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Poesias-->Poemas: uma proposta de análise -- 26/05/2004 - 07:37 (Paulo Machado da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Centro Universitário Augusto Motta

Literatura Brasileira IV

Professora: Katja

Aluno: Paulo Machado da Costa





POEMAS: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE





Ferreira Gullar, no prema Traduzir-se, questiona o que é arte. A arte é um substantivo feminino que determina um conjunto de regras para dizer ou fazer com acerto alguma coisa ou expressão de um ideal de beleza, concretizado em qualquer obra de gênero artístico. Nesse poema existe uma dualidade em todas as estrofes.

Por exemplo: Uma parte de mim

É todo mundo

Outra parte é ninguém



Todo mundo e ninguém poderia ser explicado através da leitura de duas obras, o Auto da Lusitânia (episódio de Todo o Mundo e Ninguém), de Gil Vicente, e Odisséia, de Homero.

Uma parte de mim

É multidão.;

Outra parte estranheza

E solidão



Às vezes o eu-lírico se sente acompanhado por muitas pessoas, ou melhor, por uma multidão. Outras vezes ele estranha-se e sente uma grande solidão. Mesmo que você esteja acompanhado da multidão, pode-se encontrar sozinho. O texto oscila entre “uma parte”, que se volta para a vivência social, e “outra parte”, o “outro” lado, escondido, da interioridade.



Uma parte de mim

Pesa, pondera.;

Outra parte

Delira



Uma parte é pesada como joio carregado nas costas ou sobre a sua cabeça. O peso é tão grande, que o leva a refletir quanto à real necessidade de se conviver com isso.; é a razão. A outra parte delira, mostra sensibilidade. A arte faz o eu-lírico delirar, ficar alegre.



Uma parte de mim

Almoça e janta

Outra parte

Se espanta



A parte que “almoça e janta” pertence ao homem comum. E a parte que “se espanta” pode ser considerada a arte. Porque a arte espanta, choca, deixa perplexo.



Uma parte de mim

É permanente,

Outra parte

Se sabe de repente.



A parte que “É permanente” é imutável, corrente contínua. Representa a rotina, a permanência. “Se sabe de repente” pode ser interpretado como a parte mutável. Uma corrente alternada. Representa o novo, a mudança.



Uma parte de mim

É só vertigem.;

Outra parte

Linguagem



A parte que “É só vertigem” está relacionada à tonteira (tontice), é o estar fora da realidade. A parte que é “Linguagem” (conjunto de sinais falados, escritos ou gesticulados de que se serve o homem para exprimir suas idéias e sentimentos) refere-se ao conhecimento, à sabedoria, à intelectualidade. A “linguagem” representa também a comunicação com o outro, enquanto a “vertigem” é sair de si.



Traduzir uma parte

Na outra parte

- o que é uma questão

de vida ou morte

Será arte?



Aqui está talvez a parte mais difícil de se entender. No léxico, “traduzir” pode significar verter, significar, demonstrar, representar, simbolizar etc. No poema, pode significar a interpretação de uma parte na outra, a interpenetração dos dois lados humanos, o mais racional e o mais emotivo, o solitário e o comunicativo, na busca de um viver mais pleno. O título do poema é “Traduzir-se”, diferente de traduzir de uma língua para a outra. O “se” aqui é reflexivo, implicando, portanto, a convivência das duas partes, o que significa uma questão de vida ou de morte na manutenção do próprio eu, que precisa conjugar os dois lados. Isto será arte? O autor termina por levar ao questionamento do que é arte, onde se pode ver o diálogo entre a tradição (“permanente”) e a ruptura, o novo (“se sabe de repente”), entre a retórica clássica (“pesa, pondera”) e a romântica (“delira”). Este poema pode ser considerado uma obra de arte. E diferente! Acabou tornando-se uma música.



