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Contos-->A CARTA -- 27/01/2000 - 22:32 (Jefferson Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Aquele rapaz ali sentado, aparentando uns vinte e cinco anos, com um ar rancoroso na face e olhos fixos em alguém, chama-se Eulálio; a pessoa em cujos olhos estão fixos chama-se Camila. O local é uma festa que os amigos de colégio davam para comemorar a formatura da turma e os dezoito anos de Camila. Enquanto Camila dançava, o par de olhos de Eulálio seguiam-na por onde ia. A moça não parava de dançar. Uma música após a outra, sempre havia um pretendente a pedir-lhe a próxima dança. Eulálio deixava transparecer nitidamente sua insatisfação com a cena. O rosto avermelhado e as mãos trêmulas, entornava o copo de cerveja quase todo de uma vez, para, em seguida, enchê-lo novamente. De vez em quando, mordia o lábio inferior, externando uma aflição que, naquela hora, perpassava-lhe a alma e que, pelo jeito, era motivada pela moça a quem não tirava os olhos.

Para que o leitor possa entender os sentimentos por que passa Eulálio é necessário compor os personagens aludidos e os fatos que antecederam a festa em ocorrência.

Camila, como foi dito, tinha dezoito anos. Bonita, alegre e expansiva, não faltava rapaz que se interessasse por ela e lhe fizesse a corte. Tinha muitos amigos, principalmente, aqueles do Colégio Santa Rosa, onde acabara de completar o curso secundário.

Por sua vez, Eulálio, vinte e oito anos, era um homem alto, educado e gentil. Ambicioso, e querendo alcançar depressa os degraus da prosperidade, casou-se cedo. Elvira, a mulher com quem contraiu matrimônio, era pouco mais velha e ele, de maneira alguma, nutria qualquer bom sentimento por ela. Mas era ela de família abastarda e certamente um grande futuro o esperava se entrasse para a família da moça. E assim o fez.

Tinha dois filhos, quando conheceu Camila e por quem se apaixonou perdidamente. Bem-falante, de bom gosto no vestir, Eulálio, com alguns encontros furtivos, fez Camila cair em seus braços, também apaixonada. Um relacionamento estabeleceu-se entre os dois. Todos os dias, Eulálio apanhava Camila na saída do Colégio e iam a algum lugar. Porém, não lhe revelava sua condição conjugal. A felicidade dos dois era visível: em casa, Eulálio demonstrava uma alegria bem diferente das suas chegadas costumeiras; no colégio, Camila radiava alegria, contando para suas amigas as palavras de amor que Eulálio lhe dizia. E isso ele sabia fazer muito bem.

- Como ele é carinhoso, gentil e galante! disse Camila para Natália.
- Mas ele é bem mais velho que você, se é que já te deu conta.
- Quando se ama, não importa a idade, Natália. O que conta é o amor que se tem no coração.
- É... você está mesmo apaixonada!
- E não é de se estar? Se você o conhecesse me daria razão.

Dois meses depois, Eulálio foi-se encontrar com Camila e, como os dois já estavam acostumados um com o outro, numa intimidade sempre crescente, já não tomava tantos cuidados para esconder que era casado. Eulálio esqueceu-se de tirar a aliança e teve, então, que revelar o segredo. Sob o choro e raiva de Camila, Eulálio tentou lhe explicar o quanto a amava e que só escondeu que era casado por medo de perdê-la. Mas, Camila não quis ouvir tais explicações e deixando-o foi embora.

Nos dias que se seguiram foi como se o mundo tivesse terminado para Camila. A dor e o sentimento de ser traída ficaram cravados em seu coração. Mas o amor que sentia era real e não podia ser simplesmente apagado de uma hora para outra. Por isso, vinha-lhe a sensação de que a qualquer momento, de alguma forma, tivesse notícia de que tudo não se tratava de um engano, algum mal entendido.

