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Cartas-->Indigestão -- 04/03/2003 - 16:13 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
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Estou aqui de novo. Diante da infalível data. Hoje é o dia dos pais. Pior. Estou na condição de ser homenageado. A minha fase de homenagear já passou. Ah! Nem sei se fazia firula para o meu pai. Sempre achei esse dia meio sem doce e sem sal. Mas hoje resolvi fazer a graça. Dar prosseguimento aos costumes. Costumes mais comerciais do que afetivos. Decidi pela turma. Íamos almoçar em restaurante típico. Somos mineiros. Eu gosto de tutu com torresmo. Angélica come de quase tudo. Os meninos não comem quase nada. O Chagas gosta de quiabo com angu. Era a chance de “matar dois coelhos com uma paulada só”. Levaria o Chagas às suas raízes. Faria aquilo que pouco fiz com o meu pai. Sentar-se à mesa com a família. Assim fiz. Assim fizemos.

Que sufoco! Bem não chegamos e bem não sentamos o garçom disse:

— Vão pedir alguma coisa?

Eu pedi ao garçom calma e brinquei: “A gente ainda nem se sentou”. Esperava dele que freasse o seu ímpeto. Mas que nada. Ele estava irrequieto. Daí fiquei a pensar. Como os valores se inverteram. Que chatura dupla. Havia de comemorar o dia dos pais e ainda agüentaria um garçom chato. Ele não respeitava nem as regras primárias que me ensinaram ao sentar-se à mesa. Por exemplo: A que indica que você está servido. Aquela de só retirar o prato quando os talheres estão juntos no centro do prato. Ensinaram-me assim. Não sei se é uma regra regional ou universal. Ou se de fato ela existe. Mas não era só isso. Serviam apenas refrigerantes em lata. A todo o momento o garçom conferia o conteúdo da lata. Retirava a lata quase vazia e o copo ao meio. Cadê o meu refrigerante?

Está com o garçom. Ele tem pressa. Mas porque a pressa do garçom? O restaurante não vai fechar. Os fregueses são criminosos. Cometem o crime da gula. Sempre voltam ao mesmo lugar. Mas o garçom insiste. Parece que não entende. Tira o prato de salada. Tira o refrigerante da criança. Tira a coca-cola da mulher. Viro as costas. Tira o meu fiapo de lombo assado. Sinto que ele esta atrás de mim. Ouço o seu coração acelerado. O que em nós o intriga? Por acaso não estamos bem vestidos? Hoje é dia dos pais. E eu nem perguntei o preço. Sentamos e esperamos ser bem atendidos. Só! Mais nada. Dia dos pais pode de tudo. Pode até avançar um pouco mais no orçamento. Há uma folha de cheque reservada. Ela selara esse dia. Cairá na conta do dono do bar e o fará feliz. Liquidara uma pequena duplicada. Possivelmente a dos palitos de dente. As pessoas palitam dentes.

Esforço-me para esquecer o garçom. Eu apostei que o Chagas não sairia daqui com um telefone. Ele já conseguiu dois números. Andou de papo com a dona do restaurante. Ela entendeu a conversa do Chagas. Deu um jeito e caiu fora. O Chagas não é de brincadeira. Tem uma lábia que é só dele. É igual mosquito no forro de mesa. Igual abelha no néctar. Igual formiga no açúcar. Gruda. Ama. Devora.

O garçom aproxima-se da mesa. Ele quer acabar com o meu dia de dias dos pais. Toma os pratos das crianças. Junta o sal que caiu no forro da mesa. Junta os palitos. Ele pegou no meu palito. Ele não usa luvas. Ele pode pegar aids. Palito de dente pode ser um condutor do vírus da Aids. O mundo anda meio contaminado. Vingo-me com essa possibilidade remota. Creio que não tenho Aids. Mas me vingo mentalmente. A sua impaciência me atormenta. O que esse cara viu em nós? Ele não nos deixa sossegado. Será que ele pensa que eu não tenho dinheiro para pagar a conta? Será que tenho a cara do Fernandinho beira-mar? Será que pareço com o traficante que freqüenta esse espaço? Será que ele vai arranhar o meu carro? Eu dispensei que olhassem o meu carro. Eu acho que não precisa olhar carro. No meu tempo de vacas magras eu vendia picolé. Não tomava dinheiro de ninguém. Mas os tempos mudaram. Olhar carro é um novo tipo de serviço que nasceu com a exclusão social. Sempre há a hipótese de alguém aranhar o seu carro. Aranhar o carro e como arranhar o coração com um punhal.