O poema Mapa, de Murilo Mendes, pode indicar que o eu-lírico procura uma localização, um limite ou uma identificação, usando para isso o pronome pessoal oblíquo me. Percebe-se isso através dos verbos na terceira pessoal do plural, do modo Indicativo. Ele nasce em um determinado tempo, “me colocaram no tempo”, o sujeito indeterminado evidencia sintaticamente que o eu não é sujeito do seu nascimento. O tempo em que os verbos iniciais são empregados é o Pretérito Perfeito, indicando o passado. A auto-apresentação se dá: “uma alma viva e um corpo desconjuntado”, um corpo disforme, desestruturado, porém com uma alma cheia de vitalidade. A busca de definição, abdicando de verbos, interage com a tentativa de se situar no espaço através dos pontos cardeais, ser limitado pelo tempo em que nasceu, pelo espaço, pela sociedade. Seu norte – seu rumo, a direção apontada pela sua bússola interna - define-se pelos sentidos, sua capacidade de interagir com o mundo. Do outro lado, no extremo oposto, o sul, o medo, o interior perturbado pela idéia de um perigo real ou aparente. “A leste pelo apóstolo São Paulo” é a marca do discurso religioso. “A oeste pela minha educação” evidencia a educação recebida, a influência da família, da sociedade. A educação é de berço e a instrução é na escola.



Quando ele se vê “numa nebulosa” está em um universo em formação, rodando, como um fluído que desaparece no ar. “Depois chego à consciência da terra”, deixou de ser uma nebulosa, de ser um fluído, chegando ao chão, ao solo, amadurecendo, “andando com os outros”. Já não está mais só. “Me pregaram numa cruz” assinala a volta ao discurso religioso, colocando-se o eu-lírico na mesma situação de Cristo. O substantivo masculino “Colégio” possui uma plurisignificação: tanto pode ser entendido, em sentido restrito, como

estabelecimento, público ou particular, que se dedica ao ensino, ou, em sentido mais abrangente à própria sociedade de que ele faz parte (acepção de “confraria, associação, corporação”). A relação que trava com esse espaço – “Colégio” – é de revolta e de questionamento do poder e da ordem. A indignação do eu-lírico deve-se ao fato de o chamarem por um número, o que significa a perda do nome, da identidade: Fui despersonificado, virei um dado estatístico.; sou apenas mais um e nada mais. Depois de tudo isso, “me puseram o rótulo de homem”, o que significa ser visto como mais um meio à sociedade.; não é percebido como uma alma e um corpo. Só lhe resta rir, andar aos solavancos ou trancos e barrancos – resistir à massificação a que é submetido, tentando “mapear-se” para não se perder.





O último poema chama-se, O poeta da roça, de Antônio Gonçalves da Silva. Ou melhor: Patativa do Assaré, como ficou conhecido. Cidadão do campo, semi-analfabeto, serviu de estudo para as Universidades, falecido em janeiro de 2003. O seu nome é derivado de uma ave canora (patativa) e Assaré é a cidade em que nasceu. Cordelista dos mais famosos vem mostrar que para se fazer poesia de boa qualidade, não é necessário ser letrado e sim ter dom, ter sensibilidade. Do contrário, como ele e Cartola poderiam criar poemas que são verdadeiras obras primas, como, por exemplo, Vaca Estrela e Boi Fubá e As Rosas não falam? A literatura de cordel e o samba não têm o compromisso de serem políticos, porém Vaca Estrela e Boi Fubá e O bêbado e o Equilibrista são poemas que se apresentam com um conteúdo político. No primeiro, narram-se as mágoas de um sertanista vivendo “nas terra do sul, longe do seu torrão nata”, “por causa de uma seca medonha que fez tudo se atrapalhar”. O texto mostra a seca, a miséria, a desgraça que até hoje assolam o nosso Nordeste, sem que haja qualquer vontade política de se resolver o problema. O segundo narra as Clarices e as Marias do solo do Brasil, o irmão do Henfil e todos que partiram num “rabo de foguete”, em nome de uma ditadura que condenou o nosso berço esplêndido a mais de trinta anos de atraso e a uma democracia que nunca existiu.



