendida, pois o silêncio que os envolvia falava mais do que todos os pêsames e abraços, sentidos, que havia recebido em Recife. Otávio e Manfredo haviam notado seus olhos vermelhos e inchados, sua face lívida, e se calaram. Nada havia que pudessem dizer, e sim calar o melhor possível as suas emoções.

O dia surgia bonito, o sol lançava seus primeiros raios através da janela do carro e iluminava o rosto de Miloca. Delfina tentou protegê-la com um lenço, mas a menina acordou e, estremunhada, perguntou-lhe:

- Estamos chegando?

- Não - respondeu Otávio – falta uma boa caminhada. Mas dá um abraço aqui no vovô, sua dorminhoca.

Miloca, na parte de trás do carro, se levantou, envolveu o pescoço do avô e beijou-lhe a face. Depois afundou o rosto nas dobras de sua camisa e começou a chorar.

- Pare o carro, Manfredo – comandou Otávio – vamos acomodar esta mocinha aqui na frente, para apreciar melhor a viagem, junto do vôinho.

Apertada entre os dois homens volumosos, Miloca sorriu.

- Nós parecemos um sanduíche de muito pão e uma salsichinha – brincou Manfredo.

Escutando ainda a risada dos três, Delfina fechou os olhos e, pela primeira vês desde que saíra de Recife, deixou que o sono a dominasse. Seu sonho foi povoado com figuras da fazenda. Viu-se sem idade definida, a entregar-se ao trabalho, como se fizesse parte dos ajudantes de seu pai e, juntamente com os vaqueiros, corria atrás de rezes bravias, dos barbatões selvagens. Num dado momento, a cena tornou-se violenta: enquanto dois homens sujeitavam um garrote vigoroso, alguém lhe pôs nas mãos um ferro em brasa com um “E” de Esperança, para que ela marcasse o animal. Delfina olhava horrorizada a letra incandescente e relutava em aproximá-la da anca da rês, que, com seus grandes olhos esbugalhados, fitava-a, apavorada.

Deixou cair o ferro rubro, enquanto ouvia a reprovação de Otávio e a chacota dos vaqueiros. Fugindo do bando que se retorcia em gargalhadas, entrou correndo pela caatinga. Suas vestes e cabelos prendiam-se nos galhos sanhudos das juremas e unhas-de-gatos, arranhava-se nos mandacarus e, de repente, surgiram em seu caminho centenas de vacas mortas, de pele branca e flácida, como a dos frangos depenados, e ela se viu obrigada a escalar seus corpos, num contato repulsivo. Seus pés escorregavam, ora em carcaças expostas, ora afundavam nos couros visguentos e frios. Sentia-se sem destino e sem futuro, fugindo por aquele caminho coalhado de animais mortos.

Fazia força para acordar; tinha a certeza de estar entregue a um monstruoso pesadelo.

- Mãinha, chamou Miloca, estamos chegando na cidade! Olha, vovô já me mostrou, lá em baixo, a igreja!

Que alívio! Delfina espichou o olhar para fora do carro e avistou o campanário da Matriz, onde ela e Roberto haviam se casado.

Agora, com o peito a estalar de saudades, o pensamento a dançar entre as reminiscências da infância e o enlevo amoroso de um passado próximo, do desenlace tão repentino e cruel, deixava que seus olhos se prendessem à paisagem tão sua conhecida e uma sensação de paz tomasse conta, lentamente, dos seus sentidos. As curvas do caminho, contornando pequenas colinas, o surgir de vilas tão suas conhecidas, o cruzar com jegues completamente envolvidos por suas cargas de folhas verdes de cana, fizeram-na sorrir, num sorriso vago, imperceptível, mas num leve despertar de esperança e reconforto.

Ao entrarem no saibro grosso da estrada da fazenda, Delfina como que despertou e passou a seguir com interesse o seu caminho, a prever a chegada de uma porteira, uma ponte sobre o leito seco de um riacho, um umbuzeiro de folhas brilhantes, uma casa deste ou daquele morador, o curral dos benefícios, a cocheira em declive e, lá no alto da colina, o majestoso jatobá, cobrindo parte do telhado de sua casa. O coração começou a palpitar de emoção. O vento que passava e brincava com as folhas das árvores, trazia-lhe o cheiro de sua terra. Delfina descobria a verdade: fora estrangeira, durante dez anos. Deixara-se envolver pelo amor e dedicação ao marido, mas as suas raízes estavam ali, no chão que percorria, aquele mesmo chão que prendia as raízes do velho jatobá e lhe dava seiva e força.

O carro estacionou em frente do varandão de sua casa













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