Por outro lado, Eulálio estava também sofrendo com a distância de Camila. Refletiu muito. Não teria ele coragem de concretizar um rompimento em seu casamento para ficar com Camila. Uma separação conjugal agora seria o fim de sua carreira promissora. Ainda mais agora que ganhara uma das diretorias da empresa do pai de sua esposa. Seria jogar fora todas as suas ambições e seus sonhos, e ele não estava disposto a isso. No entanto, o sofrimento causado pelos pensamentos de perder Camila traspassava-lhe a alma e a paixão em seu peito se avolumava quanto mais transcorriam os dias.

Não aguentando mais, Eulálio foi até à casa de Camila disposto a recompor o relacionamento. Camila o recebeu na esperança de ouvir de Eulálio que tudo aquilo que dissera não era verdade; que tudo que ocorrera tinha sido fruto de alguma espécie de ilusão. Mas era fato: Eulálio tinha outra mulher; e com ela repartia os seus beijos, os seus carinhos e suas juras. No entanto, Eulálio fê-la acreditar - e era verdade mesmo - o quanto a amava e que sua vida sem ela não fazia mais sentido.

- Olha, Camila, se nós tivéssemos a capacidade de traçar as linhas de nosso destino, certamente, teria sido com você, e não com outra, os meus anos passados e aqueles que ainda estão por vir. Disse Eulálio em tom sentido. E emendou:

- Se outro fosse o momento, jamais teria a incapacidade que agora me vejo e que por sua causa me tresvaria a alma.

- sentimento e a intenção de Eulálio para com Camila eram sinceros e verdadeiros. Assim como também era verdadeiro o temor que sentia em se ver privado das regalias, do poder e do bem-estar que possuía se rompesse seu matrimônio para se entregar a um amor que, materialmente, não haveria de lhe proporcionar tudo aquilo por que tanto sonhou.

Na verdade, o terror que acudia à mente de Eulálio fundamentava-se essencialmente na humildade de Camila. De família pobre, era ela a quarta filha  dentre os seis , quatro mulheres e dois homens  do senhor Justiniano, um funcionário público que não conheceu outro trabalho em sua vida que não fosse a portaria do Ministério da Fazenda, onde jamais galgou posto maior, devido a falta de letras; a mãe, dona Francisca, uma simples dona de casa, ocupava-se com a criação dos filhos e com a escola primária, em que lecionava em meio período, e de onde tirava alguns trocados para ajudar no orçamento doméstico.

Mas ambos, senhor Justiniano e dona Francisca, orgulhavam-se dos comentários da vizinhança pela exemplar criação que deram aos filhos. Muito gabavam-se, também, da beleza dele, principalmente, de Camila, que era a mais bonita e a que sempre fazia mais sucesso com os meninos.

As palavras de Eulálio e as lágrimas que correram de seus olhos convenceram Camila de que falava a verdade. O amor que Camila sentia falou mais forte naquela hora e, fazendo-o prometer que resolveria a situação, decidiu voltar com a relação antes rompida.

Voltaram os encontros às escondidas, os beijos, as palavras e os carinhos. Porém, para Camila não era a mesma coisa. Seus pensamentos, ao imaginar o amante nos braços de outra, criou uma certa distância entre os dois.

Camila passou a sair mais com os amigos. Era sempre vista nas festas dançando, coisa que sempre gostou de fazer e fazia-o com uma desenvoltura invejável . Quando os dois saíam a freqüentar alguma festa, ela, por insegurança, fazia insinuações ao dançar de forma mais íntima e sensual com os parceiros. Isso ela fazia para provocar Eulálio, insimulando aquele relacionamento em que ela não passava de amante de Eulálio, mas que era inábil para pôr fim. Eulálio, por seu turno, morria de ciúmes. No entanto, não podia cobrar nenhuma outra atitude de Camila.

- Você está pensando que não reparei na maneira como você dança com aquele cara? Disse Eulálio certa vez, ao notar como Camila colara-se ao outro parceiro dançando uma música romântica.
- Você não tem o direito de criticar-me, tendo em vista que você faz coisa muito pior. Atalhou Camila.
- Se você tomasse uma posição diante de nosso relacionamento, minha atitude seria outra. Disse mais Camila.
- Eu não posso me separar de minha mulher. Você sabe...meus filhos... minha carreira... Desconversava Eulálio.
- Mas esta situação insana está me enlouquecendo. Eu temo...

