‘O poema que morreu’ vira curta-metragem
Depois de ter sido velado numa urna funerária nas dependências do Sesc-Madureira, no dia 15 de maio, durante a realização do II Fest Poe, ‘O poema que morreu’, de autoria do poeta e jornalista Ricardo França ressuscitará para virar curta-metragem. A produção está sendo feita pela produtora friburguense Urânia Criações, a mesma que realizou o 1º Poetisa – Festival de Poesia em Nova Friburgo, junto com o curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, em novembro do ano passado.
De acordo com Thiago Mello, responsável pelo roteiro, o curta fugirá da narrativa linear, enveredando por uma linha pós-moderna. “Pretendo explorar uma linguagem fragmentada, misturando os planos e os cortes dos diversos momentos do poema, introduzindo, por exemplo, o adolescente, que no texto encerra o poema, já no início do curta-metragem”, revela.
Escrito há cerca de 17 anos, quando França cursava o primeiro período da faculdade de Jornalismo, ‘O poema que morreu’ usa a linguagem da reportagem policial para narrar uma história de decepção amorosa. O que a princípio parece um crime surrealista – a morte do poema – na verdade é o fim de uma paixão, escrita em forma de poesia por um jovem poeta.
A cena é construída a partir da possibilidade de um suicídio ou um assassinato e aos poucos são introduzidos os diversos personagens, tais como o delegado, o legista, os repórteres, pessoas comuns e anônimas que aparecem como curiosos e até mesmo o ponto de interrogação, que fica passeando pelo local.
A reconstrução do poema-reportagem para a linguagem cinematográfica, segundo Ricardo França, tem tudo para dar certo. “O poema nos remete a um enredo de imagens surreais, porém tem princípio, meio e fim. É poético, jornalístico mas pode ser também cinematográfico. O grande desafio será mesmo embaralhar esses conceitos numa visão pós-moderna, que é o que o Thiago pretende fazer. O resultado será muito interessante”, acredita França.
Recentemente ‘O poema que morreu’ foi o terceiro colocado no 1º Concurso Nacional de Poesia para Jornalistas, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, com patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) com apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e da Academia Brasileira de Letras (ABL). O poema foi o único classificado do Rio de Janeiro no concurso, que reuniu mais de 200 trabalhos. A obra abre o livro de poesia ‘Pedra, poesia, pedregulho’, ainda inédito, que deverá ser lançado durante o 2º Poetisa, em novembro.
O POEMA QUE MORREU
Ricardo França
Um assassinato.
Tudo indicava assim.
E o coitado do poema, estirado,
era coceira na curiosidade pública.
Chegou o delegado
- e cismado -
foi tecendo em pensamento
as inconstantes formas da dúvida.
Uma interrogação passeava ali.
Crescia e engordava
- proporcional -
a cada pessoa que parava
na pele da já recém formada
multidão.
Não demorou muito e apareceu o legista.
Ele era meio esquisito,
tinha tique nervoso
e coceira na vista.
Examinou o já lido poema
e constatou o consumado fato:
- Morrera de amor, não de infarto.
Suicídio? Assassinato ?
Quem faria o fatídico ato ?
- Quem ??? perguntava o delegado.
E com um ar sherloquiano
pegou o morto nas mãos.
Sob os olhos atentos da multidão
exclamou a primeira descoberta:
- Não era amador o assassino, era poeta !
“Poeta ?” Indagou a multidão incrédula.
- Poeta! Confirmou alisando o imeeeenso bigode.
Chegaram então os repórteres,
a lavadeira,
o bêbado ainda de porre,
a dona Julieta, o doutor Onofre,
e todos, do sul ao norte,
mastigavam a mesma pergunta:
“Um poeta, mas como é que pode ?”
- Simples! - Explicou o delegado...
A tristeza, num homem apaixonado,
dói além do sustentável.
No peito, abre um buraco.
Tanto insiste
que não resta escapatória,
com o dedo em riste,
atrás da porta,
persiste o crime.
A arma utilizada
não foi revólver,
não foi faca.
Foi um sentimento amargurado
delineado no papel
por uma caneta esferográfica.
Já a paixão - continua -,
foi a vítima,
de vez esquecida,
varrida,
morta.
Não é caso de polícia.
por aí morre um amor por dia,
é uma palavra prolixa, doída.
Dor nenhuma deve virar notícia,
fez bem o poeta em matar essa paixão.
E terminou largando o poema no chão.
Seguiu em frente, sumiu na multidão
que por sua vez se desfez
com a mesma rapidez
que se formou.
Mas do vazio que ficou - dilacerado,
permaneceu solitário
um adolescente
com os olhos molhados
e uma caneta na mão.
Em passos lentos, assimilados,
aproximou-se do poema
no chão largado
e guardou no bolso
a história do amor
que minutos antes havia escrito,
e por qualquer descuido
perdido...
|