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Contos-->A Vida no Paraíso -- 20/09/2003 - 15:45 (José Ricardo da Hora Vidal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Parece que foi ontem quando a turma de cabeludos chegou aqui, com flo-res nos cabelos e violão a tiracolo. Nas capangas, alguns livros de filosofia oriental, Nas cabeças, a certeza da chegada da Era de Aquário. Alguns ventres estavam semeados com os frutos do novo milênio. Eu era um desses frutos. Quantos vieram com meus pais eu não sei, uma vez que a comunidade do pa-raíso tinha uma população flutuante e eles não cultuavam muito a matemática.

Minha mãe dizia que vim ao mundo, parto natural, ao som de Californa Dreamin’. Minha maternidade foi ao pé de uma barraca debaixo de coqueiro. Fui o primeiro dos frutos do paraíso. Os outros nasceram na cabana maior, cujas ruínas ainda vegetam no horizonte, no alto da falésia.

Nos primeiros anos da comunidade eu não tenho muitas lembranças. Sei que havia festa quase todas as noites. De dia, as pessoas trabalhavam para manter a comunidade: Tinha o time dos pescadores, o time dos carpinteiros, o time dos artesãos, o time dos agricultores. O mais importante destes times era os dos músicos, que tocavam sem parar. Os músicos era como a casta sacer-dotal da comunidade, anunciando a chegada de uma nova era. No plenilúnio, mais pais e meus “tios e tias” realizam as festas mais animadas. Nós, os frutos, assistíamos a primeira parte, em que era havia um grande banquete. Mais tar-de, depois de comermos e bebermos muito, quando algumas das convivas en-travam em transe, depois de fumar muito, e ficavam nuas, nós, os frutos do paraíso, éramos levados às nossas camas e os adultos. Eu, que demorava muito para dormir, costumava ouvir uns gemidos e uns gritos estranhos. Na minha inocência, ficava assustado e procurava dormir o mais rápido possível.

Os primeiros anos do paraíso foram felizes. Mas a felicidade, a paz e o amor não foram eternos como sonharam meus pais e meus tios. Algumas pes-soas da nossa comunidade queriam viver totalmente integrado com natureza. Outros queriam alguns confortos da sociedade como vitrolas, luz elétrica e água quente para o banho. Também havia os queriam tornar o mundo um pa-raíso igual ao nosso e os queriam que o paraíso fosse só nosso.

Meus pais, influenciados tantos pelo Bhagavad-Gita e I Ching como por Herbert Marcusse e Walt Disney, procuravam levar uma vida mais equilibrada e pragmática. Depois de anos e anos de discussão, conseguiram convencer que vila tivesse luz elétrica e água encanada, ficando livre a adesão de cada casa. Também conseguiram a legalização da nossa cooperativa de ensino experi-mental que funcionava lá. O posto de saúde, que misturava alopatia ortodoxa com medicina alternativa, passou a receber dinheiro do governo.

Com os avanços destas conquistas, a vida da comunidade passou a mu-dar. As casas de madeiras passaram a ser de tijolos e ter esgoto e energia. Os cabelos foram ficando curtos e novos times passaram a atuar, substituindo os outros: funcionários públicos, informatas, policiais, advogados e comercian-tes. As festas foram diminuindo até desaparecem por completo. A lua cheia deixou de ser comemorada e o tal fumo que deixavam as pessoas em transe ficou proibido. Meus pais, assim como meus “tios e tias” foram ficando velhos e pararam de falar em paz, amor, nudismo e Sai Baba – falam agora em clona-gem, inflação, terrorismo, colesterol e Internet.

Os frutos da nova Era cresceram e hoje são respeitáveis profissionais, jo-vens, financeiramente estáveis e com as casas repletas do que há de melhor de novidades tecnológicas. No fins de semanas, minha geração se reúnem para beber e tomar algumas anfetaminas.

E aqui estou, com meu diploma de arquiteto, escrevendo minhas memó-rias. Será que o paraíso de meus pais e “tios” mudou? Acho que não. O paraí-so é exatamente como meus pais sonharam, quando vieram para cá. Contudo, o que sinto incomodar a esta primeira geração, que fundaram o paraíso, é ver o velho furgão psicodélico estacionado na nossa garagem, como o fantasma que não quer se calar…
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