E o diabo do garçom me persegue. Sinto o seu cheiro. Ele pega a minha pequena xícara ideal. Ela está com o esmalte quebrado. Lembra-me a do meu tio. Uma xícara para uma cachaça. Apenas uma xícara de cachaça. Sou interrompido pelo garçom. Ele parece que está contra mim. Ele conspira contra mim e ela. Agora não sou eu que bebo a cachaça. É a cachaça que me bebe. Hoje é dia dos pais. Não posso mais fazer meu pai feliz. Faço o Chagas feliz. Mas o Chagas é do tipo de quem já nasceu feliz. Então é a mim que ele faz feliz. O Chagas se faz de bobo para viver. Faz-me perguntas tolas. Penso que me testa. Quer saber se o número zero do CPF tem algum valor. Digo-lhe que números não têm alma. Ele apenas sorri.

E o garçom insiste em nos rodear. Será que ele não tem mais ninguém para servir? O salão está cheio. Ele esta bem próximo de mim. Saio da mesa. Vou até à venda. Quero conferir as marcas de cachaça. Ver o fumo de rolo que tantas vidas já enrolou. Ver a balança e o fiel que tantas vezes fora infiel. Ver o tonel de cachaça que tantos ratos dissolveram. Ver o rádio antigo que tantas famílias esclareceram. Ver a cela. Não. Não tem cela. Ela está pendurada na varanda de minha casa. Ela é o que restou das minhas terras. Terras ásperas e ácidas. Terras que lavrei com a minha imaginação. Dez anos a lavrei. Havia esperança de paz e sossego. Quanta ilusão? A juriti pousa nos postes de concreto. O se anu pendura nos fios de eletricidade. O galo do campo tromba nos muros. A garrincha já faz ninho nos tijolos furados. Os sabiás preferem os quintais de mil metros. Os urubus os prédios centrais. As pombas as praças e os carcarás os telhados. Os Joões-de-barro estão vindo para a cidade. A escória urbana está indo para o campo.

Perto de mim há uma caixa de som. A música é alta e suave. O garçom me perturba mais do que o ruído da caixa. Ele pega uma coisa. Pega outra. Pega as figurinhas de chiclete do menino. Leva tudo embora. Ele não tem dimensão do que é público. Não sabe o que é privado. Sabe só sobre os dez por cento. O garçom está ansioso. Quer que a gente coma logo. Tem mais gente chegando. Mais! Mais! Hoje é dia dos pais. Eu posso me levantar e me servir quantas vezes quiser. Do jeito que quiser. Eu brigo com o garçom? Mas por que brigar com o garçom? Hoje é dia dos pais. Eu nem discuti quanto vou pagar. Quanto vai ficar a conta. Se ele vai fazer conta de chegar. Se vai aumentar a quantidade de coca. Se vai embutir na máquina valores que eu não consumi. Hoje eu pago tudo.

Garçom! Por favor! Deixe-me curtir o meu dia de dia dos pais. Você não tem pai? Nunca teve pai? Nunca curtiu um pai? Nunca zombou de um pai? Nunca amou um pai? Nunca pisou no coração de um pai? Nunca roubou de um pai? Nunca teve vergonha do pai? Nunca desejou que o pai morresse? Nunca duvidou de que seu pai fosse capaz disso e daquilo? De ser homem? De se superar como homem?

É garçom... Você me deixou engasgado. Talvez hoje você trabalhe como um pai. Um pai precisa levar dinheiro para casa para ensinar uma criança a um dia ser pai. E eu prestes a brigar com você! Confesso que te denuncie para a sua patroa. Você não me deixou sossegado. Você não deixou eu curtir o meu pai. Você não me deixou lambuzar a minha boca com aquele leitão pururuca. Você não deu tempo. Você não deixou que um fiapo de couve ficasse grudado no canto de minha boca. Eu mal comi quiabo que escorrega logo. Mal comi torresmo. Você tirou de mim um gole de cachaça do norte de minas. Você foi forte. Você marcou presença demais. Eu só queria curtir o meu pai na pessoa do meu velho amigo Chagas. Confesso que relativamente as coisas aconteceram. Da parte do Chagas acho que ele se sentiu muito bem. Levou consigo dois números de telefones. Pirraça por pirraça pago com cartão. Você — de mim — não leva mais do que o combinado com a casa. Tudo bem! Você dirá para os seus amigos que eu sou o tipo de cliente mão de vaca. Do tipo cocão. Um cravo! Pode até ser. Mas nos dia dos pais é só servir... O ano que vem tudo se repete. Virão dias das mães. Virão dias dos namorados. Virão datas e mais datas. É uma azia esse consumismo imposto. É uma indigestão.

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