“O poeta da roça” começa com um sujeito oculto dizendo que “é fio das mata, cantô da mão grossa,/ Trabáio na roça, de inverno e de estio,/ A minha chupana é tapada de barro,/ Só fumo cigarro de paia, de mio.” Observa-se que é um trabalhador rural que faz poemas, escreve do jeito que fala, possui uma cabana tapada de barro e o cigarro é de produção artesanal. É um poeta das matas espessas e não um menestrel ou um cantor que anda ao acaso, com uma viola, cheio de orgulho, à procura de um amor.



O verso “Não tenho sabença, pois nunca estudei,” mostra que o eu-lírico não possui saber acadêmico, saber institucionalizado, porque nunca estudou. Possui experiência de vida. “Apenas eu sei o meu nome assiná,/ Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre” assinala a pobreza em que ele vivia, sem saber assinar o nome, com o pai sem dinheiro. A diferença de classes é abordada quando mostra a dificuldade dos pobres terem acesso à cultura, ao saber nos bancos escolares: “E o fio do pobre não pode estudá”. Assim sendo, sua poesia reflete sua origem campesina, pobre, simples: “Meu verso rastêro, singelo e sem graça,/ Não entra na praça, no rico salão”. Seu verso humilde e sem graça não tem lugar nos salões ricos, só no campo, na roça, da serra ao sertão. O poeta só canta o que é da vida apertada, do trabalho pesado da roça e, quando bate uma saudade que mora no seu peito, canta!



O eu-lírico afirma que sua matéria poética tem por tema o mestiço, o caboclo, o vaqueiro, o mendigo, ou seja, o homem brasileiro existente fora do circuito das grandes cidades, homem muitas vezes marginalizado ao sistema. Aborda também o contexto social, focalizando o espaço de deslocamento desse homem e os seres com que interage, como o boi marruá, a caipora, a mata fechada. Termina o poema afirmando a sua felicidade em viver no campo, “sem a cobiça dos cofre luzente”, pois que seu canto se tece das verdades de sua terra, uma verdade esquecida e relegada a segundo plano pelo poder cultural do nosso país.



Patativa às vezes usa o sujeito na primeira pessoa do singular, outras vezes não. As palavras com dígrafo não existem, como com “lh”, o que evidencia um vocabulário simples, coloquial, empregado por uma pessoa que mostra, por um lado, a sua identificação com o povo, por outro, o seu afastamento da norma culta usada pela elite intelectualizada. Usa palavras que não podem fechar sílaba em Língua Portuguesa, como cantô, amô, fazendo a apócope do fonema /r/, empregando, por isso, a acentuação gráfica errada. Neste poema, ele se apresenta, se auto-caracteriza, além de mostrar a identidade do brasileiro esquecido pelo poder, que só é lembrado no período das eleições e por quem o nosso governo pouquíssimo faz. O texto mostra o falar diferente do homem do campo, desviando-se da norma culta, porém sendo bem entendido.



Os três textos trabalham com a identidade. Os dois primeiros mostram as dualidades do ser humano: “uma parte”/“outra parte” e “alma”/ “corpo”.; o interior do ser e a sociedade.; o concreto e o abstrato. Os autores atentam para a busca de definição do ser, o “Traduzir-se”, o “Mapa”, “O poeta da roça” . Os dois textos assinalam a necessidade de sobrevivência do homem: o primeiro, pela articulação das duas partes.; o segundo, pela resistência do ser, que segue caminhando pela vida.; o terceiro, pelas agruras enfrentadas pelo homem simples, do campo. Os dois primeiros assinalam uma visão mais existencialista do homem que se interroga e se angustia, mostrando também uma visão de mundo integrada com o saber acadêmico. O terceiro assinala a visão de mundo do homem do campo, que pode não articular a norma culta, mas evidencia uma compreensão de si e do mundo em que vive. Os três talvez busquem, no fundo, definir a arte de ser e de viver.



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