Camila engoliu o resto

Eulálio baixou o olhar. Teve que admitir que não poderia mesmo recriminá-la de qualquer atitude. No entanto, deixava transparecer o ciúme que lhe roía a alma sempre que a via nos braços de outro.

Passado algum tempo em que aquela situação repetia-se com freqüência, Camila pensou muito e decidiu que aquele caso não teria nenhum futuro para ambos, e resolveu pôr fim ao relacionamento. Ela ainda amava Eulálio, mas a primeira chama que esquentou a ambos havia diminuído muito, pelo menos em seu coração. E assim, decidiu acabar com aquele sofrimento.

Passaram outros tantos dias até que Camila decidiu escrever uma carta a Eulálio explicando-lhe os motivos do rompimento. Pensou que as palavras escritas seriam mais bem entendidas e aceitáveis que se pela boca fossem ditas. E assim escreveu:

“Eulálio,
Nossa paixão transformou-se numa loucura, que acho estar na hora de terminar. É hora de pisarmos no chão e ver que nosso relacionamento, assim como está, não vai muito longe. É hora de pararmos por aqui. Já há onze meses nós estamos juntos e eu sou apaixonada por você, mas essa insânia está me matando.
Às vezes penso que já não posso viver sem você, por isso é necessário por fim a tudo isso. Pois, eu não posso ter você por inteiro e o tempo todo. Você me quer mas diz que não pode separar-se; não quer perder seus privilégios. Mas eu, também, não posso ver minha vida passar diante de mim sem ter um amor completo e verdadeiro.
Eu te amo com muita força. E por causa da força desse amor é que não consigo mais dividi-lo. Prefiro entregar-te a ver nosso amor dividido.
Que as lágrimas que regam as palavras que ora te escrevo sirva para mensurar o grande amor que sinto por ti, mas que é chegado seu fim.
Adeus, meu amor.
Camila”.

Na noite seguinte, Camila iria encontrar-se com Eulálio na festa de formatura aludida no início desta narrativa. Ao se encontrarem, Camila explicou a Eulálio que o namoro entre eles estava terminado, e que ele compreenderia seus motivos depois de ler a carta. Em seguida, entregou-lhe a carta. Eulálio não disse nada. Apenas pegou a carta e colocou-a no bolso.

Enquanto a festa transcorria, Eulálio leu a carta, num momento em que Camila dançava. Camila dançava como nunca. Apesar da dor que sentia com a separação, ela estava aliviada por ter tomado aquela decisão, para ela, a certa. Finalmente a loucura que a dominou por aquele tempo tinha acabado. Estava, num certo sentido, feliz. Por outro lado, Eulálio, ateado por um misto de ciúme e ódio, ficou ali bebendo sem parar, enquanto olhava para Camila a dançar no salão. Nem ele próprio compreendia o sentimento que lhe acudia naquela hora.

Quando Camila voltou a sentar-se na mesa, Eulálio disse-lhe para irem embora, mas, antes, a levaria até sua casa. Camila objetou, dizendo que queria ficar mais na festa. Então, Eulálio falou-lhe que compreendia tudo o que ela disse na sua carta e que ela tinha toda razão; ele não impediria a felicidade dela. Que o que ela decidiu estava decidido. No entanto, antes de terminarem, ele gostaria de conversar com ela para expor uns pontos que achava necessário. Diante disso, Camila aceitou uma última conversa, mas, no seu íntimo, sabia que nada do que Eulálio dissesse mudaria sua decisão.

Eulálio levou Camila de carro até o local dos encontros costumeiros dos dois. Assim que o carro parou, as mãos fortes de Eulálio seguraram o pescoço de Camila até que lhe sumiu a respiração.

No outro dia, lia-se em todos os jornais a manchete a respeito de uma moça bonita encontrada estrangulada em um parque da cidade.





Jefferson Carvalho
bsbab345@zaz.com.br





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